As medidas do Pacto da Troika, subscrito por PS, PSD e CDS e a política deste Governo têm tido impactos gravíssimos no empobrecimento, agudização da pobreza e exclusão social na vida da esmagadora maioria do povo português, mas de forma particularmente grave sobre as crianças e jovens e suas famílias.
Neste contexto, os custos da escolaridade obrigatória são agravados pela profunda limitação da ação social escolar e respetivos apoios, tornando-se insuportáveis para milhares de famílias.
Muitas vezes é afirmado pelos estudantes que a opção por uma via profissionalizante se deve em grande medida à existência de apoios para alimentação, transporte e material escolar e à certeza da impossibilidade económica de prosseguir os estudos no ensino superior público.
Desde o início do atual ano letivo, nalguns casos, ou desde janeiro, noutros, que em várias escolas secundárias públicas do país os estudantes estão a ser informados da inexistência de verbas para assegurar as despesas de alimentação, transporte e materiais escolares e outros subsídios aos estudantes das vias profissionalizantes. Tal situação leva a que muitos estudantes sejam obrigados a pagar a despesa com senha de refeição, fotocópias e passe de transporte.
Importa referir que estes apoios, atribuídos no âmbito do POPH, asseguram despesas fundamentais para garantir a frequência às aulas, sendo que grande parte destes alunos vive em agregados familiares com graves condições económicas e sociais.
O não pagamento destes apoios é gravíssimo e pode contribuir para situações de abandono escolar precoce. Para além disto, com estes atrasos, o Governo PSD/CDS é responsável direto pela negação de condições essenciais de acesso à educação a milhares de estudantes, em frontal desrespeito pela Constituição.
Em 2001, cerca de 30 mil estudantes estudavam em cursos profissionais de secundário. No ano letivo de 2012/2013 o número subiu para 113 mil estudantes, ou seja, hoje cerca de 42,4% dos estudantes estão nas vias profissionais.
Entre 2011 e 2014 o Governo PSD/CDS aplicou um corte no financiamento público no Ensino Básico e Secundário de 1.330 milhões de euros, o que equivale a uma percentagem de menos 23,6% neste espaço de tempo. Este corte tem tido consequências claras na degradação da qualidade do ensino e das condições materiais e humanas nas escolas.
Ao mesmo tempo generalizou-se a oferta de cursos profissionais de secundário e do ensino vocacional de 2º ciclo, 3º ciclo e secundário nas escolas do Ensino Básico e Secundário e escolas profissionais, públicas e privadas. Estes alunos enfrentam muitas vezes grandes dificuldades na frequência e conclusão dos estudos, pelo que a inexistência de apoios (material escolar, passe, alimentação) pode agravar o abandono escolar precoce.
Este Governo mantém o objetivo de encaminhar 50% dos alunos para as vias profissionalizantes. Este caminho é sinónimo de um aprofundamento da desvalorização da via unificada do sistema educativo e de triagem dos alunos em função da sua origem de classe e condições socioeconómicas.
Para fazer face às despesas da educação exige-se cada vez mais das famílias um esforço financeiro injusto, imposto pela desresponsabilização do Estado e pelo corte no investimento público na educação.
A profunda limitação da atual Lei da Ação Social Escolar na escolaridade obrigatória, a ausência de políticas efetivas de apoio aos estudantes e de garantia da igualdade de oportunidades, a responsabilização das famílias pelo dos custos exorbitantes de frequência da escolaridade obrigatória – transportes, alojamento, alimentação, manuais e material escolar – tem conduzido muitos milhares de famílias a situações dramáticas.
É inaceitável que num momento em que aumenta brutalmente o custo de vida, o desemprego, a precariedade, as situações de falência de milhares de empresas e de salários em atraso, o atual Governo PSD/CDS – com a cumplicidade do PS – insista no caminho de corte na ação social escolar e não no seu reforço.
O estágio curricular visa a consolidação dos conhecimentos adquiridos e uma formação em contexto de trabalho. Em todos os cursos profissionais no âmbito da escolaridade obrigatória, o estágio curricular é uma condição obrigatória para a conclusão dos estudos.
Importa referir que muitas vezes o estágio é desadequado e não se enquadra minimamente na área de formação do estudante. Importa assegurar de forma efetiva que os estudantes não estão a ser utilizados como mão-de-obra gratuita ao abrigo de estágios curriculares. Aliás, importa mesmo assegurar o cumprimento dos objetivos da formação em contexto de trabalho para salvaguardar a qualidade pedagógica necessária.
O desempenho do estágio curricular obriga a despesas de transporte, alojamento ou alimentação incomportáveis para muitos estudantes.
Os estudantes estagiários são muitas vezes confrontados, também no plano pedagógico, com uma situação deveras desadequada às necessidades dos seus planos de estudos. É comum o facto de estagiários desempenharem tarefas que em nada contribuem para a conclusão do seu plano de estudos ou para a consolidação dos conhecimentos adquiridos, no seio das entidades de acolhimento. Esta situação degrada a qualidade do Ensino e redunda na subvalorização da formação em contexto de trabalho do estudante estagiário.
A proposta do PCP é a garantia de apoio nos estágios curriculares e profissionais para todos os estudantes, designadamente com despesas de alojamento, alimentação e transporte e materiais escolares. Entendemos esta proposta como medida determinante de combate ao abandono e insucesso escolar, bem como de reforço da escola pública inclusiva.
Nestes termos e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto e âmbito de aplicação
A presente lei tem por objeto a regulação dos estágios curriculares e aplica-se a todos os estágios realizados em estabelecimentos de ensino secundário público e a todas as instituições onde exista ensino profissional no âmbito da escolaridade obrigatória.
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos da presente lei entende-se por:
1- “Estágio curricular”, o período de tempo em que um estudante do Ensino Secundário e do Ensino Profissional desenvolve atividades práticas em contexto de trabalho, no âmbito de uma entidade de acolhimento, acompanhadas e avaliadas pela escola em que se encontra matriculado, quando tal seja condição para obtenção de diploma e certificado;
2- “Entidade de acolhimento”, a entidade, pública ou privada, que acolhe o estudante estagiário, acompanhando e orientando as componentes práticas do trabalho desenvolvido.
Artigo 3.º
Responsabilidades das escolas e das instituições
É da responsabilidade das escolas quanto aos estágios curriculares:
a) Estabelecer protocolos com entidades de acolhimento e definir as condições de realização do estágio dos seus estudantes;
b) Efetuar a colocação dos estudantes nos estágios, consoante os protocolos estabelecidos com as entidades e com a sua área de formação;
c) Garantir a adequação pedagógica dos conteúdos do estágio ao âmbito e aos objetivos do curso que o estudante estagiário frequenta.
Artigo 4.º
Âmbito dos estágios
1 – Os estágios, independentemente da entidade de acolhimento em que se realizem, são inseridos nos objetivos e conteúdos gerais do plano de curso em que se encontrem matriculados os estudantes estagiários.
2 – Os estágios são considerados, para todos os efeitos, como tempos letivos efetivos.
Artigo 5.º
Limite de horas em estágio curricular
1 - Os estágios terão uma duração mínima de 180 horas e máxima de 400 horas.
2- O Conselho Pedagógico define a duração do estágio nos termos previstos no número anterior, de acordo com o número de horas adequado a cada área de formação.
Artigo 6.º
Apoio aos estudantes
1 – O Estado garante a todos os estudantes estagiários apoio financeiro para o suporte das despesas de transporte, alimentação e, se for o caso, alojamento, durante o período correspondente à duração do estágio curricular.
2 – O Estado garante, através das escolas, a gratuitidade dos materiais e equipamentos necessários para a execução dos estágios curriculares no período correspondente à sua duração.
3 – Os apoios referidos no número 1 são atribuídos a todos os estudantes sem prejuízo e independentemente da atribuição de quaisquer outras prestações do Estado, nomeadamente da ação social escolar.
Artigo 7.º
Norma Revogatória
1 - São revogados:
a) A alínea c) do número 1 do artigo 5.º e o artigo 33.º do Decreto-lei n.º e 139/2012, de 5 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 91/2013, de 10 de julho.
b) A Portaria n.º 292-A/2012, de 26 de setembro.
c) A Portaria n.º 276/2013, de 23 de agosto.
2 – Sem prejuízo do previsto no número anterior, consideram-se abrangidos pelo disposto na presente lei todos os estágios previstos no ensino vocacional que continuem a decorrer.
Artigo 9.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação, produzindo efeitos no início do ano letivo seguinte, devendo ser regulamentada no prazo de 30 dias após a respetiva publicação.
Assembleia da República, em 10 de julho de 2014