Intervenção de Octávio Teixeira na Assembleia de República

Regime da concessão de garantias pelo Estado ou por outras pessoas colectivas de direito público

Proposta de Lei nº 92/VII, que "Estabelece o Regime Jurídico da concessão de garantias pelo Estado ou por outras pessoas colectivas de direito público"

Senhor Presidente, Senhores Membros do Governo, Senhores Deputados

Temos hoje presente uma proposta de lei do Governo visando estabelecer o regime jurídico da concessão de garantias pessoais pelo Estado ou por outras pessoas colectivas de direito público. É necessidade que há muito tempo se faz sentir - já que a lei em vigor remonta a 1973 e se refere exclusivamente à figura do aval - e que factos recentes vieram recolocar na ordem do dia.

Julgamos dever relevar positivamente três aspectos da Proposta de Lei: - por um lado, a intenção de criar uma disciplina jurídica comum e uniforme para a concessão de garantias pessoais pelo Estado ou por outras pessoas colectivas de direito público; - por outro lado, abranger não apenas a concessão do aval mas ainda da fiança e de todas as outras modalidades de garantia pessoal admitida sem Direito;- em terceiro lugar, a limitação de todas essas garantias a um limite máximo a fixar anualmente pela Assembleia da República, e não apenas, como actualmente sucede, os avales prestados directamente pelo Estado.

A Proposta de Lei insere, porém, orientações outras que nos suscitam grandes reservas e objecções.

Objecções e reservas que se fundam num princípio essencial, qual seja o de as garantias pessoais prestadas pelo Estado e outras pessoas colectivas de direito público deverem assumir, sempre, uma carácter de excepcionalidade. Porque a concessão de garantias, e em particular a concessão de avales, constitui uma operação de crédito que coloca o Estado numa posição de devedor acessório (que não subsidiário)de outra entidade. E se de uma operação de crédito se trata, lógico é que o Estado a não deva praticar como norma.

Daí que consideremos,desde logo, que o fundamento para a concessão de garantias pessoais não deve ser alargado de forma quase ilimitada,como o pretende a proposta de lei com a sua fundamentação em todo e qualquer "motivo de interesse público constitucionalmente protegido".Igualmente, e na decorrência da questão anterior, nos parece desadequado e excessivamente abrangente que da garantia do Estado possa ser beneficiário"qualquer sujeito de direito". Por outro lado, é para nós igualmente essencial que a lei que venha a regulara concessão de garantias pessoais explicite claramente,na linha, aliás, da legislação em vigor,que essa concessão se mostre absolutamente imprescindível para a realização do financiamento ou operação financeira, condicionalismo que a proposta de lei não consagra.

Aliás, da conjugação destes três aspectos seria fácil elencar enorme número de situações teoricamente passíveis de beneficiar de um aval do Estado segundo a proposta de lei, mas que certamente a generalidade de nós recusa, à partida, conceber como teórica e praticamente admissível.

Em nosso entender, a lei não deve concretizar descriminadamente os casos concretos passíveis de beneficiar das garantias pessoais do Estado, ou de outras pessoas colectivas de direito público. Mas igualmente consideramos não aceitável que a sua abstracção e generalidade vá tão longe que, ao fim e ao cabo,deixe na dependência de um Ministro a concessão de garantias a qualquer pessoa e por quase qualquer motivo.

Em sede de generalidade, um outro aspecto nos merece referência. Tendo em conta a experiência de anos e o facto de a concessão de avales pelo Estado dar origem a divida pública acessória que, em qualquer momento, se pode transformar em dívida efectiva, parece-nos desejável que a lei consagre expressamente que a sua violação, por parte de membros do Governo, constitui crime de responsabilidade punível nos termos da legislação aplicável,assim exigindo e impondo um maior e mais cuidado rigor na sua aplicação.

Em suma, senhor Presidente e senhores Deputados, consideramos que a nova lei de concessão de garantias pessoais pelo Estado deve ter como objectivo o estabelecimento de um quadro mais adequado, mais rigoroso e mais exigente que o actualmente existente. Mas não pode servir para, de qualquer forma, eventualmente poder justificar e absolver quaisquer actos passados de concessão de garantias à margem da legislação em vigor. Serão aqueles princípios e estes objectivos que enquadrarão o posicionamento e a intervenção do Grupo Parlamentar do PCP no processo de discussão e votação desta Proposta de Lei.

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