Intervenção de

Regime da Autonomia Universitária e dos Institutos Politécnicos<br />Intervenção de Luísa Mesquita

Senhor Ministro, Senhor Presidente, Senhoras Deputadas, Senhores Deputados, Em política educativa a prioridade única deste governo é a produção apressada, contraditória e em série de legislação.Numa área como a educação, teria sido imprescindível optar por uma metodologia que tivesse sentado à mesma mesa os diferentes interlocutores que conhecem o sistema, as suas necessidades e potencialidades como ninguém.Mas o Governo e o Senhor Ministro preferem o confronto.Há ano e meio que o Senhor Ministro assumiu a tutela da Ciência e do Ensino Superior e as opções políticas até hoje postas em prática não responderam à necessária melhoria da qualidade destes sectores e do seu desenvolvimento sustentado.Uma única e cega decisão determina toda a legislação produzida: a redução dos recursos financeiros para o ensino superior público e para a investigação e a ciência.E nesta cegueira progressiva e em nome de uma patética e falaciosa contenção financeira, o governo aproveita para propor o empobrecimento de todo o edifício da gestão democrática existente no ensino superior público; aproveita para financiar o ensino superior privado à custa do sub-financiamento do sector público; aproveita para fomentar o despedimento de quadros qualificados, docentes e investigadores; aproveita para aprofundar as desigualdades sociais no acesso ao ensino superior público.E tudo isto apesar de possuirmos a mais baixa taxa de diplomação da União Europeia.E tudo isto apesar de procurarmos na vizinha Espanha os recursos humanos indispensáveis ao funcionamento do sector da saúde.E tudo isto apesar de os candidatos ao ensino superior público não terem acesso à formação que legitimamente pretendem mas àquela que a aberração administrativa do numerus clausus obriga.O governo e particularmente a tutela, tudo têm feito para agravar as dificuldades e aprofundar as insuficiências em recursos técnicos e qualificados indispensáveis à soberania do país. Senhor Ministro, Senhor Presidente, Senhoras Deputadas, Senhores Deputados,Se iniciámos a nossa intervenção por uma avaliação global deste sub-sistema é porque defendemos a sua função estratégica para o país. E porque a proposta de lei que o governo submete à apreciação desta Assembleia se enquadra em pressupostos, que, mais uma vez, não preconizam uma melhor qualidade para a gestão das instituições de ensino superior.É positivo e desejável que a autonomia das instituições de ensino superior possa ser objecto de uma abordagem global e que este entendimento seja sustentado por um reforço dos mecanismos de prestação de contas.Autonomia, qualidade e responsabilidade deverão conjugar-se para viabilizar um modelo de gestão democrático e não autoritário.O Governo optou pelo segundo.O articulado suscita inúmeras dúvidas mas é claro quanto a esta opção. O Conselho Nacional de Educação no seu parecer afirma que na proposta do governo “não se faz menção da participação de funcionários em geral nos órgãos do governo. Dado o seu importante papel nas instituições entende-se que devem participar activamente na sua gestão” e acrescenta “Defende-se a participação dos estudantes nos órgãos de governo das escolas, como parte do seu processo formativo e interventivo”.O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas a propósito deste processo legislativo em série considera que “A metodologia seguida tem privilegiado a análise casuística dos vários aspectos do ensino superior, não tendo havido a explicitude do modelo de desenvolvimento do ensino superior nem do seu papel no desenvolvimento da sociedade portuguesa”.E acrescenta relativamente à iniciativa do governo sobre Autonomia, que, em devido tempo, apresentou uma proposta ao Senhor Ministro.Analisando os dois textos, conclui-se que, em nome do diálogo e da participação democrática as sugestões do Conselho de Reitores não foram consideradas.O Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos diz da iniciativa governamental que “A autonomia implica responsabilidade e a responsabilidade exige a autonomia.Se os dois princípios (…) não forem respeitados – o primeiro pelas instituições e o segundo pelo estado – o sistema permanecerá instável”. E relativamente ao governo das instituições acrescenta que o texto é “um retrocesso relativamente ao modelo mais aberto e representativo que vigora”.Em Portugal, o governo das instituições públicas de ensino superior é enquadrado pela Lei nº 108 de 1988 (Lei de Autonomia das Universidades) e pela Lei nº 54 de 1990 (Estatuto e Autonomia dos Estabelecimentos de Ensino Superior Politécnico), ambas aprovadas por unanimidade nesta casa.Nas universidades a forma de governo é marcada pelo carácter colegial e pela democraticidade, com participação de alunos, docentes e outros funcionários e pela eleição como forma de legitimação do uso do poder, sendo a presença de representantes da sociedade apenas facultativa.Nas instituições politécnicas a autonomia foi muito contida e a ideia de maior ligação à situação industrial e económica do país e à região tornou obrigatória a participação de representantes externos na eleição do seu Presidente e no Conselho Geral, sendo facultativa nos Conselhos Científicos.Nos termos da Constituição, as Universidades gozam de autonomia, protecção que nunca foi alargada aos Institutos Politécnicos.A Lei actual da Autonomia das Universidades consagra as autonomias estatutária, científica, pedagógica, administrativa, financeira e disciplinar e define o património das Universidades.A actual Lei de Autonomia dos Politécnicos omite as autonomias científica e pedagógica, remetendo para a tutela a aprovação da criação, da suspensão e da extinção de cursos.A Lei relativa ao Regime Jurídico do Desenvolvimento e da Qualidade do Ensino Superior já determina alguma restrição às actuais leis, ao consagrar a formalização de um sistema de acreditação dos cursos e medidas de racionalização que poderão determinar o cancelamento do financiamento ou a não atribuição de vagas a cursos com procura mais reduzida.A proposta de lei que hoje apreciamos visa sobretudo inviabilizar a gestão participada das instituições, optando pela concentração de poderes em órgãos unipessoais – Reitores, Presidentes dos Institutos e Directores de escola. Prevê-se a obrigatoriedade de todas as escolas terem um director a quem são atribuídos todos os poderes hoje cometidos aos Conselhos Directivos.Os Conselhos Directivos podem ser criados mas serão desprovidos de poderes que serão imputados à figura do director.Não está prevista a existência obrigatória de órgãos colegiais, que permitam o acompanhamento e fiscalização da actividade dos órgãos unipessoais.O Reitor e o Presidente do Instituto Politécnico podem ser docentes da instituição ou não, podem ser professores ou outra coisa qualquer, e serão “designados” no primeiro caso e “seleccionados” no segundo, o que indicia que podem nem sequer ser eleitos.A proposta estabelece que as assembleias eleitorais serão compostas por uma maioria de 60% de professores e investigadores doutorados nas universidades, mas relativamente aos Institutos Politécnicos não prevê a existência de investigadores, o que demonstra a aposta continuada em desvalorizar e descriminar negativamente a formação politécnica.Os estudantes, os funcionários não-docentes e outros docentes e investigadores, excluídos da quota de 60% das assembleias eleitorais, não são objecto de qualquer referência ou participação.O cenário proposto pelo governo possibilita que a participação da comunidade académica se limita aos conselhos científico e pedagógico, não tendo os funcionários não-docentes qualquer participação obrigatória e os alunos apenas participam nos concelhos pedagógicos.Entretanto, esta presença mitigada dos estudantes no conselho pedagógico é antecedida de uma drástica redução de competências deste órgão.Ainda no âmbito da governação é possível a constituição de comissões permanentes nos Concelhos Científicos com o único objectivo de concentrar poderes e decisões.Outros exemplos poderiam ser enunciados mas deixamos essa extensão para a especialidade.Hoje é exigível que o Senhor Ministro sustente as suas opções e esclareça se o regime de governação democrática existente nas instituições de Ensino Superior Público é o alvo a abater e porquê. É desejável também que informe esta Assembleia se as dificuldades no exercício das autonomias consagradas pela Constituição e por leis da República são exclusivamente da responsabilidade das instituições ou são sobretudo inerentes à insuficiente gestão orçamental que decorre do Orçamento de Estado, à ausência de medidas na área da sempre adiada modernização da administração pública e às opções políticas.Finalmente o Senhor Ministro deve esclarecer se pretende transformar as Universidades e os Institutos Politécnicos em empresas dominadas por um musculado e divinizado conselho de administração que propõe, nomeia, designa, relembrando velhos modelos, que hoje não terão direito de admissão nas instituições democráticas. 

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