Intervenção de

Reforma dos processos de licenciamento e planeamento territorial - Intervenção de Jerónimo de Sousa na AR

Debate mensal do Primeiro-Ministro  com o Parlamento, sobre a reforma dos processos de licenciamento e planeamento territorial

 

Muito obrigado, Sr. Presidente. Aliás, ia mesmo começar por falar nisso.

Reconheço que o Sr. Presidente fez um esforço sério para que se respeitem os tempos regimentais que foram unanimemente acordados, mas está criada uma situação, que é esta: um abuso nunca justifica outro abuso, mas a verdade é que, aqui, quem cumpre acaba por ser penalizado e discriminado em termos de debate político.
(...)
Sim, Sr. Presidente. De qualquer forma, o tempo também tem importância aqui, no debate político.

Mas fica o reparo que o Sr. Presidente da Assembleia da República fez a alguns Srs. Deputados e ao Sr. Primeiro-Ministro.

Sr. Primeiro-Ministro, o tema proposto - reforma dos processos de licenciamento e planeamento territorial -, não parecendo estar no centro dos problemas mais sentidos pela população, não deixa de ter natural actualidade e importância. Uma actualidade testemunhada, desde logo, pelo facto de o PCP ter apresentado, nesta Assembleia da República, vários projectos de lei que procuram respostas.

Respostas que tenham em vista uma maior eficiência do sistema de gestão territorial, dando mais centralidade aos planos directores municipais e recuperando a figura do plano de urbanização e do plano de pormenor, enquanto componentes operativos limitando a carga burocrática e inútil com outras instâncias da Administração Pública, e respostas à crescente dependência dos processos de urbanização em relação à pressão dos mercados financeiros e imobiliários, com a consequente sobreposição do interesse privado ao interesse público.

O processo de perequação previsto na lei e que, ainda recentemente, mereceu nesta Assembleia uma audição parlamentar, por iniciativa do nosso grupo parlamentar, mecanismo compensatório dos benefícios e encargos destinados a uma mais justa repartição dos custos de urbanização e das mais-valias resultantes, é um instrumento essencial, do nosso ponto de vista, para combater a deterioração da harmonia urbanística das cidades e a qualidade de vida dos seus habitantes. Há muito que se tornou necessário generalizar este processo, por isso esperamos que o Governo agora, ao anunciar esta reforma de licenciamento, a assuma como uma solução justa, mas também verdadeiramente inovadora em matéria de planeamento urbanístico em Portugal.

Gostávamos de ouvir a sua opinião.

Também no domínio do licenciamento e planeamento do território é necessário pôr termo a esta dicotomia classista em que, para uns - populações locais e pequenas actividades a elas associadas -, vigora o fundamentalismo proibicionista, enquanto, para outros - grandes grupos económicos e financeiros -, a regra é a permissividade absoluta, como se pode reconhecer nos chamados PIN.

É por isso que este debate não pode ficar confinado a soluções, independentemente da valia dos projectos em que estão envolvidos os grandes interesses económicos e financeiros, são precisas medidas de simplificação que vão ao encontro dos interesses das populações, que contrariem a progressiva desertificação humana dos territórios e, ao mesmo tempo, defendam os nossos recursos naturais e ambientais, propostas algumas delas avançadas nos nossos projectos de lei.

Estamos de acordo com uma expressão que usou, ou seja, com a necessidade de combater a burocracia e de simplificar. Mas cuidado, Sr. Primeiro-Ministro, isto faz-me sempre lembrar a história do «banho do menino». Portanto, cuidado com a pressa e com a simplificação. Não se «atire o menino com a água suja do banho», ou seja, que com esta simplificação não se permita que se aumente o facilitismo para a existência da corrupção.

Sr. Primeiro-Ministro, rigor e coerência também são exigidos neste debate, particularmente quando o Governo apresenta um plano nacional de políticas de ordenamento do território sem uma única referência à criação das regiões administrativas, quando ignora a necessária viabilização de procedimentos de monitorização regional e local em torno dos planos regionais de ordenamento do território e dos planos directores municipais ou ainda quando se propõe, praticamente, abandonar à sua sorte o interior como opção de modelo territorial que inclina cada vez mais o País na direcção do Atlântico e concentra o crescimento em duas únicas áreas metropolitanas, deixando à míngua de políticas de desenvolvimento o interior, cada vez mais desertificado e sem capacidade de sustentar políticas de desenvolvimento que permitam manter condições mínimas de vida digna.

Dou-lhe um exemplo, Sr. Primeiro-Ministro: o Sr. Ministro da Economia foi ao Algarve anunciar, para os próximos cinco anos, não sei quantos mais campos de golfe e hotéis. Não é um mal em si mesmo, mas, por exemplo, na serra algarvia também mora gente, também existem concelhos que estão ao nível dos mais pobres, não só de Portugal, mas também da própria União Europeia, mas não houve uma palavra, nem um projecto estruturante para a serra algarvia, numa demonstração de que, assim, continuaremos como País cada vez mais «aleijado».

Sr. Primeiro-Ministro, que medidas e que projectos está também o Governo a pensar desenvolver para contrariar a crescente tendência de reduzir o País a uma estreita faixa do território do litoral? Tenho a certeza de que responderá a estas questões, Sr. Primeiro-Ministro.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Em relação aos seus esclarecimentos, e até com base na forma como é tão pragmático - lembro-me sempre, como dizia a minha mãe, que a melhor prova do pudim é comê-lo -, direi que, quando a proposta de lei do Governo aqui for apresentada, com certeza verificaremos da bondade dos objectivos que o Governo agora anunciou.

De qualquer forma, Sr. Primeiro-Ministro, passando a uma questão que, aparentemente, já foi respondida à bancada do PSD, permita-me - e desculpe - que insista com a questão do referendo ao Tratado da União Europeia. A resposta foi inteligente, reconheça-se, mas manteve o equívoco, ou seja, sacralizou o fim, secundarizando os meios.

Ou seja, fica aqui um «sim, mas...» ao referendo, na medida em que considerou como «alfa e ómega» desta questão todos se entenderem em torno de um tratado constitucional ou de uma constituição europeia. Mas a nossa preocupação aumenta quando sabemos que hoje há chefes de governo que estão a fazer um grande forcing para que os povos sejam expropriados do direito de serem consultados em relação a uma questão que tem a ver com a sua própria soberania, que tem a ver com os seus próprios direitos.

Quando ouvimos, por exemplo, o Sr. Presidente da República (e sabendo que ele tem o direito soberano de decidir) a dar recados e a resposta equívoca por parte do Sr. Primeiro-Ministro é importante saber qual o tamanho do «mas» do Sr. Primeiro-Ministro e se V. Ex.ª está ou não disposto, independentemente dos conteúdos, da forma, enfim, dos entendimentos que se possam verificar, a manter esse direito inalienável do nosso povo de ser consultado numa matéria tão sensível, ou seja, a realizar um referendo em relação às questões do Tratado da Constituição Europeia.

 

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