Intervenção de

Reforma do Parlamento - Intervenção de António Filipe na AR

Reforma do Parlamento

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Em nome do Grupo Parlamentar do PCP, quero manifestar a nossa congratulação pela forma como decorreram os trabalhos de apreciação dos vários diplomas relativos ao que se convencionou chamar reforma do Parlamento, sendo esta congratulação e saudação extensivas a todos os membros do grupo, que, nos últimos dois meses, foi mandatado para realizar este trabalho. Felicito todos os Deputados que participaram na pessoa do Sr. Deputado António José Seguro, que presidiu a este Grupo de Trabalho e que deu uma contribuição inestimável para a sua eficácia.

Sr. Presidente e Srs. Deputados,

Refiro, em primeiro lugar, de entre os vários diplomas em discussão, quais foram os pontos de discordância que manifestámos no Grupo de Trabalho e na Comissão.

Para que fique registado, fizemos propostas relativas ao direito de petição em que prevíamos a possibilidade de iniciativa dos peticionários relativamente à apresentação de projectos de resolução relacionados com o objecto da petição que apresentassem, devendo ser essa resolução obrigatoriamente apreciada pela Assembleia da República, propostas estas que não foram aceites.

Relativamente ao Estatuto dos Deputados, apresentámos propostas de aperfeiçoamento do regime de incompatibilidades e impedimentos, que também não obtiveram acolhimento maioritário no Grupo de Trabalho. E. ainda relativamente ao Estatuto dos Deputados, manifestámos a nossa discordância relativamente à consagração da figura do assistente individual.

Em matéria de Regimento, pedimos que fossem isolados dois pontos.

Um deles, por discordarmos da extensão de matérias reservada para a nota técnica, designadamente no que se refere ao facto de a nota técnica elaborada pelos serviços da Assembleia fazer considerações relativamente aos encargos decorrentes da aprovação de uma determinada iniciativa legislativa.

Entendemos que esta é uma matéria do foro político. Faz parte da consideração política que a Assembleia deve reservar a essas iniciativas e, portanto, não nos pareceu que fosse adequada a sua inclusão na nota técnica que não está, digamos, a ser objecto de debate político.

O outro ponto em que a solução acolhida não foi a que considerámos melhor é o que diz respeito ao momento da audição dos ministros no Orçamento do Estado. É certo que fica consagrada, e bem, a audição de todos os ministros na apreciação do Orçamento do Estado, no entanto, parece-nos que é relativamente deslocada no tempo a sua audição, que apenas está prevista para a especialidade, porque pensamos que seria mais adequado que essa audição decorresse antes, no debate do Orçamento na generalidade.

São estes os pontos que assinalámos e em que, na especialidade, indiciariamente nos demarcámos.

Relativamente ao que consideramos positivo, começaria por dizer que esta revisão do Regimento é globalmente muito positiva. Foi um processo que acolheu muitas das propostas que o PCP apresentou e constitui uma melhoria significativa nas condições de funcionamento da Assembleia da República para que esta possa escrutinar e fiscalizar a actividade do Governo e da Administração Pública. Gostaria, por isso, de salientar alguns pontos.

Em primeiro lugar, destaco a alteração positiva das regras do debate com o Primeiro-Ministro. Apesar de se manter o debate mensal nos moldes actuais, pensamos que é um ganho para a Assembleia que se tenha consagrado, também mensalmente, que um dos debates com o Primeiro-Ministro seja um verdadeiro debate de perguntas ao Primeiro-Ministro, em que, antes de qualquer intervenção do Primeiro-Ministro, é dada a possibilidade aos vários grupos parlamentares de poderem colocar as suas questões e obterem de imediato a resposta do Primeiro-Ministro.

Entendemos que a introdução desta figura das perguntas ao Primeiro-Ministro é um ganho e que a Assembleia da República, nestas sessões, deixará de ser um palco para o Primeiro-Ministro para passar a ser um espaço de debate leal entre as oposições ou entre todos os Deputados e todos os grupos parlamentares e o Primeiro-Ministro. Repito, na nossa opinião, isto é um ganho para a Assembleia.

Gostaria de salientar, também, a obrigatoriedade de participação de membros do Governo com maior frequência quer em Plenário quer em comissão, sem que a maioria possa usar os seus votos para impedir a presença e a participação desses membros do Governo nos trabalhos parlamentares. Este é um ganho que, evidentemente, é de salientar.

Salientamos também positivamente a criação de novas figuras de debate político como são os debates de actualidade.

Congratulamo-nos ainda com o fim do regime de perguntas ao Governo que ainda subsiste no nosso Regimento - felizmente, pouco aplicado nos últimos anos - e que é um regime que, pelo seu absurdo, só desacredita o Parlamento. Os cidadãos nem acreditam que nos termos regimentais actuais os Deputados tenham de anunciar com uma semana de antecedência ao Governo qual é a pergunta que pretendem fazer e apresentar mais perguntas para que o Governo possa escolher aquelas a que quer responder. Quando isto é dito lá fora, as pessoas têm dificuldade em acreditar que um Parlamento possa funcionar nestes termos. Por isso, congratulamo-nos com o fim desta figura e a sua substituição por um regime mais razoável de fiscalização da actividade do Governo em Plenário.

Congratulamo-nos ainda com o reforço dos direitos potestativos dos grupos parlamentares, designadamente em matéria de debates de actualidade, debates de urgência e da exigência da presença de membros do Governo quer em Plenário quer nas comissões.

Um outro ponto que salientamos positivamente diz respeito ao aperfeiçoamento de figuras regimentais de uma forma mais conforme com a Constituição. Isso acontece com o regime das apreciações parlamentares, que passa a ter um mecanismo regimental conforme à Constituição, o que actualmente não acontece, às perguntas escritas ao Governo, aos requerimentos, bem como ao regime de confirmação, alteração ou expurgo de decretos que tenham sido vetados pelo Presidente da República.

No início deste processo falou-se na valorização das comissões, sendo que em determinado momento essa valorização foi apresentada em prejuízo do próprio Plenário da Assembleia da República. Sempre contestámos essa ideia e, felizmente, não foi esse o caminho seguido. O caminho que se seguiu foi, sim, o de valorizar as comissões, mas sem desvalorizar o Plenário da Assembleia, e com isto também nos congratulamos. Ou seja, o Plenário não perde as suas prerrogativas no processo legislativo. As comissões são valorizadas e o Plenário mantém integralmente as suas prerrogativas nesse e noutros domínios.

Sr. Presidente,

Srs. Deputados,

Para concluir, gostaria de dizer que, se esta revisão do Regimento for correctamente aplicada, com respeito pelos direitos de todos, a partir da sua entrada em vigor, na próxima sessão legislativa, a Assembleia estará em melhores condições para cumprir as suas atribuições constitucionais fundamentais, quer enquanto órgão legislativo quer enquanto órgão de fiscalização do Governo e da Administração Pública. Mas esta reforma terá o seu verdadeiro teste, na prática, a partir da próxima sessão legislativa.

Este novo Regimento é exigente para o Parlamento no seu conjunto, é exigente para os Deputados, é exigente para os serviços de apoio à actividade parlamentar e é exigente, também, para o Governo, enquanto agente parlamentar.

Foram criadas condições para que a Assembleia da República reforce o seu papel no sistema político. É, pois, importante garantir essas condições, sem as desvirtuar, o que pode acontecer, designadamente com a aprovação, que esperemos que nunca ocorra, de leis eleitorais injustas que subvertam a regra da proporcionalidade. Mas, se este sistema não for desvirtuado, será uma responsabilidade de todos os agentes parlamentares pô-lo em prática e com isso enriquecer a forma de funcionamento do nosso sistema democrático.

Pela nossa parte, assumiremos integralmente as nossas responsabilidades e esperamos que todos os grupos parlamentares e o Governo assumam também integralmente as suas.

  • Assembleia da República
  • Intervenções