Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhores membros do Governo,Se algum incauto cidadão, ao ouvir declarações de algum membro do Governo sobre a reforma da administração pública, ficou convencido que, com a aprovação das propostas do Governo que hoje discutimos, vai melhorar a qualidade da prestação de serviços pela administração pública e vão decorrer benefícios para os cidadãos na sua relação com a administração pública, é bom que se desengane.Infelizmente, não é nada disso que está em causa.Aquilo que o Governo quer fazer passar como a grande “reforma da Administração Pública” não é mais, afinal, do que um pacote legislativo, através do qual o Governo pretende privatizar os serviços públicos, governamentalizar a administração pública e destruir o vínculo de emprego público.O objectivo do Governo é, em primeiro lugar, escancarar as portas à privatização dos serviços públicos.Para os grupos financeiros privados, os serviços públicos são grandes oportunidades de negócios altamente lucrativos, desde que se cumpram alguns requisitos. O primeiro requisito, é o prévio investimento público. O Estado criou os serviços e dotou-os com os equipamentos necessários, que depois são entregues em bandeja de prata às empresas privadas concessionárias. O segundo requisito, é que o Estado pague à empresa privada pela prestação do serviço ainda mais do que gastaria se o prestasse directamente. O terceiro requisito, é que os utentes também passem a pagar mais do que pagariam se o serviço fosse prestado directamente por uma entidade pública. O quarto requisito, é que os trabalhadores ao serviço da empresa privada não tenham um estatuto de emprego público que os coloque ao abrigo de arbitrariedades patronais. O quinto, e decisivo requisito, é que apareça um Governo que esteja disposto a alienar as suas responsabilidades sociais e a fazer seu o objectivo de mercantilizar os serviços públicos.Esse quinto objectivo está cumprido. O Governo está empenhado em entregar os serviços públicos a interesses económicos privados e para isso propõe-se impor por via legislativa as condições que tornem esse objectivo possível.As experiências de entrega de serviços públicos ao sector privado feitas em larga escala em outros países já permitiram extrair a conclusão de que são experiências muito boas para os lucros das empresas e são experiências péssimas para os cidadãos e para o interesse público.Sabe-se hoje que os utentes só perderam com essas concessões e privatizações. Passaram a pagar o que antes não pagavam e confrontaram-se com a degradação dos serviços prestados, com a redução das suas garantias enquanto utentes e com a ineficácia dos supostos mecanismos de regulação normalmente reféns das próprias entidades reguladas. Sabe-se também que os Estados foram prejudicados, passando em alguns casos a transferir para as empresas prestadoras verbas superiores às que gastariam se assegurassem directamente o funcionamento dos serviços.Não há nenhuma maldição fatal que tenha recaído sobre os serviços públicos, que faça com que tudo o que é público seja mal gerido. Admitir esse princípio, é ofensivo para muitos bons servidores do Estado e do interesse público e é um atestado de incompetência para quem governa e dirige os serviços públicos. A gestão pública é obviamente melhoráveis e deve obviamente ser melhorada para bem dos cidadãos e dos próprios funcionários públicos. Mas não se melhora o serviço público nem se beneficiam os cidadãos transpondo mecanicamente para os serviços públicos uma lógica de maximização do lucro própria da gestão privada. Os cidadãos pagam impostos para ter direito a prestações sociais, para garantir a existência de serviços que não fiquem dependentes da lógica do mercado. E não é legítimo que o Estado, por opção ideológica, se remeta ao papel de agente financiador de empresas privadas que geram os seus lucros à custa do Estado e dos direitos dos cidadãos.Um segundo ponto que se apresenta como emblemático desta anunciada reforma é a generalização da regra do contrato individual de trabalho na Administração Pública, e também esse é um falso problema.Há muitos problemas ao nível dos recursos humanos na Administração Pública a carecer de mudanças profundas. Basta olhar com atenção para o mais recente recenseamento geral da função pública para os detectar claramente. O problema do funcionalismo público em Portugal não é o estatuto da função pública. O problema é que o funcionalismo público em Portugal é envelhecido, pouco qualificado e em largos segmentos, mal pago.O estatuto próprio do pessoal da Administração Pública tem uma origem histórica que se relaciona com a necessidade de garantir a sua independência e isenção e que se traduz em mecanismos objectivos de ingresso e de progressão nas carreiras. Não negamos que em alguns serviços se possa impor a necessidade de adoptar procedimentos mais flexíveis, mas a substituição pura e simples que se propõe do regime da função pública pelo regime do contrato individual de trabalho não visa resolver problemas dos serviços. Visa restringir os direitos dos trabalhadores e consagrar mecanismos discricionários de admissão e progressão nas carreiras que podem dar lugar a todo o tipo de clientelismo. Para isso, o Governo usa a velha táctica de culpar os trabalhadores e o seu estatuto pelos males que afectam a Administração Pública.Pensar que se pode fazer uma Reforma da Administração Pública agredindo e hostilizando quem nela trabalha tem sido uma das maiores causas do falhanço das reformas administrativas. Também aqui o Governo parece não ter aprendido com as lições do passado.No discurso com que apresentou as grandes linhas da chamada reforma da administração pública, o senhor Primeiro-ministro afirmou peremptório que “uma reforma desta envergadura não se faz sem os funcionários públicos. Faz-se, sim, com todos os funcionários públicos, com a sua participação, o seu empenho e a sua dedicação”.As propostas apresentadas pelo Governo negam frontalmente esses propósitos e suscitam um repúdio unânime por parte de todas as organizações representativas dos trabalhadores da Administração Pública. Se o objectivo do Governo fosse fazer esta resposta com os trabalhadores e não contra os trabalhadores, não podia começar pior.O Governo pretende acabar com o regime da função pública como regime regra da contratação pública, generalizando o recurso ao contrato individual de trabalho, com todas as implicações negativas dessa opção, quanto aos direitos dos trabalhadores e às condições de prestação do serviço público. Pretende instaurar um sistema de recrutamento e de designação de chefias assente no clientelismo partidário.E em matéria de institutos públicos, pretende fazer tudo o que criticou ao anterior Governo. Ao remeter para diplomas regulamentares a aprovação dos estatutos de cada instituto público e ao permitir um vasto elenco de excepções às regras criadas quanto à criação de institutos, o Governo visa afinal legitimar a discricionariedade e a incoerência das soluções adoptadas. Ou seja, apesar de existir uma Lei-Quadro, o Governo continua a poder fazer tudo, e sobretudo, a poder alienar as responsabilidades da administração indirecta a favor de diversas soluções de desmantelamento e privatização de serviços e funções do Estado.Ao apresentar um Projecto de Lei-quadro dos Institutos Públicos, o PCP pretende assinalar alguns aspectos fundamentais que em seu entender devem presidir à criação de institutos públicos e à organização da administração indirecta do Estado.Para o PCP, os institutos públicos só devem ser criados por razões fundadas na especificidade técnicas das funções a desenvolver, devendo ser devidamente fundamentada essa opção em estudos adequadamente publicitados. Só podem ser personalizados os serviços públicos que reúnam condições para ter autonomia administrativa financeira e patrimonial. O regime aplicável aos institutos deve ser um regime de direito público, quer quanto ao funcionamento, quer quanto ao regime do pessoal. A criação de institutos não deve servir de pretexto para fugas para o direito privado, pondo em causa os direitos dos trabalhadores e os direitos dos utentes a serviços públicos de qualidade.Os estatutos dos institutos devem ser parte integrante dos respectivos diplomas legislativos de criação, salvaguardando assim a transparência e a possibilidade de fiscalização parlamentar da sua organização interna.Por fim, deve ser adoptado um sistema de revisão da situação de todos os institutos existentes, de forma a avaliar, num prazo razoável mas não excessivamente longo, da pertinência das soluções vigentes. Verificada a desconformidade de alguns institutos com a legislação quadro aplicável, estes devem regressar à administração central, acabando com soluções de personalização arbitrária de serviços.Se o objectivo do Governo fosse realmente debater uma reforma da administração pública capaz de melhorar a qualidade da prestação de serviços aos cidadãos, poderia decerto contar com a maior colaboração do PCP nesse processo. Infelizmente, não parece ser esse o caso.Disse.