Projecto de Resolução N.º 319/XIV/1.ª

Reforço da Informação, Inspeção e Monitorização das Atividades de Gestão de Resíduos e condicionamento da deposição de resíduos em aterro

Exposição de Motivos

As operações de tratamento e eliminação de resíduos são responsáveis por diversos impactes negativos sobre o ambiente e sobre a qualidade de vida das populações, alguns dos quais de difícil minimização, como é o caso da emissão de odores, do risco de contaminação de águas superficiais e subterrâneas e da proliferação de pragas.

Neste contexto a política de resíduos deve considerar as componentes da prevenção, da produção e da gestão, respeitando as prioridades estabelecidas pela hierarquia dos resíduos, considerando a sua eliminação como operação de último recurso.

Assim, as metas estabelecidas no Plano Nacional de Gestão de Resíduos (PNGR), com o objectivo de minimizar o impacte negativo da produção e gestão de resíduos na saúde humana e no ambiente, envolvem, nomeadamente:
A redução da produção de resíduos, diminuindo as operações necessárias à sua gestão, nomeadamente o transporte e as operações de valorização e eliminação, que originam elas próprias, impactes ambientais negativos.
A redução da quantidade de resíduos eliminados, tendo presente que as operações de eliminação devem ser evitadas, sempre que as alternativas sejam económica e ambientalmente viáveis.

No entanto, em Portugal, contrariando os objectivos estabelecidos no PNGR, a deposição de resíduos em aterro tem vindo a ser a operação de gestão com maior destaque, situação favorecida nomeadamente pela estratégia de privatização do sector da gestão de resíduos, em particular dos serviços de gestão de resíduos urbanos, em que a perspectiva economicista, assente na maximização dos lucros, se tem vindo a sobrepor aos valores ambientais e de serviço público.

A concessão ao sector privado da gestão dos aterros de resíduos urbanos não trouxe melhorias face à sustentabilidade ambiental do sector, verificando-se que uma parte muito significativa dos resíduos recolhidos em Portugal continental têm a deposição em aterro como destino (58,3%), destacando-se que, em 2018, apenas quatro dos 23 Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos apresentam taxas de deposição em aterro inferiores a 30 %.

A evolução temporal dos destinos dados aos resíduos urbanos recolhidos em Portugal continental (Figura 1) mostra o crescimento das quantidades depositadas em aterro e a baixa quantidade que é objecto de valorização multimaterial, que não chega sequer aos 20 %.

Figura 1 – Evolução do destino dos resíduos urbanos recolhidos em Portugal continental

Aos Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos existentes em Portugal continental estão associados 32 aterros de resíduos urbanos onde é realizada a deposição direta de RU ou são depositados resíduos resultantes de operações prévias como sejam etapas de tratamento mecânico ou tratamento biológico.

A opção de continuar a privilegiar a deposição em aterro como destino para os resíduos urbanos impõe, frequentemente, impactes negativos severos sobre o ambiente e sobre a qualidade de vida das populações presentes na proximidade destas infraestruturas, alguns dos quais muito difíceis de serem atenuados, mesmo quando são cumpridas as respectivas normas operativas de exploração.

Para além destes aterros, encontram-se ainda em funcionamento oito aterros de resíduos industriais banais e dois aterros de resíduos industriais perigosos, que, para além de receberem resíduos produzidos em Portugal, acomodam ainda resíduos importados de outros países. Parte destes aterros tem sido objecto de queixas das populações localizadas na proximidade destas infraestruturas, fruto de incómodos relacionados com emissão e percepção de odores, proliferação de pragas e incertezas quanto à salvaguarda da qualidade do solo e dos recursos hídricos em presença.

A análise dos dados relativos ao movimento transfronteiriço de resíduos mostra que desde 2015 e com a abertura a privados do sector da gestão de resíduos, Portugal tem registado cada vez maiores quantidades de resíduos importados destinados quer a valorização, quer a eliminação, destacando-se que em 2018 se registou um aumento de 140 % das importações de resíduos sujeitos ao procedimento de notificação e autorização prévia por escrito (Lista Laranja), face aos valores de 2015, num total de quase 331 mil toneladas. Já no que se refere às exportações, o aumento homólogo ascende apenas a 4 %, tendo-se exportado em 2018 menos de 58 mil toneladas de resíduos da Lista Laranja.

A Figura 2 mostra a evolução do movimento transfronteiriço de resíduos desde 2015, evidenciando o desequilíbrio entre importações e exportações, com destaque para as fracções de resíduos destinados a eliminação, ou seja, correspondente à sua deposição em aterro. No entanto, a informação sobre a distribuição destes resíduos por cada entidade gestora não é conhecida, o que levanta questões quanto à adequação da gestão de que os mesmos são alvo e quanto aos impactes resultantes da sua deposição em Portugal.

Quanto ao movimento transfronteiriço de resíduos sujeitos aos requisitos de informação, integrados na Lista Verde, verifica-se que em 2018, dos 1,142 milhões de toneladas de resíduos enviados por Portugal para outros países, 93 % destinaram-se a valorização através de operações de reciclagem de materiais. Quanto às importações de resíduos da Lista Verde, Portugal recebeu em 2018 cerca de 2,213 milhões de toneladas de resíduos, dos quais 86 % são encaminhados para valorização através de reciclagem de materiais. Do ponto de vista evolutivo, verifica-se que Portugal recebeu em 2018 mais 15 % da quantidade de resíduos face aos números de 2015 e encaminhou para outros países mais 26 % do que em 2015.

Figura 2 – Evolução do movimento transfronteiriço de resíduos (Lista Laranja)

Tendo na base o quadro já traçado, é de destacar que a presença em Portugal de 42 aterros de resíduos licenciados e em operação, constitui uma capacidade instalada de deposição de resíduos que deve ser utilizada de forma a maximizar o período de vida útil destas infraestruturas, encaminhando preferencialmente para valorização as fracções que se adequem a tal. Neste sentido é necessário tomar medidas destinadas a disciplinar de modo eficaz a deposição de resíduos em aterro, favorecendo a salvaguarda do ambiente e das populações em vez de favorecer o negócio e o lucro da eliminação dos resíduos.

De igual modo se destaca a necessidade de garantir que estas infraestruturas são adequadamente operadas, cumprindo todos os requisitos estabelecidos nas respectivas licenças ambientais e manuais específicos de exploração, devendo ser alvo de monitorização e controlo frequente de modo a salvaguardar o ambiente e as populações.

No entanto, diversos são os casos publicitados em que se registam anomalias na operação destas infraestruturas, pondo em causa, entre outros aspectos, o bem-estar das populações. Tais situações devem ser alvo de correcção devendo os responsáveis pela sua ocorrência ser devidamente penalizados, obrigados a corrigir os danos causados e deve ser assegurado que situações análogas não se repitam.

Disciplinar e regular adequadamente o sector dos resíduos passa assim pelo reforço da informação disponível sobre as diversas operações de gestão, em termos de quantitativos, tipologias, encaminhamento e destinos associados, da inspecção e monitorização das actividades de gestão de resíduos, a qual deverá ser assegurada não apenas pelas próprias entidades gestoras mas também pelos serviços de inspecção oficiais, devendo ainda ser tomadas medidas que visem condicionar a deposição de resíduos em aterro de modo a prolongar a vida útil das infraestruturas existentes e prosseguir os objectivos nacionais para a gestão de resíduos.

Nestes termos, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adopte a seguinte:

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que adopte as seguintes medidas no sentido de promover a disponibilização da informação sobre a gestão de resíduos, reforçar os mecanismos de monitorização e inspecção das infraestruturas e condicionar a deposição de resíduos em aterro de modo a prolongar a vida útil das infraestruturas existentes e prosseguir os objectivos nacionais para a gestão de resíduos:

Elaborar e disponibilizar até dia 31 de Março de cada ano um Relatório sobre o Estado do Sector dos Resíduos em Portugal que contenha informação quer no que concerne aos resíduos urbanos, quer aos resíduos não urbanos, discretizado por sistema e/ou operador de gestão de resíduos, permitindo conhecer as tipologias de resíduos que são geridos em cada sistema, as respectivas origens e destinos, desempenho do sistema e capacidade instalada remanescente.

Estabelecer um plano nacional de inspecção e controlo de todas as instalações de valorização, tratamento e eliminação de resíduos existentes em Portugal garantindo que todas são objecto de pelo menos uma auditoria técnica e operacional por ano, promovida pela entidade pública que tutela o sector.

Desenvolver e implementar um plano de correcção de não conformidades detectadas em cada um dos sistemas de gestão objecto de inspecção e de seguimento das medidas adoptadas para a resolução dos problemas ambientais e sociais identificados.

Desenvolver e implementar um mecanismo destinado a garantir a concretização e seguimento das medidas correctivas estabelecidas nas auditorias realizadas nos casos das instalações que reiteradamente não tenham dado cumprimento às mesmas, mediante a colocação de técnicos designados pela entidade pública que tutela o setor, capazes de dar cumprimento às medidas estabelecidas, com os respectivos custos a serem suportados pela entidade gestora em incumprimento.

Estabelecer a obrigatoriedade de realizar estudos de dispersão de odores para a área envolvente de cada instalação de tratamento, valorização e eliminação de resíduos que sejam alvo de queixas por parte das populações, envolvendo a caracterização das respectivas emissões e a sua posterior dispersão atmosférica, identificando a área de afectação e incluindo a apresentação de medidas correctivas e de minimização de incomodidade nos casos que se justifiquem.

Condicionar a autorização de importação de resíduos destinados a eliminação por deposição em aterro, de forma a permitir prolongar a vida útil dos aterros existentes em Portugal.

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