Projecto de Lei N.º 354/XIII-2ª

Reforça a proteção das trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes e de trabalhadores no gozo de licença parental e procede à alteração do Código do Trabalho e da Lei do Trabalho em Funções Públicas

Reforça a proteção das trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes e de trabalhadores no gozo de licença parental e procede à alteração do Código do Trabalho e da Lei do Trabalho em Funções Públicas

Nas últimas décadas, mas de forma particularmente grave nos últimos anos, a realidade nos locais de trabalho conheceu uma desumanização acelerada, marcada pela intensificação dos ritmos de trabalho, a desregulamentação e o aumento dos horários de trabalho, a instabilidade e imprevisibilidade na organização dos tempos de trabalho. Tal fenómeno traduz-se numa dificuldade significativa na articulação da vida familiar, pessoal e profissional, na indisponibilidade de acompanhamento dos filhos ao longo do seu processo de crescimento, na prática reiterada de negação e violação dos direitos de maternidade e paternidade.

Os últimos dados disponíveis , constam do Relatório sobre o Progresso da Igualdade entre Mulheres e Homens no Trabalho, no Emprego e na Formação Profissional – 2014 e revelam que, “entre 2012 e 2014, o número de queixas que deram entrada na Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) aumentou de forma bastante expressiva, tendo evoluído de 100 em 2012 para 2010 em 2014”. A mesma fonte explica este aumento pelo aumento do “número de queixas relativas ao setor público”, sendo que o motivo da queixa apresenta valores mais expressivos quanto às matérias de “Conciliação da Vida Profissional e Vida Familiar – Flexibilidade” (304 queixas).

A atividade da Autoridade para as Condições de Trabalho revela também um acompanhamento insuficiente destas matérias. No ano de 2014, de um total de 40.665 visitas inspetivas no domínio das relações de trabalho, no âmbito do controlo do cumprimento das normas nas matérias de igualdade e não discriminação em função do género, foram detetadas apenas 38 infrações e levantadas 82 advertências. Por motivo de infrações ao dever de afixação, na empresa, da informação relativa aos direitos e deveres de trabalhadores e trabalhadoras em matéria de igualdade e não discriminação, os serviços da ACT levantaram 77 advertências e procederam à formalização de 8 autos de notícia. Relativamente, à proteção da dos direitos de maternidade e paternidade foram formalizados apenas 20 procedimentos coercivos (autos de notícia).

Para além destes indicadores importantes, na verdade, a violação dos direitos de maternidade e paternidade por parte das entidades patronais é seguramente uma realidade bem mais grave do que aquela que é possível identificar a partir das queixas à CITE e do respetivo tratamento estatístico dos dados.

Persistem por parte das entidades patronais pressões diretas e indiretas às mulheres em sede de entrevistas de emprego, questionando a existência de filhos e a sua idade, por forma a condicionar a decisão das mulheres e a optar por trabalhadores sem filhos e com “maior disponibilidade”.

Para além disto persistem também situações de jovens que são discriminadas no acesso ao primeiro emprego porque decidiram engravidar; crescentes pressões económicas e laborais para as trabalhadoras não gozarem a licença de maternidade na totalidade e redução do horário para aleitamento e amamentação; e trabalhadoras em situação precária a quem não é reconhecido o direito à licença de maternidade.

Vejamos a situação da não renovação dos contratos a termos a trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes. No mesmo Relatório é afirmado que no ano de 2014 “a CITE recebeu 43 denúncias relativas a falta de comunicação de não renovação de contrato de trabalho a termo, com trabalhadoras especialmente protegidas, tendo 27 sido enviadas para a Autoridade das Condições de Trabalho, para levantamento do respetivo auto contraordenacional, nos termos do nº 5 do artigo 144.º do Código do Trabalho”. Contudo, a não renovação dos contratos a termo a trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes é uma prática generalizada em muitos locais de trabalho no nosso país. Nos termos do artigo 144º, n.º3 do Código do Trabalho carece de comunicação «após 5 dias úteis» dos motivos da não renovação. Ora, a lei não estabelece a data a partir da qual se contam esses dias, mas o artigo é sobre comunicações e informações sobre o contrato a termo. Ora, se as entidades patronais estão obrigadas ao aviso prévio de não renovação de 15 ou 30 dias, faria sentido que esses 5 dias úteis fossem a partir dessa comunicação. Mas têm existido entendimentos da CITE que é apenas a partir da caducidade do contrato, ou seja, quando a trabalhadora já está fora da empresa e nada pode fazer. Na prática, este entendimento coloca em causa a defesa dos direitos destas trabalhadoras.

II

No nosso país em pleno século XXI, o atual quadro legal reconhece a formalidade dos direitos de maternidade e paternidade, mas a prática diária nas empresas e locais de trabalho nega, limita e obstaculiza o seu cumprimento.
O direito das mulheres ao trabalho com direitos e o direito a ser mãe, sem quaisquer penalizações, são parte integrante das conquistas da Revolução de Abril. Direitos das mulheres esses que são indissociáveis de um Portugal de progresso, mais justo e democrático.

A consagração da função social da maternidade na Constituição da República, rompeu e abalou conceções retrógradas e obscurantistas que vigoraram durante o regime fascista. Aliás, o reconhecimento da função social da maternidade traduziu-se no desenvolvimento de um conjunto articulado de políticas – de família, laborais, de segurança social, de saúde e de educação – cujo conteúdo e sentido é profundamente revolucionário e progressista.

Desde o final da década de 70 até aos dias de hoje o PCP, na sua intervenção institucional, tem vindo a intervir através de um conjunto muito alargado de propostas no âmbito dos direitos de maternidade e paternidade, inseparáveis da luta de gerações e gerações de mulheres e homens que contribuíram decisivamente para a conquista do importante património legislativo existente hoje no nosso país.
Neste sentido, através deste Projeto de Lei, o PCP visa dar um passo em frente na consolidação da proteção das trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes e de trabalhadores no gozo da licença parental, propondo para tal:
• Obrigatoriedade do pedido de parecer prévio à CITE em caso de despedimento, e não renovação de contrato;
• Consideração da ilicitude de despedimento aquele que é feito sem esse pedido de parecer;
• Consideração como vinculativo o parecer da CITE, quer em caso de despedimento, quer nos casos de não renovação de contrato a termo;
• Alargamento no Código do Trabalho e na Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas às situações de denúncia do contrato durante o período experimental, promovido pelo empregador.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1º
Objeto

A presente lei reforça a proteção das trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes, e dos trabalhadores em gozo de licença parental em matéria de cessação dos contratos de trabalho e durante o período experimental.

Artigo 2.º
Alteração ao Código do Trabalho

Os artigos 63º, 114.º e 144º do Código do Trabalho passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 63.º
Proteção em caso de despedimento ou não renovação de contrato a termo

1 - O despedimento ou a não renovação de contrato a termo de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador no gozo de licença parental carece de parecer prévio vinculativo da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
2 – (...)
3 – (…)
4 – (...)
5 – (...)
6 – (...)
7 – (...)
8 - Se o despedimento for declarado ilícito, o empregador não se pode opor à reintegração do trabalhador nos termos do n.º 1 do artigo 392.º e o trabalhador tem direito, em alternativa à reintegração, a indemnização calculada nos termos do n.º 3 do referido artigo, sem prejuízo da indemnização constante do artigo 28.º, caso o despedimento seja promovido por fatores discriminatórios a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou a trabalhador no gozo de licença parental.
9 – (…)

Artigo 114.º
Denúncia do contrato durante o período experimental

1 – (…)
2 – [novo] Excetua-se do número anterior, as situações de denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental promovida pelo empregador, a trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes ou a trabalhador no gozo de licença parental, aplicando-se o disposto no artigo 63.º.
3 – Anterior n.º 2
4 – Anterior n.º 3
5 – O não cumprimento, total ou parcial, do período de aviso prévio previsto nos n.os 3 e 4 determina o pagamento da retribuição correspondente ao aviso prévio em falta.

Artigo 144.º
Informações relativas a contrato de trabalho a termo

1 – (...)
2 – (...)
3 - Sempre que estiver em causa uma trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador no gozo de licença parental é aplicável o procedimento referido no artigo 63º do presente Código, quer no procedimento de renovação quer no procedimento de comunicação da caducidade, os quais estão sujeitos a parecer obrigatório e vinculativo da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
4 – (...)
5 – (...)»

Artigo 2º
Alteração à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas

Os artigos 45.º e 64.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 45.º
Regras Gerais

1 – (…)
2 – (…)
a) (…)
b) (…)
3 – (…)
4 – (…)
5 – (…)
6 – [novo] Sempre que estiver em causa uma trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou um trabalhador no gozo de licença parental, a denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental promovida pelo empregador público fica sujeita a parecer obrigatório e vinculativo da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

Artigo 64.º
Informações

1 – (…)
2 – [novo] A cessação ou a não renovação do contrato a termo de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador no gozo de licença parental, carece de parecer obrigatório e vinculativo da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
3 – O empregador público deve comunicar à comissão de trabalhadores e às associações sindicais representativas, designadamente àquela em que o trabalhador esteja filiado, no prazo máximo de cinco dias úteis a contar da comunicação à trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador no gozo de licença parental, a cessação ou a não renovação do contrato de trabalho a termo.
4 – Anterior n.º 3 »

Artigo 4.º
Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no prazo de 30 dias, a contar da sua publicação.

Assembleia da República, 6 de dezembro de 2016

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