Projecto de Lei N.º 586/XVI/1.ª

Reforça as medidas de proteção do superior interesse da criança e cria a possibilidade da família de acolhimento ser candidata à adoção

(Alteração ao Código Civil, sexta alteração à Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 139/2019 de 16 de setembro)

Exposição de motivos
O superior interesse da criança é um direito, um princípio e uma regra processual consagrados no direito internacional. O Princípio 2.º da Declaração dos Direitos da Criança (1959) estipula que «A criança gozará de proteção especial e deverão ser-lhe dadas oportunidades e facilidades através da lei e outros meios para o seu desenvolvimento psíquico, mental, espiritual e social num ambiente saudável e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na elaboração das leis com este propósito, o superior interesse da criança constituirá a preocupação fundamental».

Inúmeros instrumentos internacionais manifestam junto de todos os Estados a importância fundamental que este princípio deve assumir nos diferentes sistemas jurídico, designadamente ao afirmar-se no artigo 3.º da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), confirmando-se a criança como sujeito de direito e com direitos.

Portugal, no contexto internacional, tem boa legislação na defesa dos direitos da criança, todavia, muitas vezes sem meios para a sua boa execução e com procedimentos que urgem acelerar e simplificar.

A promoção dos direitos das crianças, a capacidade para as instituições cumprirem as suas obrigações, a plenitude de condições de vida e do pleno desenvolvimento, conduzem a que, não obstante a boa legislação existente em Portugal, se pondere melhorias perante as necessidades concretas e a aplicação por parte das instituições.

É nesse sentido que o Grupo Parlamentar do PCP apresenta esta iniciativa legislativa que visa contribuir para a garantia e reforço do princípio do superior interesse da criança, quando estamos perante crianças em risco ou perigo.

O Acolhimento Familiar na lei portuguesa é uma medida de promoção e proteção de caráter temporário, decidida pelos tribunais ou pelas comissões de proteção de crianças e jovens, que «consiste na atribuição da confiança da criança ou do jovem a uma pessoa singular ou a uma família, visando a integração em meio familiar e a prestação de cuidados adequados às suas necessidades e bem-estar e a educação necessária ao desenvolvimento integral».

Assim, é aplicada a qualquer criança ou jovem a quem foi aplicada a Medida de Promoção e Proteção de Acolhimento Familiar, em consequência de se encontrar numa situação de perigo, de acordo com o n.º 2 do artigo 3.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo.

Com o pressuposto de que a família de acolhimento tem um carater transitório que possibilite tempo, espaço e criação de condições de retorno à família de origem, a verdade é que em algumas situações a situação arrasta-se demasiado no tempo e nem sempre com sucesso, o que conduz à necessidade da criança ou jovem ser institucionalizado e entrar num processo futuro de adoção.

É clarividente que estando já integrada no seio da família de acolhimento é manifestamente violento para essa criança ser institucionalizada (por vezes não pela primeira vez) e ser futuramente adotada e vir a integrar outra nova família, quando há vontade, disponibilidade e estão cumpridos os requisitos da família de acolhimento para ser candidata à adoção dessa criança ou jovem fazendo prevalecer o seu superior interesse.

Assim, adaptamos o Código Civil, aditando no artigo 1980.º a possibilidade de poderem ser adotadas crianças que tenham sido confiadas ao adotante enquanto família de acolhimento.

Propomos a alteração da Lei n.º 147/99 de 1 de setembro, a Lei de proteção de crianças e jovens em perigo, concedendo melhores condições de funcionamento das comissões de proteção, reforçando a composição e os meios a atribuir à comissão alargada e à comissão restrita com apoios financeiros e apoios técnicos protocolados pelos municípios e pela Comissão Nacional com as entidades representadas na comissão alargada.

Considera-se igualmente importante que as auditorias já previstas na lei se realizem por iniciativa da Comissão Nacional a requerimento do Ministério Público e também das próprias comissões.

Constatando-se que as cessações de medidas de acolhimento se arrastam sem prazo e que muitas vezes é longo demais na vida de uma criança ou jovem, define-se de forma indicativa uma temporalidade de dois anos. Altera-se igualmente a Lei n.º 139/99, de 1 de setembro, que define o regime de execução de acolhimento familiar, dando possibilidade à família de acolhimento poder ser candidata a adoção e também ser possível mesmo existindo uma relação de parentesco com a criança.

Finalmente, determina-se a compatibilização da Portaria n.º 278-A/2020, de 4 de dezembro que define os termos, condições e procedimentos do processo de candidatura, seleção, formação e avaliação das famílias de acolhimento, bem como o respetivo reconhecimento, tendo em conta que passam a poder ser candidatas à adoção dessas crianças e podem com elas ter um grau de parentesco.

Importante neste processo é garantir o superior interesse da criança e jovem e que a família de acolhimento contribua para o regresso da criança ou jovem ao seu meio natural, mas que se tal não vier a ser possível possa permanecer na família que com ela já criou laços. Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto

A presente lei tem por objeto o reforço das medidas de proteção do superior interesse da criança, procedendo para o efeito às seguintes alterações:

a) Alteração do artigo 1980.º do Código Civil;

b) Sexta alteração à Lei n.º 147/99 de 1 de setembro, que aprova a Lei de proteção de crianças e jovens em perigo; b) Segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro.

Artigo 2.º
Alteração ao Código Civil

É alterado o artigo 1980.º do Código Civil, com a seguinte redação:

« Artigo 1980.º
Quem pode ser adotado

1- Podem ser adotadas as crianças:

a)(…);

b)(…);

c)

Que tenham sido confiadas ao adotante enquanto família de acolhimento.

2- (…).

3- (…).»

Artigo 3.º
Alteração à Lei n.º 147/99 de 1 de setembro

São alterados os artigos 14.º, 17.º; 20.º, 20.º A; 31.º, 33.º, 40.º, 43.º, 58.º, 63.º e 82.º A da Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, alterada pelas Leis n.ºs 31/2003, de 22 de agosto, 142/2015/ de 8 de setembro, 23/2017, de 23 de maio, 26/2018, de 5 de julho e 23/2023, de 25 de maio, que aprova a Lei de proteção de crianças e jovens em perigo, com a seguinte redação:

«Artigo 14.º Apoio ao funcionamento 1- (…).

2- (…).

3- (…).

4- (…).

5- (…).

6 –Os horários de funcionamento das comissões são adequados considerando a sensibilidade da matéria que acompanha, a realidade de cada comissão e o número e a exigência dos processos, com o correspondente reforço de recursos humanos e a devida compensação financeira aos técnicos que nela trabalham.

7- (anterior n.º 6).

8-Para a concretização das suas competências, as comissões devem protocolar com o Ministério da Administração Interna, a presença em permanência de um membro das forças de segurança sempre que se verifique necessário.

Artigo 17.º
Composição da comissão alargada

1- A comissão alargada é composta por:

a) Um representante do município, a indicar pela câmara municipal, dos municípios, a indicar pelas câmaras municipais, no caso previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 15.º, e das freguesias, a indicar por estas, no caso previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 15.º, de entre pessoas com especial interesse ou aptidão na área das crianças e jovens em perigo; b) (…);

c) (…);

d) (…); e) (…);

f) (…);

g) (…);

h) (…);

i) (…);

j) (…);

k) (…);

l) (…);

m) (…).

2- (…).

3- (…).

4 –A Comissão Nacional elabora protocolos com as entidades representadas na comissão alargada para a afetação de técnicos para apoio à atividade da comissão, designadamente as previstas na alínea g).

Artigo 20.º
Composição da Comissão restrita

1- (…). 2- (…).

3- (…).

4- Os membros da comissão restrita são escolhidos de forma que esta tenha uma composição interdisciplinar e interinstitucional, incluindo sempre pessoas com formação nas áreas de serviço social, psicologia e direito, educação e saúde.

5- (…).

6- (…). Artigo 20.º A
Apoio técnico

1- A Comissão Nacional elabora protocolos com a as entidades representadas na comissão alargada a afetação de técnicos para apoio à atividade da comissão restrita.

2-A Comissão Nacional define a ratio de apoio técnico a atribuir a cada comissão tendo em conta o volume de processos.

3-O apoio técnico assume a coordenação de casos e emite parecer no âmbito dos processos em que intervenha, o qual é tido em consideração nas deliberações da Comissão. Artigo 31.º
Acompanhamento e apoio

O acompanhamento e apoio da Comissão Nacional consiste, nomeadamente, em: a) (…);

b) (…);

c) (…);

d) (…);

e) (…);

f) Promover mecanismos de supervisão e auditar as comissões de proteção, produzindo relatórios trimestrais dessa auditoria;

g) (…).

Artigo 33.º
Auditoria e inspeção

1- (…).

2- (…).

3- As auditorias realizam-se por iniciativa da Comissão Nacional, a requerimento do Ministério Público ou das próprias comissões.

4- (…).

5- (…).

Artigo 40.º
Apoio junto de outro familiar

A medida de apoio junto de outro familiar consiste na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de um familiar com quem resida ou a quem seja entregue, acompanhada de apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando necessário, ajuda económica, através do subsídio pecuniário previsto no artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro.

Artigo 43.º
Confiança a pessoa idónea

1- (…).

2- A medida pode ser acompanhada de apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando necessário, de ajuda económica, através do subsídio pecuniário previsto no artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro.

Artigo 58.º
Direitos da criança e do jovem em acolhimento

1- (…).

2- (…)

3-São asseguradas as unidades para resposta a problemáticas específicas de crianças e jovens em acolhimento previstas no artigo 8.º da Portaria n.º 450/2023, de 22 de dezembro, que estabelece o regime de organização, funcionamento e instalação das casas de acolhimento para crianças e jovens. Artigo 63.º
Cessação das medidas

1- As medidas cessam quando:

a) (…);

b) A decisão da revisão lhe ponha termo, num prazo indicativo de dois anos;

c) (…);

d) (…);

e) (…).

2- (…).

3- (…).

Artigo 82.º A
Gestor de processo

Para cada processo de promoção e proteção a comissão de proteção de crianças e jovens ou o tribunal competentes designam uma equipa gestora de processo, ao qual compete mobilizar os intervenientes e os recursos disponíveis para assegurar de forma global, coordenada e sistémica, todos os apoios, serviços e acompanhamento de que a criança ou jovem e a sua família necessitam, prestando informação sobre o conjunto da intervenção desenvolvida.»

Artigo 4.º
Alteração à Lei n.º 139/99, de 1 de setembro

São alterados os artigos 12.º e 14.ºda Lei n.º 139/99, de 1 de setembro, alterada pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, que estabelece o regime de acolhimento familiar, medida de promoção dos direitos de proteção das crianças e jovens em perigo, com a seguinte redação:

«Artigo 12.º Famílias de acolhimento 1- (…).

2- (…).

3- Revogado.

Artigo 14.º
Candidatura a família de acolhimento

1- Pode candidatar-se a responsável pelo acolhimento familiar quem, além dos requisitos referidos no artigo 12.º, reúna as seguintes condições:

a)(…);

b)Revogada.

c)(…);

d)(…);

e)(…);

f)(…);

g)(…).

2- O disposto nas alíneas e) a g) do número anterior aplica-se, igualmente, a quem coabite com o responsável pelo acolhimento familiar.

Artigo 5.º
Alteração à Portaria n.º 278-A/2020, de 4 de dezembro

O Governo, no prazo de 30 dias após a publicação da presente lei, altera a Portaria n.º 278-A/2020, de 4 de dezembro, definindo as condições e procedimentos de candidatura, seleção, formação e avaliação das famílias de acolhimento, bem como o respetivo reconhecimento, tendo em conta que, nos termos da presente lei, podem ser pessoas ou famílias candidatas à adoção.

Artigo 6.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.