Projecto de Resolução N.º 481/XI-2ª

Reforço dos Meios Humanos no Serviço Nacional de Saúde

Reforço dos Meios Humanos no Serviço Nacional de Saúde

Exposição de motivos

A carência generalizada de meios humanos no Serviço Nacional de Saúde (SNS), nas unidades hospitalares e nas unidades de cuidados primários de saúde, de médicos, enfermeiros, técnicos de saúde de diversas especialidades, administrativos, auxiliares, é uma questão central para a continuidade do SNS.

Há muito que o PCP vem alertando e denunciando a necessidade de os sucessivos Governos tomarem medidas eficazes em tempo útil, que evitassem a actual carência de meios humanos e a ruptura de muitos serviços públicos de saúde. Em 1999, e posteriormente em 2003 o PCP apresentou Projectos de Resolução que recomendavam ao Governo, a adopção de um conjunto de procedimentos que permitiriam ter um conhecimento exacto das necessidades de profissionais de saúde, o alargamento da formação em medicina e o descongelamento de vagas na Administração Pública.

Durante muitos anos, não houve aumento de vagas nos cursos de medicina nas instituições de ensino superior em Portugal, nem a criação de novos cursos, o que condicionou bastante a actual situação da carência de médicos. De 2000 a 2009 verificou-se um aumento de vagas em medicina a nível nacional, passando de 793 para 1663, de acordo com dados da Direcção-Geral do Ensino Superior. Não obstante esta evolução positiva, esta não só foi tardia, pois ainda não sortiu efeitos nos serviços públicos de saúde, como o número total de vagas para o curso continua a ser insuficiente.

Acresce à carência de formação de médicos em Portugal, a aplicação de políticas em relação aos trabalhadores da Administração Pública, assentes em quatro vectores:
– Facilitar o despedimento e a saída dos trabalhadores da vida activa;
– Reduzir e eliminar direitos dos trabalhadores da Administração Pública, muitos deles consagrados na Constituição da República e reconhecidos a todos os trabalhadores portugueses;
– Agravar as condições de trabalho, aumentar a carga horária e desregulamentar as carreiras;
– Atacar e desacreditar os sindicatos, procurando reduzir a sua capacidade de organização e mobilização para a luta e fragilizar ainda mais o direito de negociação colectiva, com a negociação individual dos salários.

O actual Governo do Partido Socialista não só mantém o ataque aos direitos dos trabalhadores, como o aprofunda. A Lei 12-A/2008 destruiu as carreiras e respectivas categorias, provocou a perda de vínculo efectivo, com a introdução de mapa de pessoal sujeito a aprovação anual e a desvalorização das remunerações; a aplicação de uma avaliação injusta, com imposição de quotas e restrições de progressão na carreira, com o Sistema de Avaliação de Desempenho na Administração Pública (SIADAP); a lei da mobilidade especial, que mais não é do que criar as condições para o despedimento e a imposição de um contrato de trabalho em funções públicas, que significa perda de direitos; tem contribuído grandemente para o descontentamento dos profissionais de saúde, atirando muitos profissionais para o sector privado, mesmo sabendo que não é aí que vão encontrar as condições laborais que respondam aos seus anseios, e para o estrangeiro, gorando as expectativas de muitos jovens trabalhadores e desperdiçando mão-de-obra altamente qualificada em que o Estado também investe na sua formação.

Na Administração Pública é transversal o aumento da instabilidade no emprego, a falta de condições de trabalho e a precariedade. O ataque aos serviços públicos e a sua consequente degradação, são parte integrante de uma estratégia de sucessivos Governos, para justificar soluções de privatização. A reorganização dos serviços públicos encetada pelo anterior Governo, assente em critérios estritamente economicistas, com a destruição de 73 mil postos de trabalho na Administração Pública entre 2005 e 2009, também afectou o sector da saúde. A pretensão do actual Governo é aprofundar estas políticas e eliminar mais postos de trabalho nos próximos anos. Associado a estas medidas, foi imposto o congelamento nas admissões para a Administração Pública, que evidentemente também afecta os serviços públicos de saúde.

Segundo o Observatório de Emprego Público o Ministério da Saúde empregava 113.033 trabalhadores em 31 de Dezembro de 2005, e em 31 de Dezembro de 2009 tinha 94.099 trabalhadores, o que corresponde a uma diminuição de 18.934 trabalhadores. Em quatro anos o Ministério da Saúde reduziu o número de trabalhadores em 16,8%. Por grupos profissionais, registou-se uma diminuição em 1200 médicos entre 31 de Dezembro de 2007 (21.173) e 31 de Dezembro de 2009 (19.973), o que corresponde a uma redução em 5,7%. Verificou-se uma redução de 1547 enfermeiros, entre 31 de Dezembro de 2007 (30.130) e 31 de Dezembro de 2009 (28.483), o que corresponde a menos 5,5%. Entre 31 de Dezembro de 2007 (6.433) e 31 de Dezembro de 2009 (6.304) houve uma redução de 129 técnicos de diagnóstico e terapêutica, ou seja, uma diminuição de 2%.

O agravamento nas penalizações na reforma antecipada previsto para 2015, a desmotivação e o não reconhecimento e valorização das suas funções levou centenas de médicos, na sua maioria, médicos de família a solicitarem a reforma.

Há muitas extensões de saúde e postos médicos que já encerraram e irão encerrar, ou já reduziram e irão reduzir o horário de funcionamento, devido à carência de médicos. Hoje são milhares os utentes sem médico de família, de acordo com dados da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, situação que se vai agravar com o pedido de reforma dos médicos de família.

A Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral (APMCG) alertou, para a morosidade na contratação dos médicos que terminam a especialidade em Medicina Geral e Familiar, muito embora tenha havido melhorias significativas. Há uma grande disparidade entre as Administrações Regionais de Saúde (ARS), há ARS que são mais céleres, mas há outras onde é muito demorado o tempo entre o fim da especialidade, até iniciarem o desempenho de funções.

A falta de médicos no SNS vai atingir pontos de ruptura, como acontece na área dos cuidados primários em que se prevê que em 2016 cerca de 80% dos actuais médicos de medicina geral e familiar tenham mais de 55 anos. Não é só no elevado número de utentes que é visível a falta de médicos, a sua carência é evidente no tempo de espera para uma consulta de especialidade, no tempo de espera para uma cirurgia. Na saúde mental e nas doenças oncológicas, a carência de profissionais é também uma realidade, com a agravante nos doentes oncológicos aguardarem para além do que é admissível uma cirurgia.

O grupo profissional dos médicos também é atingido pela instabilidade e precariedade. O Estado recorre muitas vezes à contratação de empresas privadas para a colocação de médicos em serviços públicos de saúde, como ocorre em muitos serviços de urgência de hospitais ou em serviços de atendimento permanentes, não trazendo garantias de qualidade dos cuidados de saúde que são prestados à população e com custos superiores para o próprio Estado.

Tal como se esperava, a medida do Governo para contratar médicos aposentados, está aquém das expectativas propagandeadas pelo Governo. Mesmo assim, o Governo limitou a contratação dos médicos aposentados ao abrigo do regime excepcional a um máximo de 200, segundo o Despacho nº 19070-C/2010, de 23 de Dezembro.

Também os enfermeiros, técnicos superiores de saúde e os técnicos de diagnóstico e terapêutica estão hoje confrontados com uma ofensiva sem precedentes que visa a retirada e/ou a redução de direitos conquistados. O processo de revisão da carreira dos técnicos superiores de saúde e os técnicos de diagnóstico e terapêutica permanece parado, por falta de resposta do Governo, já em relação aos enfermeiros, o Governo impôs uma carreira, sem ter sido atingido acordo em aspectos essenciais, nomeadamente na atribuição salarial, sem equiparar os enfermeiros a outros técnicos superiores na Administração Pública com carreiras especiais, não atendendo à especificidade da sua formação, qualificação e competências na área da saúde.

São muitos os enfermeiros em situação de precariedade a trabalhar no Serviço Nacional de Saúde, seja por contrato a termo certo ou colocados através de empresas de trabalho temporário. A incerteza e a instabilidade quanto ao futuro é o sentimento predominante nestes profissionais. Muitos enfermeiros optam por sair do país para encontrar emprego. Considerando a falta de enfermeiros nos Centros de Saúde e nos Hospitais, não se compreende, que cerca de cinco mil enfermeiros, estejam em situação de desemprego.

Em relação à carência de pessoal administrativo e pessoal auxiliar nos serviços públicos de saúde, essencial para o seu pleno funcionamento e tendo em conta os milhares de trabalhadores no desemprego em Portugal, só por critérios economicistas, o Governo não autoriza a abertura de concursos públicos para colocar o número de trabalhadores em falta no Serviço Nacional de Saúde.

A negociação do Acordo Colectivo de Trabalho para os trabalhadores com Contrato Individual de Trabalho (CIT) nos Hospitais EPE, ainda não está concluída. Assim, os trabalhadores com CIT nos Hospitais EPE continuam sem outra regulamentação de trabalho que não seja o Código do Trabalho. Também nos Hospitais em Parceria Público-Privado, a legislação aplicada aos trabalhadores é o Código de Trabalho. É inaceitável a continuação da aplicação do Código de Trabalho em serviços públicos de saúde, que integram o SNS, criando situações desiguais e injustas entre os profissionais de saúde.

A saúde oral é uma área de grande relevância para a população e continua a não ser plenamente integrada no Serviço Nacional de Saúde. Na Ordem dos Médicos Dentistas estão inscritos cerca de 6600 profissionais, contudo a sua grande maioria exerce no sector privado. Muitos médicos dentistas emigram para outros países à procura de emprego. Estima-se que em 2015, haja mais de 10 mil médicos dentistas em Portugal. Basta que haja vontade política do Governo para criar uma rede de consultas em medicina dentária nos serviços públicos de saúde, atendendo à necessária proximidade junto da população, em que o Estado promova a contratação destes médicos e os integre numa carreira com vínculo público.

Os meios humanos são um elemento essencial para assegurar o futuro do SNS. O PCP entende que a continuidade do SNS, de qualidade, e para todos os portugueses é possível, com a dotação dos meios humanos necessários, com condições de trabalho, integrados em carreiras valorizadas, com remunerações adequadas e motivados para desempenhar este serviço público imprescindível, e que é um direito para toda a população, consagrado na Constituição da República Portuguesa. Há que definir políticas de defesa do SNS e de garantir os direitos dos trabalhadores.

Assim, tendo em consideração o acima exposto, e ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do Artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República recomende ao Governo, nos termos do n.º 5 do Artigo 166.º da Constituição, as seguintes medidas:

1. Que encare a grave insuficiência dos recursos humanos afectos à prestação de cuidados de saúde como uma questão decisiva para o futuro do SNS e do País;

2. Proceda a um levantamento das necessidades objectivas em matéria de recursos humanos na área da saúde, da sua distribuição pelas diferentes valências e por unidades de saúde (unidades hospitalares, unidades de cuidados primários de saúde e unidades de cuidados continuados integrados);

3. Promova a contratação dos meios humanos com base no diagnóstico das necessidades elaborado, nomeadamente de médicos, enfermeiros, técnicos superiores de saúde, técnicos de diagnóstico e terapêutica, administrativos e auxiliares, que garantam uma prestação de cuidados de saúde com qualidade e eficiência;

4. Melhore as condições de trabalho dos profissionais de saúde, repor os seus direitos e dignificar as suas carreiras, que proporcione uma efectiva valorização profissional e progressão na carreira;

5. Valorize social e profissionalmente as carreiras de Medicina Geral e Familiar e de Saúde Pública, repondo em vigor o Decreto-Lei 157/99;

6. Reduza e optimize em todas as ARS os prazos de abertura dos concursos públicos para a contratação dos médicos que terminaram a especialidade;

7. Elimine a precariedade e restabeleça o vínculo público a todos os profissionais de saúde que exerçam funções em unidades de saúde do SNS, independentemente do actual vínculo laboral;

8. Desenvolva os processos negociais para a revisão das carreiras especiais ainda por concluir, com base no que for acordado com as estruturas representantes dos respectivos trabalhadores;

9. Elabore um programa para a formação de profissionais de saúde, especialmente de médicos, com fim dos numerus clausus para o curso de Medicina, abrindo mais vagas para os internatos de medicina geral e familiar;

10. Desenvolva um programa de formação excepcional dirigida aos médicos sem especialidade que exercem funções no SNS, independentemente, mas que não possuem especialidade, tenham a possibilidade de a adquirir;

11. Aplique medidas de emergência temporárias de contratação no estrangeiro de médicos, em condições de qualidade, segurança e de equidade com os médicos portugueses, e uma estratégia de atracção dos jovens estudantes de medicina no estrangeiro;

12. Crie no Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente ao nível dos cuidados primários de saúde, uma rede pública de consultas de saúde oral, através da contratação de médicos dentistas com vínculo público.

Assembleia da República, em 23 de Março de 2011.

Os Deputados,

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