Intervenção de

Reestruturação da rede de urgências hospitalares - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Declaração política de críticas à reestruturação da rede de urgências hospitalares levada a cabo pelo Ministério da Saúde

 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Não chegaria o tempo de uma declaração política para falar dos vários assuntos da política de saúde que nos últimos tempos têm surgido.

Podíamos falar das notícias que avançam com a possibilidade de privatização da gestão financeira e informática em organismos do Serviço Nacional de Saúde, como suposta solução para a ineficiência e as dificuldades desses mesmos organismos, aliás, da responsabilidade de sucessivos governos e também do actual, pela falta de meios que lhes são atribuídos.

Podíamos falar, também, da proliferação de estudos encomendados às consultoras do costume, a que não se reconhecem especiais aptidões para a área da saúde, pelo menos não superiores às dos serviços e técnicos do sector público.

Podíamos falar da anunciada nomeação para a administração do SNS de um ex-secretário de Estado de Bagão Félix, para além do mais, com um cariz estritamente financeiro, ou «financista», se quiserem, o que denuncia bem qual é a política do Governo para o Serviço Nacional de Saúde e o seu carácter estritamente financeiro.

Podíamos falar, ainda, dos dramáticos episódios, que têm ocorrido nos últimos dias, de doentes em trânsito de urgência para urgência ou do «engarrafamento» de ambulâncias no hospital de Faro.

Ou podíamos falar dos custos acrescidos dos medicamentos para os utentes, agora agravados com o diferimento da baixa de 6% do preço em relação à baixa das comparticipações.

Ou até podíamos falar do estudo, da responsabilidade do Ministério da Saúde e da Associação Nacional de Farmácias (ANF), em que se conclui existir um grave prejuízo para o erário público pela não aplicação do mecanismo da unidose nos medicamentos dispensados em ambulatório, um prejuízo que é estimado em 4,4 €/embalagem, o que, aplicado a um total de 125 milhões de embalagens, dá largas centenas de milhões de euros de prejuízo por ano, para o Serviço Nacional de Saúde e, também, para os contribuintes que pagam o restante do custo dos medicamentos não comparticipados.

Acontece que o Ministério não quer divulgar este estudo que mandou fazer, o que bem se compreende. Neste ponto, aliás, o Governo, afinal, já cumpriu em parte um dos pontos da curiosa resolução relativa à política do medicamento, proposta pelo PS e aprovada, por unanimidade, nesta Assembleia, que mandava elaborar estudos conducentes à aplicação da unidose no ambulatório.

Pelo menos um estudo o Governo já fez, mas, como não deve ter gostado do resultado, provavelmente por prejudicar a indústria farmacêutica, entendeu metê-lo na gaveta e nunca mais quer ouvir falar dele.

Mas nesta declaração política queríamos, sobretudo, centrar a atenção, mais uma vez, na questão do encerramento de urgências que teve novos desenvolvimentos esta semana.

A comissão técnica entregou o relatório final, sem alterações quanto à filosofia de fundo - aliás, determinada pelo Governo - de redução drástica dos pontos de urgência. Essa é a realidade: «fechar, fechar, fechar!»

De facto, o Governo, ao contrário da propaganda que é feita, pretende reduzir, de mais de 170 para cerca de 80, os pontos de urgência a funcionar 24 horas/dia em todo o País. Não se pode, evidentemente, olhar para esta questão apenas para o relatório da comissão técnica, sem juntar ao que é proposto ao nível dos hospitais o que está a acontecer por todo o País, ao nível das urgências e dos serviços de atendimento nos centros de saúde.

Ao encerrar inúmeros pontos de atendimento e de atendimento urgente, o Governo está a determinar que fica mais distante o primeiro contacto, indispensável e muito importante para as situações de emergência, com consequências evidentes, aumento dos riscos e menor segurança no atendimento das populações que vai generalizar-se por todo País.

Estas situações de emergência exigem pontos de contacto próximos e rápidos e, até ao contrário do que propõe a própria comissão técnica, nem sequer há qualquer resposta concreta, calendarizada e com financiamento assegurado, para a rede de emergência pré-hospitalar, que é indispensável acentuar e melhorar no nosso país, mas em relação à qual praticamente não há compromissos da parte do Governo.

A única novidade deste relatório final da comissão técnica foi, afinal, a proposta de encerramento da urgência no hospital de Peniche, proposta cuja fundamentação não se compreende qual seja, uma vez que os fundamentos que estavam na base do relatório intercalar, em termos de acessibilidades, população, actividades económicas, se mantêm para o relatório final.

Não se compreende, por isso, por que é que, de repente, a urgência do hospital de Peniche deixa de constar nas urgências a manter e passa a constar na lista daquelas a encerrar.

Não se compreende por várias razões.

Em primeiro lugar, porque esta proposta de encerramento não tem em conta a actividade económica ligada à pesca, muito importante em Peniche, com todas as condicionantes que daí advêm, nem sequer a que está ligada a outras actividades marítimas, desportivas e de lazer, que também são cada vez mais importantes naquela região e que exigem uma resposta pronta em termos de equipamentos e de serviços de urgência.

É uma proposta que não tem em conta o acréscimo da actividade turística naquela região.

O concelho de Peniche é hoje, em toda a região do Oeste, o que tem maior número de dormidas, é um concelho cuja população triplica nos meses de Verão e onde se regista uma incidência especial do turismo sénior que, como todos compreenderemos, tem especiais exigências em matéria de disponibilidade de serviços de saúde e de serviços de emergência na saúde.

A proposta que é feita é desligada da realidade, não se fundamenta em qualquer alteração da realidade concreta e só se explicará pelo facto de que, certamente, o Governo determinou um número exacto de urgências que têm de ser encerradas.

Ora, como a comissão técnica entendeu propor - e bem! - a manutenção da urgência em Cinfães, provavelmente, não teve outro remédio senão trocá-la pela urgência do hospital de Peniche, para cumprir as determinações, por parte do Governo, de encerramento nesta matéria.

É uma situação inaceitável, bem ilustrada neste exemplo concreto, dramático para as populações daquela região, as quais, bem como as respectivas autarquias, já se pronunciaram contra esta alteração.

Este é um exemplo que denuncia bem qual é a filosofia que está na base desta política: encerrar serviços, mesmo que cause transtorno às populações, mesmo que fazê-lo esteja desligado das actividades económicas, das realidades demográficas e geográficas.

O que importa ao Governo é cada vez menos serviços, cada vez menos investimento no Serviço Nacional de Saúde, para que, cada vez mais, as populações estejam desprotegidas no seu acesso à saúde e aos serviços de urgência.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Regina Bastos,

Começo por responder-lhe.

Eu não estaria tão confiante em relação a essas declarações do Ministro da Saúde porque acho que, fundamentalmente, o que ele quis dizer foi que não há dinheiro para as medidas de retaguarda e que, portanto, provavelmente, irão ter lugar os encerramentos que estão previstos, mesmo que com outro calendário, sem que haja a contrapartida, insuficiente embora, que a própria comissão técnica propõe. Essa é que é a realidade contida nas palavras do Sr. Ministro da Saúde.

É que, se fosse outra a opção, o Ministro teria anunciado de outra forma a suspensão deste processo, para que esta situação fosse discutida de forma sã.

Portanto, não ficamos descansados com as referidas declarações do Ministro, até porque sabemos que a orientação do Governo é no sentido de diminuir serviços em toda a área da saúde e também noutros sectores. Não vemos, pois, que tais declarações possam sossegar-nos em relação à matéria em questão.

Respondendo agora ao Sr. Deputado Vasco Franco, lamento ter de dizer-lhe que das suas palavras se conclui que, porque a câmara é presidida pela CDU, ao PS não interessa a população de Peniche. É isso que pode concluir-se das suas palavras, mesmo tendo em conta que, nas eleições legislativas, o PS é o partido mais votado naquele concelho. Mas parece que isso não interessa muito ao Sr. Deputado, sentado no conforto da sua maioria absoluta...!

Sr. Deputado, não estamos aqui a falar de exemplos casuisticamente tratados. Aliás, gastei 1,5 minutos ou 2 minutos da minha intervenção de 8 minutos a falar deste caso.

É porque este caso é bem o exemplo da lógica desta reforma.

É porque não há qualquer justificação para esta alteração. As estradas são as mesmas, as distâncias em relação aos outros hospitais são as mesmas, as actividades económicas são as mesmas, a população é a mesma, o aumento da população sazonal é o mesmo!! Não há alteração alguma!! Portanto, por que é que, de repente e mantendo-se uma urgência em Cinfães, o que consideramos muito positivo, tem de ser encerrada uma outra urgência em Peniche? A este propósito é que podíamos especular sobre lógicas, como a que o Sr. Deputado utilizou, em matéria de comando político-partidário de cada autarquia.

Mas não foi disso que tratámos nesta intervenção.

Do que se trata de saber é por que razão está proposto o encerramento desta urgência em Peniche. Por que é que terá de encerrar quando não se alterou qualquer das condições que estiveram na base da proposta anterior? E por que é que se menosprezam as necessidades deste concelho e desta região em matéria de actividade económica ligada à pesca e a outras actividades desportivas e de lazer ligadas ao mar, em matéria turística e do turismo sénior, tão importante?

Aliás, são tão importantes todos estes aspectos que mereceram a aprovação, por unanimidade, de uma moção na assembleia municipal - e penso que o Partido Socialista tem assento nessa assembleia municipal - , contrariando esta decisão do Governo e exigindo uma outra.

Espero, portanto, que, neste caso, como em toda a questão da rede de urgências, o Sr. Deputado e o seu grupo parlamentar arrepiem caminho.

Não deixo de responder a uma última questão, dizendo que «sim, é verdade»: no início deste processo, eram 176 os pontos de urgência no nosso país e vão restar 83. É porque o Sr. Deputado não pode olhar para o relatório da comissão técnica unicamente a propósito de urgências hospitalares, pois isso não está desligado do resto. Na realidade, enquanto se propõe o encerramento de algumas urgências hospitalares, está a fazer-se, na prática, o encerramento de quase todas as urgências nos centros de saúde. E o cômputo global é este: de 176 para 83! Isto significa que cada cidadão, quando tiver de dirigir-se a um serviço de urgência, estará mais longe do ponto de urgência disponível mais próximo de si.

E não vale a pena dizer que muitos deles não têm os equipamentos necessários, porque, se não têm, isso é da responsabilidade dos vossos governos e dos governos do PSD e esse problema não se resolve fechando os serviços mas, sim, investindo neles.

 

 

 

 

 

 

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