Intervenção de

Redes de comunicações electrónicas

 

Regime de acesso aberto às infra-estruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações electrónicas e estabelecimento do regime de impugnação dos actos do ICP-ANACOM aplicáveis no âmbito do regime de construção, acesso e instalação de redes e infra-estruturas de comunicações electrónicas

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Importa começar por recordar singelamente um ponto de partida que não podemos perder de vista, que é o de que as tecnologias não são boas nem más em si mesmas.

A questão é saber qual a utilização que lhes damos e, desde logo, qual o modelo de desenvolvimento que está em causa na sua aplicação.

Com esta proposta do Governo (proposta de lei n.º 264/X), a estratégia que daí surge é a de uma dependência estrutural, cada vez mais acentuada, do nosso país, da nossa economia e do seu desenvolvimento relativamente às agendas e aos interesses dos grandes grupos económicos. Prosseguindo as ordens do poder económico à escala da União Europeia, o Governo decide e anuncia uma rede de comunicações electrónicas, designada de «nova geração», que é privatizada à nascença e entregue às mãos das corporações do sector.

Mas há uma coisa que o Governo não consegue esconder sob o brilho ofuscante da fibra óptica: é porque este projecto, que já foi classificado pelo Presidente da PT como um «serviço Premium», como um «Ferrari», já tem da parte do Estado a garantia de 85% da verba para o ano de arranque, isto é, 50 milhões de euros em benefícios fiscais e 800 milhões de euros com a promoção de uma linha de crédito - «incumbência do Estado», nas palavras do Governo. Ou seja: essa parte (a do financiamento) está resolvida para os «investidores privados»; faltava agora a parte, também muito complexa e exigente, da infra-estrutura física das redes, apontada pela Comissão Europeia como a mais problemática e dispendiosa vertente destes projectos. Ora bem, aí está o Governo ao resgate e resolve-se o problema com esta proposta.

Com ela, todas as redes e infra-estruturas (todas!) que possam ser consideradas «aptas para o alojamento de redes de comunicações electrónicas» são postas ao serviço deste projecto e destes investidores.

À partida, nada temos contra, mas o que significa isto exactamente? Não se sabe. É porque o decreto-lei que o Governo pretende aprovar sobre esta matéria aplica e remete para outro decreto-lei... que não existe! Cujo teor não conhecemos, mas que, pelos vistos, estabelece «um conjunto de obrigações aplicáveis ao Estado, às Regiões Autónomas e às autarquias locais». Afinal, é disto que estamos a falar quando lemos o artigo 2.º da proposta de lei sobre «as entidades que detenham infra-estruturas aptas ao alojamento de redes»?

Mas a Associação Nacional de Municípios Portugueses não foi ouvida pelo Parlamento, nem as regiões autónomas! Que misterioso regime é esse que lhes vai ser aplicado?! Coloca-se o domínio público, as redes e infra-estruturas públicas, o Estado, as regiões autónomas e as autarquias ao serviço de um empreendimento «Ferrari», privatizado à nascença, com financiamento garantido pelo Estado, em que o Estado se garante e oferece como cliente (com os serviços públicos assumidos como fazendo parte da rede no prazo de um, dois anos a contar do seu arranque).

Onde há condutas e infra-estruturas com fartura, onde há concentração populacional, as redes aparecem num instante e são êxito garantido.

No interior, nas zonas deprimidas, onde as infra-estruturas mais fazem falta, o investimento não aparece porque não dá lucro!

Este é um exemplo flagrante de como o poder político e estes governos na sociedade actual assumem, sem pestanejar, o papel de conselhos de administração dos interesses dos grupos económicos. E é de lamentar que o Parlamento cumpra este papel de despachar rapidamente e por alto um processo desta gravidade, com uma autorização legislativa que não se sabe o que autoriza, com um debate em Plenário em grelha mínima, dispondo cada grupo parlamentar de apenas 3 minutos, sem que sequer fossem ouvidas as autarquias e as regiões autónomas.

As redes podem ser de nova geração, mas nas opções políticas não há nada de novo!...

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