Intervenção de

Rede rodoviária nacional - Intervenção de Honório Novo na AR

Ffinanciamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP-Estradas de Portugal, EPE

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,

Acho que estamos menos perante a apresentação de uma proposta de lei (n.º 153/X) e mais perante uma espécie de número de ilusionismo com vários truques à mistura.

Primeiro truque de ilusionismo: o Governo quer consignar uma receita do Estado a uma despesa, à criação anunciada da «contribuição de serviço rodoviário», para a entregar à Estradas de Portugal. Mas a consignação de receita está proibida pela Lei de Enquadramento Orçamental.

Em 2005, quando os senhores vieram propor o aumento do IVA, de 19% para 21%, estava prevista, na proposta de lei, uma consignação temporária, tal como manda o n.º 3 do artigo 7.º da lei de enquadramento orçamental. Agora, não há temporalidade nenhuma.

Portanto, a pergunta que se coloca é a seguinte: este Governo não sabe o que diz a Lei de Enquadramento Orçamental? Não sabe que esta proposta de lei fere objectivamente a Lei de Enquadramento Orçamental?

Segundo truque de ilusionismo: o Governo finge que a Estradas de Portugal passará a ter receitas próprias.

Mentira! Não são nem receitas próprias nem novas - para utilizar a má expressão do Deputado Frasquilho, no seu relatório -, são apenas transferências do Orçamento do Estado, tal como já eram possíveis no passado, e, neste caso, de parte da receita de um imposto, o ISP - 6,4 cêntimos/litro de gasolina e 8,6 cêntimos/litro de gasóleo que passemos a comprar.

A propósito disto, acho que o Governo nem sequer deu a ler a proposta de lei ao Ministro Santos Silva.

É que, no debate que acabamos de encerrar, ele acusava o PSD, e bem, de, no passado, ter feito desorçamentação no que respeita à Estradas de Portugal, mas ninguém disse ao Dr. Santos Silva, nem o Ministro das Finanças nem o Ministro das Obras Públicas, que esta proposta de lei é uma enorme operação de repetição do que fez o Dr. Santana Lopes e que o Dr. Vítor Constâncio considerou absolutamente ilegal.

Passo ao terceiro truque de ilusionismo, Sr. Ministro.

Afinal, o que é que os senhores querem financiar? A Estradas de Portugal? Mas o que é a Estradas de Portugal? É uma entidade que os senhores esvaziaram há pouco tempo, tendo-lhe retirado as funções de regulação, de supervisão e de fiscalização; é uma entidade que, neste momento, ninguém sabe, formalmente, o que é ou o que vai ser daqui a dois meses. E os senhores querem, com uma proposta de lei - acho isto pouco ético e pouco formal do ponto de vista político -, vir pedir à Assembleia da República que aprove um financiamento para uma entidade que, neste momento, ninguém sabe, formalmente, o que é. Isto é um verdadeiro truque de ilusionismo!

Quarto e último truque de ilusionismo.

Dizia o Sr. Ministro das Finanças - é pena não estar aqui presente, mas está o Sr. Secretário de Estado do Tesouro que bem o representa -, em 16 de Junho, aquando do debate das GOP para 2008: «os utentes da rede rodoviária nacional pagarão uma taxa pelo uso dessas estradas». E como faz quem só circular nas estradas municipais, Sr. Ministro? O Governo vai fazer desconto, no preço do litro da gasolina e no preço do litro de gasóleo, para aqueles que, em absoluto, não usam a rede rodoviária nacional? O que vai fazer o Governo? Em alternativa, também há uma hipótese. é pegar na receita, mandá-la ao Dr. António Costa para que, numa futura reincarnação governamental, ele possa modificar a Lei das Finanças Locais.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

Por mais que se esconda por trás da necessidade e urgência de concretizar o Plano Rodoviário Nacional - que o desleixo, a falta de vontade política, o desinteresse e o desinvestimento de sucessivos governos têm protelado e adiado para além do que era admissível -, por mais que venha aqui hoje anunciar receitas capazes de fazer face a tais investimentos sem aumentar a carga fiscal dos portugueses, o Governo já não consegue iludir ninguém a não ser os seus fiéis e devotos seguidores, aqui presentes na bancada do Partido Socialista.

É que os objectivos que o Governo persegue com esta proposta de lei aparecem envergonhados no texto legal mas surgem claros e nítidos à medida que limpamos a areia que nos tentam atirar aos olhos.

No fundo, o Governo pretende fazer o mesmo que Santana Lopes já fizera com a Estradas de Portugal e que o Dr. Vítor Constâncio considerara ilegal em 2005 - o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares ainda não conseguiu perceber que é exactamente a mesma coisa!

O que o Governo quer é retirar de novo a Estradas de Portugal das administrações públicas, atribuir-lhe receitas próprias, mais ou menos fictícias, e recriar um mecanismo de desorçamentação da despesa pública que permita apresentar resultados absolutamente brilhantes de controlo do défice e reclamar em Bruxelas o título de «campeão europeu» do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Mesmo que, naturalmente, esse título de «campeão europeu» do Pacto de Estabilidade e Crescimento seja obtido sempre à custa dos mesmos, isto é, à custa de quem trabalha e à custa do desenvolvimento do País!

Mas com esta operação, o Governo pretende obter um outro resultado que serve que nem uma luva os interesses de alguns grupos privados interessados em mais um «nicho de mercado» com que este Governo lhes acena.

O Governo já não se satisfaz apenas em desorçamentar, quer também privatizar a Estradas de Portugal e entregar a interesses financeiros privados a gestão da rede rodoviária nacional.

Mas não se julgue que se trata de uma privatização qualquer, da simples criação de um novo grupo privado para gerir as estradas nacionais e que depois funcionaria como tal, isto é, à sua própria custa!... Esta será uma privatização muito especial. Uma privatização em que será o erário público, em que serão os nossos impostos, o Orçamento do Estado que continuará, não no passado, não no presente mas no futuro, a financiar sempre e directamente o funcionamento dessa nova empresa privada.

Não basta que a essa nova empresa sejam entregues a gestão e utilização da rede rodoviária nacional; não basta que essa empresa venha a colocar portagens onde mais lhe convenha ou onde entenda fazê-lo para maximizar lucros - não bastará apenas isto, e já era muito! A nova empresa da Estradas de Portugal privatizada continuará, sem limite temporal, a receber os nossos impostos, a receber o equivalente (digo-o em moeda antiga, para nos entendermos) a 13$ por cada litro de gasolina e a 17$ por litro de gasóleo comprados neste país.

Os objectivos centrais do Governo, com esta proposta, são portanto: desorçamentar para cumprir o défice e transferir parte dos nossos impostos directamente para os cofres de uma qualquer empresa privada.

O resto traduz-se na criação de uma despesa que corresponde à consignação de uma receita, o que a Lei de Enquadramento Orçamental claramente não permite! O resto é percebermos que as estradas municipais, parte significativa da rede de estradas, continuará a poder degradar-se, pois o Governo disso «lava as mãos como Pilatos».

Segundo o Governo, parte do que cada um de nós vai pagar por cada litro de combustível que comprar pode ser entregue à Estradas de Portugal privatizada para gastar na rede rodoviária, mas nem um só cêntimo - repito, nem um só cêntimo! - do que milhares de portugueses pagam por cada litro de combustível que compram poderá servir para melhorar as estradas municipais deste país, mesmo que muitos de nós, milhares de portugueses, usem preferencialmente a rede municipal de estradas.

O resto, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, como se vê e percebe, são superficialidades e matérias acessórias para o Governo. O resto não interessa a este Governo, porque o que lhe interessa, de facto, é garantir mais um negócio da China, o que, naturalmente, os grupos e interesses financeiros agradecem mas que os portugueses, inexoravelmente, sentirão na carne e no bolso a curto ou médio prazo!

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