Exposição de motivos
No caminho da reconfiguração do Estado e inserido num programa de entrega ao capital privado do conjunto dos serviços públicos e do sector empresarial do Estado, o Governo anuncia e prepara-se para concluir a privatização da EGF - Empresa Geral de Fomento - uma das empresas do Grupo Águas de Portugal. Esta empresa é a empresa que detém, em nome do Estado, o capital de onze empresas multimunicipais de gestão e tratamento de resíduos sólidos urbanos, abrangendo uma grande parte do território nacional, prestando um serviço público às populações através de sistemas que foram construídos de raiz pelas autarquias que, mais tarde, aceitaram integrar sistemas multimunicipais em conjunto com a EGF (em muitas sob chantagem), sendo essa empresa exclusivamente constituída por capitais públicos, sujeita a direção e estratégia políticas no âmbito do serviço público.
Desde o primeiro momento que o Partido Comunista Português denuncia e combate a estratégia do Governo para a EGF, tendo realizado inúmeras iniciativas parlamentares, desde requerimentos e propostas de cessação de vigência do Decreto-Lei que habilita a privatização. Apresentamos o presente Projeto de Lei na sequência do debate parlamentar já tido na anterior sessão legislativa e que, apesar de ter resultado na rejeição das propostas de cancelamento do processo de privatização por parte da maioria PSD e CDS, não se pode considerar resolvido, na medida em que as diversas forças, autarquias, sindicatos, trabalhadores, utentes, permanecem contra a forma, o conteúdo e a natureza do processo, bem como permanecem ajustados todos os argumentos que justificam a permanência da EGF no âmbito da propriedade pública.
Apesar de se verificar que quanto mais privatizações se concretizam, mais prostrado e endividado fica o país e mais frágil fica o conjunto dos serviços e o próprio aparelho produtivo, o Governo PSD/CDS prossegue o caminho iniciado pelo X Governo Constitucional no que toca à entrega da Águas de Portugal a privados, numa "privatização de baixo para cima", assegurando a entrega dos sistemas já consolidados e rentáveis à exploração por empresas privadas, assim entregando importantes sectores do serviço público à gestão privada que tem como objetivo a acumulação e o lucro e não, como resulta da sua natureza, a prestação de um serviço público de qualidade. Agrava as consequências dessa opção o facto de estarmos perante um sector que, pelas suas características próprias, é impassível de gerar concorrência e constitui um "monopólio natural".
A privatização da EGF contou com a oposição dos parceiros da empresa nos sistemas, os municípios. As autarquias levaram a cabo, juntamente com a EGF, importantes investimentos e mantiveram na esfera democrática um conjunto de opções quanto ao papel e ao serviço prestado pelas empresas multimunicipais juntos dos cidadãos. Na verdade, a privatização do capital da EGF no seu conjunto, representa a substituição do Estado por uma entidade privada, com objetivos diversos e sujeita a critérios necessariamente opostos aos da boa gestão do serviço público. Essa substituição, contra a vontade dos próprios municípios e populações, é também uma alteração de regras contratuais que, escritas ou não, estavam assumidas junto dos municípios. Aliás, sobre isso mesmo se expressaram já vários municípios e autarcas, os trabalhadores das empresas parcialmente detidas pela EGF e as populações, em ocasiões diversas das que se destaca a manifestação ocorrida em frente à Assembleia da República no dia 6 de junho deste ano.
A opção do Governo pela privatização é injustificada a todos os níveis, incluindo o plano económico, na medida em que as empresas apresentam lucros assinaláveis e realizaram um investimento muito substancial ao longo dos últimos anos. A empresa lucrou, só nos últimos três anos mais de 60 milhões de euros e é proprietária de equipamentos e infraestruturas que ascendem a várias centenas de milhões de euros em valor. O encaixe esperado com esta privatização não ultrapassa os 170 milhões de euros, o que é por si só ilustrativo da má opção que o Governo está a tomar. É uma privatização que, à semelhança das realizadas até aqui, não representa interesse público, nem económico, nem mesmo do ponto de vista das contas públicas.
Não representa uma boa opção do ponto de vista político pois a privatização abre o caminho para a degradação da qualidade do serviço público, subordina opções fundamentais de saúde pública, ambiente e ordenamento ao desígnio do lucro de acionistas privados, cria as condições para o aumento das tarifas cobradas aos municípios e aos cidadãos, e representa pouco mais, a verificar-se o encaixe financeiro previsto, do que 15 a 20 dias de gastos com juros da dívida que o Governo entrega a mãos alheias por se negar a defender o interesse nacional e renegociar a dívida. Ou seja, o Governo prepara-se para, contra as populações, entregar um vasto conjunto de sistemas, a sua gestão e património, que levou décadas a construir e a consolidar, pelo valor que gasta em poucos dias de submissão.
Ao mesmo tempo, após a privatização da Aquapor, ainda pelo Governo PS, o Governo entrega mais uma importante componente do Grupo Águas de Portugal a privados, acentuando o ritmo da privatização do Grupo e dos sistemas por esse grupo detidos, retirando do Estado central e das autarquias, o poder de definir a estratégia e o funcionamento desses sistemas, bem como abdicando dos lucros e do valor ambiental e económico da empresa.
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português denunciou desde o primeiro momento a visão do Governo para os serviços públicos e a ideologia que marcadamente o guia na reconfiguração do Estado, reafectando recursos e alterando missões, colocando-o cada vez mais ao serviço dos grandes grupos económicos e cada vez menos ao serviço dos cidadãos. A atuação do Governo como comissão de negócios do capital transnacional não se conforma com o projeto constitucional, nem assegura a defesa do interesse público; antes o ameaça.
O PCP propõe a manutenção da EGF na esfera da gestão e da propriedade pública, sujeita à orientação e escrutínio democráticos, subordinada ao interesse público, capacitada para captar o financiamento necessário para os investimentos futuros, mas também capaz de o colocar integralmente ao serviço das populações, melhorando o serviço e mantendo as tarifas e opções de gestão nos níveis mais compatíveis com a salvaguarda dos valores ambientais, da saúde pública e, simultaneamente, com a situação social e económica das populações.
Nesse sentido, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Revogação
É revogado o Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, que “aprova o processo de reprivatização da Empresa Geral do Fomento, S.A” (EGF).
Artigo 2.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
Assembleia da República, em 19 de setembro de 2014