Projecto de Resolução N.º 1373/XIII

Recomenda a valorização do ensino profissional, com a garantia da igualdade de oportunidades de todos os estudantes

Recomenda a valorização do ensino profissional, com a garantia da igualdade de oportunidades de todos os estudantes

I
Atual modelo de financiamento do ensino profissional

A Constituição da República Portuguesa (CRP) e a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) consagram a Escola Pública como um instrumento de emancipação individual e coletiva, com um papel determinante na vida de cada cidadão e no desenvolvimento do país. Contudo, sucessivos governos, optando por uma política de direita, têm desvalorizado a Escola Pública e desmantelado o seu papel emancipador.

Disso é exemplo claro a atuação do anterior Governo PSD/CDS que, à margem da LBSE, criou vias paralelas de conclusão da escolaridade obrigatória, direcionando os estudantes, em função das suas condições socioeconómicas, para o ensino dual ou cursos de prosseguimento de estudos. Deste modo, foram-lhes negadas, objetivamente, a igualdade de oportunidades e a possibilidade de acesso ao ensino superior em condições adequadas.

A realidade do ensino profissional é pautada por uma ampla desresponsabilização do Estado. Não existe uma rede pública de escolas profissionais. O financiamento às escolas públicas secundárias por via de verbas do Orçamento do Estado foi substituído por fundos comunitários (excetuando as escolas das regiões de Lisboa e Vale do Tejo e Algarve), nomeadamente, através do Fundo Social Europeu. Ocorrem atrasos inaceitáveis na transferência dos fundos e financiamento às escolas profissionais, sejam elas públicas ou privadas e cooperativas.

Não podemos caracterizar a atual situação como um acidente ou como uma imprevisibilidade. Ela é fruto de uma opção clara de sucessivos governos. Opção que traz graves problemas para o normal funcionamento destas instituições, uma vez que as regras existentes ao nível dos prazos, dos montantes, das formas de pagamento através de reembolso, e outras, não se coadunam com as necessidades regulares de gestão das escolas e com os compromissos assumidos perante professores e alunos.

O atraso recorrente nas transferências das verbas leva a que, no caso das escolas públicas, estas tenham de suportar todas as despesas inerentes ao funcionamento dos cursos, acumulando muitas vezes dívidas aos fornecedores e aumentando os custos para as famílias. Já no caso das escolas do ensino particular e cooperativo, a alternativa é contraírem empréstimos bancários, cujos juros não são posteriormente elegíveis para reembolso.

O regime de financiamento destas escolas, na sua maioria propriedade de entidades privadas e cooperativas, não assegura a garantia dos apoios a todos os estudantes que necessitam, desde logo porque reduz o financiamento em caso de abandono escolar dos alunos, degradando ainda mais a capacidade de responder a este problema. Outra das principais dificuldades é a limitação da comparticipação do Ministério da Educação no âmbito da Ação Social Escolar e a transferência destes custos para as escolas.
No presente ano letivo, o aviso de abertura do processo de candidatura para financiamento aos fundos comunitários só foi publicado a 7 de dezembro de 2017, três meses após o início da das aulas e o processo apenas foi aberto, nesta fase, para as escolas do ensino particular e cooperativo. Estes atrasos significarão que as verbas só serão transferidas para as escolas no terceiro período.

Posteriormente, já em janeiro de 2018, procedeu-se à abertura do processo de candidatura para o financiamento para a escolas públicas. Todavia, e ao contrário do que aconteceu no concurso para as escolas do ensino particular e cooperativo, as verbas previstas apenas servirão para financiar apenas o 1.º ano dos cursos que começaram em 2017 e não os três anos de cursos iniciados em 2017. Além desta discriminação, a dotação prevista para as escolas públicas é também muito inferior à prevista para o ensino particular e cooperativo, num contexto em que o ensino profissional público tem mais alunos e mais turmas.

Ainda de referir que a discriminação de financiamento também se verifica nas verbas que não são elegíveis para aquele financiamento, nomeadamente, e apenas para as escolas públicas, a contratação de técnicos nas áreas profissionais lecionadas, os encargos financeiros com as instalações e equipamentos e o pagamento das despesas correntes. O aviso de candidatura refere que estas verbas não são elegíveis pois estas são suportadas pelo Orçamento do Estado. No entanto, são várias as escolas que referem que essas verbas não chegam sequer para pagar as despesas correntes.

II
Um caminho de desvalorização de uma via unificada do Sistema Educativo e de triagem dos alunos em função da sua origem e das condições sócio económicas

Em 2001, cerca de 30 mil jovens estudavam em cursos profissionais no secundário. Em 2012, esse número aumentou para 113 mil estudantes. Desde 2005, altura em que a oferta de cursos profissionais foi generalizada às escolas secundárias e básicas públicas, que o número de estudantes que integram estas vias profissionalizantes tem crescido de maneira constante e acentuada. Aliás, no presente ano letivo frequentam o ensino profissional mais 11 mil alunos do que no ano letivo 2016/2017, havendo mais 260 turmas. O Governo PS tem insistido na intenção de alcançar a meta de frequência de 50% dos alunos do ensino secundário em percursos profissionais de dupla certificação até 2020.

A realidade tem confirmado as profundas preocupações do PCP quanto ao caminho de desvalorização do ensino profissional que anteriores Governos, em especial do Governo PSD/CDS, impuseram ao país e não esquecemos a opção pelos malfadados Cursos Vocacionais, de nível básico e secundário. Para o PCP, o ensino profissional tem de ser valorizado e dignificado e não pode ser encarado como uma espécie de armazém destinado aos alunos com os piores resultados escolares ou como uma bolsa de mão-de-obra barata, ou mesmo gratuita, à disposição das empresas.

Ao invés de se apostar na valorização dos cursos profissionais e de projetos educativos muito interessantes existentes no país em diversas Escolas Profissionais, opta-se por transpor para as escolas públicas secundárias os cursos profissionais e por essa via reduzir investimento à Escola Pública, substituindo financiamento do Orçamento do Estado por verbas do Fundo Social Europeu.

A via de prosseguimento dos estudos é a única que assegura um currículo de que prepara os estudantes para o acesso ao Ensino Superior, proporcionando uma formação integral e integrada. O ensino vocacional e dual, pelo contrário, corporiza a conceção de que na escolaridade obrigatória o aluno deve ter sobretudo formação profissional em detrimento do acesso ao conhecimento nas suas múltiplas vertentes.

Os alunos das vias profissionalizantes, que em muitos casos têm aulas em espaços mais desvalorizados das escolas, não têm apoio para todo o material escolar necessário nas componentes práticas das várias disciplinas, estão sujeitos a uma carga horária excessiva e a um regime de faltas mais exigente.

Nalguns casos, quando têm módulos em atraso, são obrigados a pagar uma taxa para a recuperação dos mesmos, e são obrigados a recorrer, em muitos casos, a fotocópias, por não existirem manuais escolares disponíveis para determinadas disciplinas, ficando à responsabilidade do estudante a sua aquisição.

Quando se candidatam a exame nacional, para efeitos de acesso ao ensino superior, são sujeitos à resolução de um exame cuja matriz curricular que em nada se assemelha à matriz curricular da sua área de formação e muitas vezes são obrigados a conciliar a realização da formação em contexto de trabalho com a realização do exame nacional. Este é um problema concreto a que urge dar resposta imediata, independentemente da necessidade de revisão do modelo de acesso ao ensino superior e do fim da avaliação sumativa externa.

Quanto à formação em contexto de trabalho, a realidade tem comprovado, em muitos casos, a desadequação do Plano de Estágio à formação dos alunos. Muitas vezes, trata-se efetivamente da substituição de necessidades permanentes por trabalho sem remuneração, e não de “prática supervisionada de formação”.

III
Da avaliação contínua

O sistema de avaliação e acesso ao ensino superior em vigor radica na predominância da avaliação sumativa, sobretudo tendo em conta a realidade dos exames nacionais, e na desvalorização da avaliação contínua.

Para o PCP, a valorização da avaliação contínua é o caminho que melhor cumpre o princípio da formação da cultura integral do indivíduo e a que melhor serve a melhoria do processo ensino-aprendizagem. Tal exige uma conceção da Escola enquanto espaço de Educação, promotor de estratégias pedagógicas e de espaços educativos formais e não formais. Reflete-se na organização e funcionamento escolar, cujos resultados serão aferidos nos momentos de avaliação, interna e externa.

A opção política de valorização da avaliação contínua é, de facto, muito mais exigente e implica assegurar a existência de condições materiais e humanas em todas as escolas, de acordo com os projetos pedagógicos construídos pelas comunidades escolares. Implica, igualmente, a existência dos meios humanos necessários - professores, funcionários, psicólogos, técnicos especializados - que contribuam para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem e, com isso, para a inclusão efetiva de todos os estudantes, independentemente das suas condições económicas, sociais e culturais. Exige, ainda, a disponibilização de condições materiais, como um parque escolar adequado, equipamentos pedagógicos, lúdicos e desportivos, e espaços dignos para a prática desportiva. Promove o envolvimento e a participação dos estudantes, reforçando estratégias de aquisição de conhecimentos, reflexão e espírito crítico.

A valorização da avaliação contínua exige, por isso, uma política de investimento público, valorização socio-laboral dos seus profissionais, criação de condições de estabilidade e previsibilidade na organização e desenvolvimento do trabalho, em tudo contrárias às que têm vindo a ser impostas por sucessivos governos PS, PSD e CDS. Poderemos mesmo afirmar que a desvalorização da avaliação contínua é parte integrante de uma estratégia mais profunda de desfiguração e descredibilização da Escola Pública e de favorecimento da Escola Privada e de uma perspetiva elitista de acesso ao conhecimento e à cultura.

O atual sistema de avaliação baseado nos exames nacionais tem um caráter eliminatório no acesso ao ensino superior, pois deles faz depender o cálculo da média e a ordenação dos candidatos. Nos últimos anos, com o aumento dos custos com a educação e com a pioria das condições de vida das famílias, este regime tem vindo a revelar a sua perversão no agravamento das desigualdades. Num contexto de aumento do número de alunos por turma, de degradação das condições pedagógicas e de acompanhamento dos alunos e de empobrecimento das famílias, o recurso a metodologias de apoio ao estudo fora do espaço da escola é cada vez mais um recurso a que a maior parte dos estudantes necessita de aceder, sem conseguir.
Aliás, um recente estudo de Andreia Gouveia, especialista em Administração e Políticas Educativas da Universidade de Aveiro, concluiu que "os exames nacionais empurram a organização das escolas para uma lógica mercantilista" e que têm como grande beneficiário o crescente mercado dos centros de explicações. A investigadora afirma que "é inegável que existem fundadas razões para ver no instrumento 'exame' uma causa para o agravamento das desigualdades sociais no acesso ao reconhecimento escolar".

E não será errado concluir que os alunos da Escola Privada recorrem menos a este tipo de apoios extraescolares porque têm dentro da escola um tipo de relação, condições e instrumentos pedagógicos que permitem um ensino mais individualizado que é negado na Escola Pública.

Este modelo de avaliação e de acesso ao ensino superior é contrário à lógica de escola pública inclusiva pois ignora as condições económicas, sociais e culturais dos estudantes e das suas famílias, não assegurando condições pedagógicas correspondentes às exigências que coloca. Pelo contrário, o caminho a seguir tem de passar precisamente pela eliminação dessas barreiras que impedem os estudantes de estudar no ensino superior. Tal exige a valorização da avaliação contínua, mas também assegurar a gratuitidade da educação e o reforço da ação social escolar.

O PCP defende que a avaliação contínua e a sua valorização para efeito de acesso ao ensino superior são, em si mesmas, instrumentos de construção da Escola Pública como um espaço de superação das desigualdades económicas, sociais e culturais.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte:
Resolução
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que:

1 - Promova um amplo e profundo debate nacional sobre a necessidade de valorização do ensino profissional em profunda ligação com as necessidades de desenvolvimento económico e social do país;

2 - Diminua o número de alunos por turma nas turmas do ensino profissional, única forma de garantir um efetivo ensino técnico especializado;

3 - Garanta um regime de faltas, carga horária e de férias em condições de igualdade com os estudantes da via de prosseguimento de estudos;

4 - Garanta uma estrutura regulamentada de apoio à realização dos estágios curriculares, assegurando a todos os estudantes o pagamento das despesas de transporte, alimentação, alojamento e equipamentos;

5 - Valorize os conteúdos curriculares do ensino profissional, designadamente na componente sociocultural e científica;

6 - Diminua a duração da formação em contexto de trabalho;

7 - Assegure a efetiva gratuitidade do ensino profissional, proibindo a cobrança de taxas, custos e emolumentos, no ensino público;

8 - Assegure um modelo de financiamento público assente no Orçamento do Estado, que responda às necessidades de orçamento de funcionamento permanente, designadamente despesas com pessoal, despesas fixas de funcionamento, equipamentos e apoio aos estudantes;

9 – Assegure que, no atual contexto, as transferências sejam realizadas em setembro, no início do ano letivo, com os avisos a serem publicados em maio do ano letivo anterior.

10 – Garanta que o financiamento dos cursos profissionais seja sempre para os três anos.

11 – Considere, para efeitos de financiamento, os juros contraídos em empréstimos, devido aos atrasos das transferências do financiamento.

12 - Considere, para efeitos de acesso ao ensino superior, os alunos do ensino profissional como internos e não como externos, assegurando que as classificações dos exames resultam da média ponderada com a classificação interna final a que se reportam, com um peso final de 30%;

13 - Crie um grupo de trabalho, com representação democrática alargada, que estude soluções de acesso ao ensino superior baseadas na gradual extinção da avaliação sumativa externa e na valorização da avaliação contínua no processo pedagógico;

Assembleia da República, 1 de março de 2018

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