Exposição de motivos
Os barcos rabelos são embarcações que formavam a paisagem fluvial do Douro, devido às suas características únicas, designadamente, não terem quilha e serem de fundo chato pelo facto de o Douro ser um rio de montanha. O nome rabelo advém da enorme espadela manuseada pelo mestre no alto da apegada, substituindo o leme e sendo quase tão comprida como o barco.
De acordo com a sua função original, sabe-se que a capacidade destas embarcações era variável. Os trafegueiros ou rabões transportavam 10 a 12 pipas, mas, em geral, os Rabelos transportavam até 80 pipas. Existiram mesmo barcos rabelos que podiam transportar 100 cascos de vinho, mas foram proibidos pela Companhia Geral da Agricultura e das Vinhas do Alto Douro por não assegurarem as condições mínimas de segurança aos seus tripulantes, tornando-se muito instáveis.
Armando de Matos, em 1940, estudou o barco rabelo e, anos mais tarde, Octávio Lixa Filgueiras escreve “A Arquitetura do Rabelo”, que serviu como base para um documentário produzido em 1991 por José Monteiro e realizado por Vítor Bilhete. É importante referir que todo o processo da construção do barco é manual e que o conhecimento que os mestres construtores detêm foi passado de geração em geração.
Ora, o estaleiro de Vila Nova de Gaia que é o único sobrevivente dos 13 estaleiros que existiam entre a Ponte Luiz I e a zona da Afurada no século XIX e é, atualmente, o único estaleiro do país a dedicar-se à construção de barcos rabelos vive dias de sobressalto.
A Socrenaval (Sociedade de Querenagem e Construção Naval do Rio Douro) tem um papel importante na preservação do património marítimo regional e do património naval fluvial do Rio Douro, mantendo o seu o estaleiro no mesmo local desde 1952. Todas as atuais embarcações de transporte de passageiros de cariz tradicional foram construídas neste estaleiro nas últimas duas décadas. Construir um barco rabelo, com cerca de 17 metros, pode demorar cerca de três a quatro meses, enquanto embarcações maiores entre os 20 e os 30 metros podem demorar, aproximadamente, nove meses.
No entanto, a APDL (Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo) tem pressionado a Socrenaval a sair das atuais instalações, na Ribeira de Gaia. Recorde-se que, há pouco mais de 20 anos, a APDL notificou os responsáveis de que a estrutura teria de ser desmantelada por, supostamente, ser incompatível com as obras projetadas para o local, ao abrigo da Gaiapolis. No entanto, foi possível realizar a obra projetada e manter a atividade do estaleiro.
Já este ano, surge nova ameaça à manutenção do estaleiro. Em 27 de fevereiro, a empresa recebe uma comunicação da APDL com vista à cessação da atividade e ao desmantelamento do estaleiro, com a consequente remoção das embarcações, independentemente do seu estado e condições de navegabilidade, num prazo de 15 dias.
O insólito da situação reside na previsão de construção de uma rampa de acesso a anfíbios exatamente na localização onde se encontra a laborar o estaleiro da Socrenaval e da existência de uma proposta para acabar com este estaleiro e criar um monumento para assinalar a memória de existência de um estaleiro de construção naval que se dedicava a este tipo de atividade no local.
De acordo com a Socrenaval, "se o despejo se concretizar e este estaleiro acabar, não há quem fabrique barcos rabelos na sua forma tradicional. Depois, daqui a uns anos, vão lamentar o seu desaparecimento, mas nessa altura pode ser tarde demais".
O PCP defende que devem ser tomadas medidas que assegurem a salvaguarda dos barcos rabelos e do património naval do Rio Douro, incluindo a identificação, documentação, investigação, preservação, proteção, promoção, valorização, transmissão - essencialmente pela educação formal e não formal – e revitalização dos diversos aspetos deste património.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta a seguinte
Resolução
A Assembleia da República recomenda ao Governo, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República que tome as medidas que assegurem a salvaguarda dos barcos rabelos e do património naval do Rio Douro, incluindo a identificação, documentação, investigação, preservação, proteção, promoção, valorização, transmissão e revitalização dos diversos aspetos deste património, envolvendo nesse processo a Administração dos Portos do Douro Leixões e Viana do Castelo.