Projecto de Resolução N.º 300/XII/-1ª

Recomenda a salvaguarda da atividade da pesca no estuário do Tejo

Recomenda a salvaguarda da atividade da pesca no estuário do Tejo

Preâmbulo

A inexistência de uma política nacional de pescas definida com objetivos concretos e bem delineados, tem conduzido a soluções de remendo, sob pressão, mas sem uma estratégia sustentada de apoio à pesca e às comunidades piscatórias. Cada vez se torna mais claro que a pulverização de responsabilidades por múltiplas entidades que intervêm nas áreas ribeirinhas, conduz a uma política de retalhos sem conexão de medidas integradas, que possibilitem o desenvolvimento do setor da pesca.

Se estes pressupostos são verdadeiros em todo o país, assumem especial expressão do estuário do Tejo. Neste estuário existem 360 embarcações de pesca profissional licenciadas, 314 das quais na Margem Sul, repartidas da seguinte forma:
• Delegação Marítima da Trafaria – 255 embarcações; que fazem porto de armamento nos seguintes locais: Cova do Vapor, Trafaria, Porto Brandão, Margueira e Seixal;
• Delegação Marítima do Barreiro- 57 embarcações, que se encontram espalhadas pela Barra-a-Barra, Baixa da Banheira, Torralta, Bico do Mexilhoeiro e Serração/ Doca da CP;
• Na Margem Norte encontram-se registadas 46 embarcações na Delegação Marítima de Vila Franca de Xira (Vila Franca de Xira, Alhandra e Póvoa de Santa Iria)
• Existem entre 30 a 40 embarcações em Cascais;
• E existem ainda mais de 100 embarcações na Doca de Oeiras, em Paço de Arcos e em Alcântara;

Os problemas no estuário do Tejo, antigos e profundos, começaram a ganhar outro relevo com a “expulsão” dos pescadores do espaço que sempre utilizaram como porto de abrigo e local de armazenamento das redes e aprestos - a doca de Pedrouços -, o que obrigou a que num apertado espaço de tempo, os pescadores tivessem de retirar todos os materiais de pesca, sem que fosse apresentada qualquer alternativa para as 406 embarcações referenciadas naquele local.

Esta medida, para além de ter deixado a capital do País sem porto de pesca, correspondeu ao desaparecimento do único porto de abrigo no Tejo, o que criou um problema logístico à frota que ali fazia porto com claras implicações na empregabilidade do setor. É desconcertante perceber como o argumento da realização de uma atividade pontual, no caso de Pedrouços duas competições de vela das quais uma nem se realizou e a outra está para vir, põe em causa uma atividade produtiva que deveria ser estrutural para o país.

As consequências desta decisão, revelando desconhecimento da realidade e um total desrespeito por aqueles que fazem da pesca o seu ganha-pão, fazem-se sentir no aumento dos custos com a atividade, nomeadamente dos custos com os combustíveis. As traineiras que pescam na entrada da Barra têm hoje que ir a Setúbal ou Sesimbra descarregar o pescado, aumentando em mais de quatro horas o percurso só para descarregar. Têm ainda que trazer o pescado de volta a Lisboa, em frota viária, com as implicações que isso tem também para a qualidade do pescado.

A contestação dos pescadores e a intervenção das suas organizações representativas têm pressionado para que se encontre uma solução. Depois de alguns meses de luta, de muita pressão, de muitas reuniões envolvendo diversas entidades, entre as quais autarquias e entidades públicas, encetou-se um processo de diálogo e negociação com a Administração do Porto de Lisboa (APL), para encontrar uma alternativa à impossibilidade de utilização da doca de Pedrouços. Essa alternativa foi apontada para a Cova do Vapor e para tal foi determinante a cedência dum terreno da associação de moradores local.
Os avanços agora conseguidos são também fruto de anos e anos de intervenção e alertas do poder local e das intervenções do Grupo Parlamentar do PCP na exigência da criação de condições, como ainda aconteceu na discussão do último Orçamento de Estado.

Este é o caminho que abriu portas a uma velha aspiração, a existência de uma Zona de Abrigo na Cova do Vapor. O projeto foi elaborado e foi orçamentada pela APL a construção da primeira fase em 2012. Esta fase da obra, com valor total de 2,6 milhões de euros, teve o acordo do Sindicato do Setor das Pescas do Sul e da associação de moradores, o aval da Câmara Municipal de Almada e o parecer favorável da Direção Geral da Pesca e da Aquacultura, mas encontrou resistências por parte da Administração da Região Hidrográfica do Tejo, que exige um estudo de impacto ambiental para a construção do molhe, situação que a APL assumiu pretender contestar. Um impasse inesperado, que conduzirá inevitavelmente a atrasos no início da sua construção, com consequências e custos elevadíssimos para a atividade local da pesca.

A solução encontrada, embora alternativa, é limitada, e só a construção duma infraestrutura portuária para a actividade piscatória de maior dimensão, na Trafaria, amenizará as consequências do desmantelamento da doca de Pedrouços. A APL tem afirmado às organizações representativas do setor vontade em avançar para esta solução da Trafaria. No entanto e uma vez que o investimento rondará os 6 milhões de euros, não se dispensará a intervenção governamental. Se no caso da Zona de Abrigo da Cova do Vapor, o projecto e a construção são assumidos na íntegra pela APL, no caso do Porto de Pesca na Trafaria, ainda que o projeto tenha sido elaborado às expensas da APL, o valor do investimento exige claramente que o Governo chame a si os custos da construção, questão que foi colocada, mas não teve resposta, nomeadamente através da necessária orçamentação.
As duas soluções referidas não dispensam outras intervenções que será necessário efetuar nomeadamente para segurança das embarcações de comunidades piscatórias que se encontram ao longo do estuário. É assim determinante dotar essas comunidades de portos de abrigo, que terão dimensões adequadas à frota de cada local. Poderá ainda ser necessário uma dessas estruturas com maior capacidade em Paço de Arcos, capaz de acolher embarcações da cidade de Lisboa que ficaram sem outra alternativa. Intervenções que deveriam procurar minorar o problema existente com a falta de locais para desembarque e venda do pescado.
Este é apenas um problema, mas que é ilustrativo da dificuldade de entendimento entre os diversos intervenientes e também da importância que tem sido atribuída a esta atividade económica produtiva por parte das entidades responsáveis. Claramente a atividade piscatória tem sido subvalorizada face a outras atividades que se desenvolvem nos espaços ribeirinhos, nomeadamente as de lazer.
No entanto outros problemas se vêm somar a este. As embarcações de pesca sediadas em Cacilhas tiveram de abandonar o local porque o pontão da Transtejo foi entregue para um projeto do Clube Náutico de Almada. A utilização do mar para outros fins coloca limitações à atividade piscatória com os consequentes prejuízos não cobertos como ainda recentemente aconteceu com a interdição, por tempo indeterminado, à prática da pesca na frente do Pinhal do Rei e Fonte da Telha, por irem ser colocados cabos submarinos.
As docas existentes no estuário têm, regra geral, condições muito precárias para o desenvolvimento da sua atividade, sendo o exemplo mais caricato e sobre o qual este Grupo Parlamentar já interveio a situação da lota da Fonte da Telha na resposta a uma solução encontrada para o escoamento de cavala que doutra forma seria rejeitada.
Para além destes problemas concretos ainda outros preocupações pairam sobre o setor como por exemplo a notícia de que o único estaleiro de reparação, manutenção e construção situado no estuário ira ser em breve desmantelado.

O ordenamento e a sobreposição de jurisdições do espaço ribeirinho são uma fonte acrescida de problemas. A existência de planos que subvalorizam a pesca ou o bloqueio claro à concretização de planos de pormenor essenciais para intervir e requalificar os espaços ribeirinhos e o acesso à água têm grande responsabilidade na dramática situação a que está submetido quem tira os seus rendimentos da atividade piscatória. A incerteza quando se equaciona o ordenamento do estuário, quanto à capacidade que será atribuída ao Plano de Ordenamento do Estuário do Tejo para dar resposta a estes problemas e quanto ao peso a atribuir à pesca enquanto atividade pré-existente e muito provavelmente a mais antiga do estuário, é grande. Sem dúvida que este plano deve ser um instrumento que acautele e aponte soluções de apoio ao desenvolvimento da pesca em definitivo e não o contrário.
Não podemos deixar de somar a estes problemas específicos do estuário do Tejo, todos os outros inerentes à pesca em geral, nomeadamente aqueles que se prendem com uma reduzida rentabilidade promovida pelo alto custo dos fatores de produção, nomeadamente dos combustíveis, e pelos baixos custos da primeira venda do pescado.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa, a Assembleia da República resolve recomendar ao Governo que:

1. Garanta às comunidades piscatórias a existência de portos de abrigo;
2. Promova a construção de infraestruturas na Cova do Vapor e em Paço de Arcos de modo a acolher em condições a embarcações “expulsas” da doca de Pedrouços;
3. Promova da construção do porto piscatório da zona de Lisboa na Trafaria, com todas as valências e serviços associados à sua atividade;
4. Valorize a atividade piscatória, enquanto atividade pré-existente, aquando da elaboração dos instrumentos de planeamento e de ordenamento do estuário e das zonas ribeirinhas;
5. Faça uma avaliação quanto a necessidade que criação de novos pontos de descarga e vendagem de peixe;
6. Qualifique as docas da Trafaria, Fonte da Telha e Cascais;

Assembleia da República, em 20 de Abril de 2012

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