Projecto de Resolução N.º 658/XII/2.ª

Recomenda a Criação de uma Base de Dados de Registo e Gestão de Utentes no SNS e a suspensão do processo de expurgar das listas de médico de família os utentes que há mais de três anos não recorram ao médico de família

Recomenda a Criação de uma Base de Dados de Registo e Gestão de Utentes no SNS e a suspensão do processo de expurgar das listas de médico de família os utentes que há mais de três anos não recorram ao médico de família

A criação de um serviço público de saúde em Portugal está estritamente associado à ação revolucionária do povo e de muitos profissionais de saúde, as quais tinham como substrato a Revolução de Abril. A Constituição de 1976 designou-o como Serviço Nacional de Saúde e inscreveu-o como instrumento da concretização da responsabilidade prioritária do Estado em garantir o direito à saúde.
O Serviço Nacional de Saúde inscrito na constituição integra os cuidados primários de saúde e os serviços hospitalares.
Os cuidados primários de saúde (CPS) são o primeiro elemento de um processo permanente na prestação de cuidados de saúde, e visam a promoção da saúde e a prevenção de doenças. Os cuidados de saúde primários devem ser assegurados por equipas multidisciplinares devendo integrar para além dos médicos de medicina geral e familiar, enfermeiros e outros profissionais (assistentes sociais, psicólogos, técnicos de diagnóstico e terapêutica) de molde a que sejam alcançados os propósitos dos CSP.
Sucede que, por força de políticas dos sucessivos Governos ao longo de mais de 36 anos, a situação geral da saúde em Portugal, é marcada pelos cortes brutais no financiamento do SNS que levam à degradação da qualidade dos cuidados prestados, à transferência crescente dos seus custos reais para os utentes - as famílias portuguesas pagam cada vez mais do seu bolso os cuidados a que recorrem em medicamentos, próteses, etc com o corte ou a baixa das comparticipações, taxas moderadoras, transporte para consultas ou tratamentos - ao encerramento de unidades e serviços de proximidade, à falta de médicos e outros profissionais, tudo em resultado de uma estratégia planeada de desresponsabilização do Estado, esvaziamento e liquidação do SNS e a privatização dos Cuidados com a sua entrega aos grandes grupos que apostam no filão da saúde onde obtém grandes lucros com poucos ou nenhuns riscos.
Por força destas políticas, existe no país um número significativo de portugueses que não possuem médico de família.
Na senda de destruição do SNS, e, particularmente, por forma a ultrapassar a carência de médicos nos cuidados de saúde primários, o Governo publicou o despacho nº 13795/2012, de 24 de outubro, no qual estabelece, no artigo 1º, “os critérios e procedimentos de organização das listas de utentes nos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES)”.
No despacho, no artigo 2º, são definidos quatro tipos de utentes, a saber: “utentes com médico de família; utentes a aguardar inclusão em listas de utentes de médicos de família; utentes sem médicos de família por opção e utentes inscritos nos ACES sem contacto nos últimos três anos”.
Ora, é precisamente sobre estes últimos – utentes inscritos nos ACES sem contacto nos últimos três anos- que se tem assistido, por parte de membros do Governo e representantes das Administrações Regionais de Saúde (ARS), a várias iniciativas propagandísticas de que este procedimento - expurgar das listas dos médicos de família estes utentes – vai resolver os problemas de centenas de milhares de utentes sem médico de família.
Acresce ainda, que no despacho, mais precisamente no artigo 5ª- efeitos da classificação dos utentes - é mencionado no número 1 que “apenas os utentes com médico de família atribuído são considerados para efeitos da elaboração das listas de utentes dos médicos de família”.
O PCP entende que o conceito de lista de utentes não abrange apenas os doentes, mas sim todos os utentes do SNS.
Ainda no artigo 5º - efeitos da classificação dos utentes – é dito no número 5 que “a reintrodução de qualquer processo individual ou familiar na lista de utentes, preferencialmente na lista do médico de família anteriormente atribuído, pode ocorrer em qualquer momento, mediante atualização dos dados de inscrição na RNU ou através de contacto entre o utente e qualquer uma das unidades funcionais ou serviços de apoio do ACES”
O número 5 revela que a todo o momento, o utente que foi retirado da lista do médico de família, pode voltar a ativar a sua anterior inscrição, no entanto, não fica esclarecido de forma cabal como é que esse direito é efetivado, bem como o “estatuto” que com que fica no SNS durante o período em que medeia entre a retirada da listagem do médico de família e o regresso à lista de utentes do médico de família, concretamente este utente é integrado nos utentes sem médico de família? Que garantias tem o utente que volta para o mesmo médico de família? Não nos podemos esquecer que de acordo com o enquadramento laboral dos médicos de família há um limite máximo de utentes por cada médico de família.
Entende o PCP não se opor à atualização das listagens de utentes dos cuidados primários de saúde, sobretudo dos óbitos não assinalados, dos que estão inscritos em mais do que uma unidade de saúde, dos imigrantes que tenham regressado aos seus países, ou que já tenham saído de Portugal. Todavia, este procedimento deve ser desencadeado pelos serviços do SNS devendo para tal ser contactadas as pessoas e limpar as inscrições em função da opção dos próprios, por exemplo se estiverem duplamente inscritos e não por meros critérios administrativos e normativos.

Mas, somos completamente contrários aos princípios que estão consignados no Despacho nº 13795/2012, ou seja, atribuir médico de família aos utentes atualmente sem médico de família por via da retirada de médico aos utentes que nos últimos três anos não tenham tido contacto com o ACES. Não é deste modo que se resolve a falta de médicos de família, mas sim investindo na formação de médicos e na garantia de carreiras médicas com direitos na função pública.

Entende o PCP que esta medida não passa de mais uma manobra propagandística do Governo para fazer crer aos cidadãos que diminuiu substancialmente a lista de utentes sem médico de família, sendo que é feita à custa da limpeza dos ficheiros e não pela via da contratação de mais médico de saúde familiar para os cuidados de saúde primários. Esta era a medida que se impunha e que deveria ser tomada.

Esta medida do Governo é mais uma das muitas aplicadas por este Governo que, sob a capa de estar a preservar e a salvaguardar o SNS, o está a destruir, nomeadamente, tornando mais difícil e limitando o acesso aos cuidados de saúde.

O reconhecimento da importância dos cuidados de saúde primários na prevenção e controlo das doenças tem sido efetuado por diferentes entidades e estudos, pelo que urge preservá-lo e reforça-lo

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de

Resolução
A Assembleia da República recomenda ao Governo que proceda de forma imediata:
a) À criação de uma base de dados nacional de registo e gestão de utentes do SNS, sendo que esta base deve assumir somente o caracter administrativo e não clínico, bem como deve respeitar as regras em relação à proteção de dados;

b) Cesse o processo de expurgar das listas dos médicos de família os utentes que há mais de três anos não tenham recorrido aos seus préstimos;

Assembleia da República, em 27 de março de 2013

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