Datar com precisão a origem do circo e das artes circenses não é tarefa fácil. Documentos históricos e dados arqueológicos apontam para a existência de jogos de circo e artistas circenses desde há milhares de anos. De acordo com Luciano Reis, existiam malabaristas e ilusionistas no Antigo Egipto; contorcionistas nos antigos Hindus; acrobatas na Grécia Antiga; equilibristas sobre bambu no Japão; acrobatas, contorcionistas e equilibristas na China imperial; saltimbancos, malabaristas e domadores de animais em muitos outros locais e povos.
Com maiores ou menores alterações, o circo e as artes circenses foram sobrevivendo de forma bastante enraizada na cultura e chegaram até aos dias de hoje, na sua forma atual, seja ela itinerante ou fixa. Considera-se que o circo moderno terá sido criado em Inglaterra por Philip Astley, no ano de 1770, mas só no final do séc. XIX, paralelamente aos teatros-circo, terão surgido os circos-tenda.
Em relação a Portugal, os registos indicam que o circo ibérico terá surgido por volta do século XVIII, altura em que terá existido um grande número de espetáculos de pantomimas apresentados em construções fixas que teriam o palco como elemento central.
Segundo Sousa Bastos, o primeiro circo no Teatro do Salitre junto à Praça da Alegria em Lisboa, na atual Travessa do Salitre, terá sido inaugurado em 1782. Os teatros de feira eram também local privilegiado das modalidades circenses e de apresentações variadas de ginastas, funâmbulos, ilusionistas, acrobatas, cavalinhos, arlequins e palhaços. Acrescem os bonifrates ou marionetas, cenas cómicas, cantorias e a magia.
No palco ou na pista, debaixo de telha ou sob o Chapitô, o circo desenvolveu-se e foi trilhando os diversos caminhos da mesma arte.
Diversos circos e artistas circenses portugueses têm vindo a ser premiados internacionalmente, apesar do apoio praticamente nulo que têm recebido ao longo dos anos. Aliás, um dos poucos benefícios que tinham, ao nível do Imposto Único de Circulação (IUC), cessou em 2008. Até ao ano de 2007, os veículos pesados do circo estavam isentos de IUC pelo facto de se tratar de uma atividade cultural e por estarem parados durante a maior parte do tempo. A quilometragem destes veículos acaba por ser muito baixa, pois só os dois ou três grandes circos (com 3000 lugares de lotação) percorrem o País. Os restantes são circos que percorrem apenas determinadas regiões.
Os circos chamados “circos tradicionais” têm sofrido uma incompreensível discriminação do ponto de vista do reconhecimento na lei desta atividade como cultural e que tem consequências da total ausência de apoios do Estado a uma actividade cultural portadora de 250 anos de património cultural no nosso País, com um carácter marcadamente popular e que, nas suas variadas formas, abrange todo o território nacional.
Um outro problema com que os circos itinerantes estão confrontados é a discricionariedade a que estão sujeitos de município para município em termos de exigências e cobrança de taxas, para lá da multiplicidade de licenças a que estão obrigados, não havendo uma uniformização e simplificação que facilite os licenciamentos e o exercício de atividade.
Além disso, as regras de segurança a que os circos estão sujeitos implicam despesas elevadas com vista à certificação e ao total cumprimento das normas em vigor. As inspeções aos materiais de circo são bastante onerosas e, anualmente, chegam a ser quatro vezes superiores aos valores cobrados noutros países como França ou Itália, por exemplo. Note-se que um Chapitô tem uma esperança de vida útil de cerca de 10 anos, não existindo em Portugal qualquer apoio para a sua substituição. Em Itália, podem ser renovados de 5 em 5 anos, com 80% do custo a fundo perdido.
O surto epidemiológico da COVID-19 veio pôr a nu e agravar profundamente as dificuldades com que o circo e as artes circenses se vêm confrontado há vários anos. Sem apoios do Ministério da Cultura, muitos dos artistas de circo estão a receber apoios médios de 60 euros a 120 euros, estando numa situação muito difícil. O modelo em que operam as empresas de circo, muitas de cariz familiar (em que todos os membros do agregado familiar são artistas) e em que a “chapa ganha é chapa gasta”, acabou por ser muito penalizado em termos dos apoios transversais previstos para fazer face à paragem devido às medidas de contingência sanitária.
O PCP considera que o circo e as artes circenses devem ter acesso a apoios de emergência, aos artistas diretamente e à sobrevivência das companhias de circo, para fazerem face às dificuldades acrescidas resultantes do surto pandémico, nomeadamente as que decorrem da impossibilidade prática de retomarem a atividade até ao final do verão. Devem também ser alvo de medidas específicas de promoção, divulgação, revitalização e atualização, a par de outras atividades de natureza cultural.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que:
- Tome medidas de apoio imediato que garantam a sobrevivência dos circos e dos artistas circenses até à cessação das medidas de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-Cov2 e da doença COVID-19, designadamente:
- Apoios sociais de natureza não concorrencial e sem contrapartidas de apresentação de espetáculos e/ou atividades artístico-culturais aos artistas circenses;
- Medidas de suporte para manutenção de material e continuidade de cumprimento de obrigações fiscais e de segurança social para as empresas de circo.
- Reponha o regime específico para os veículos pesados de circo que vigorou até 2007 em termos de Imposto Único de Circulação.
- Promova, no respeito integral pela autonomia do poder local democrático, a busca de soluções para harmonização e simplificação dos licenciamentos relativos ao circo.
- Realize um programa de apoio à promoção, renovação e atualização da atividade circense, incluindo:
- a substituição de chapitôs, bancadas e material diverso;
- apoios à itinerância nacional e à internacionalização;
- ações de promoção das artes circenses;
- a consideração legal, para todos os efeitos decorrentes de tal decisão e designadamente ao nível dos apoios do Ministério da Cultura, do Circo como atividade cultural, terminando-se com a divisão entre “circo tradicional” e “circo contemporâneo”.