Exposição de motivos
I Os recursos naturais – entre os quais avultam os minerais – constituem uma reserva fundamental de soberania nacional, pelas riquezas que encerram, pelas possibilidades desenvolvimento tecnológico, económico e bem-estar que oferecem e pela garantia de independência e de segurança nacionais que representam.
A Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra, entre os princípios fundamentais da organização económica, a propriedade pública dos recursos naturais (Cfr. Art.º 80.º, al. d)), destacando-se, nas incumbências prioritárias do Estado, a de adotar uma política nacional de energia com a preservação dos recursos naturais e do equilíbrio ecológico (Cfr. Art.º 81.º, al. m)).
Cabe ao Estado conhecer as potencialidades dos seus recursos, designadamente através de campanhas de prospeção, e garantir um acervo robusto e atualizado de dados, habilitando os seus órgãos legítimos a tomar decisões e os cidadãos a conhecerem-nas.
Tais decisões só podem ser tomadas mediante a ponderação informada e transparente dos valores em presença – o do interesse público e a preservação dos recursos naturais, do ambiente e do correto ordenamento do território (Cfr. Art. 9.º, al.
e) da CRP) – e compatibilizando a proteção do ambiente e da qualidade de vida com o aproveitamento nacional dos recursos naturais (Cfr. Art. 66.º, n.º 2, al. d)).
É incumbência indeclinável do Estado acautelar, de modo equilibrado e justo, os interesses económicos e a exploração sustentada dos recursos naturais, a preservação do ambiente e a saúde e o bem-estar dos cidadãos.
Assim, cabe ao Estado avaliar, em casa caso e em cada momento, as vantagens e os inconvenientes, os impactos positivos ou negativos, em termos de desenvolvimento económico, interesse público, qualidade do ambiente e qualidade de vida das populações decorrentes da exploração dos recursos nacionais, sem qualquer forma de submissão a interesses ou comandos externos, nem mesmo da União Europeia, cujas estratégias não poderão sobrepor-se à defesa do ambiente e aos direitos e interesses das populações.
Além da propriedade pública dos recursos naturais, é absolutamente indispensável a intervenção pública no ciclo de prospeção-exploração-comercialização e até de transformação, a fim de que, no quadro de uma política de valorização das potencialidades e da soberania nacional, fique garantido o retorno para o país e sejam efetivamente protegidos os seus interesses.
Trata-se de colocar os recursos e a capacidade produtiva nacional a salvo da apropriação de matérias-primas, da exportação dos lucros por grandes grupos económicos estrangeiros e da rapina de rendimentos necessários ao país.
O desenvolvimento económico, o interesse público, a defesa do ambiente e os interesses das populações e da sua qualidade de vida só poderão ser garantidos através de processos conduzidos a partir do Estado, o que impõe a existência de uma entidade pública dotada dos meios técnicos e humanos para realizar campanhas de prospeção e eventuais programas de exploração – sempre que esta seja possível – sem qualquer dependência de interesses alheios, em particular as multinacionais.
Conduzidos com vista à prossecução do interesse público, mediante planificação, coordenação, fiscalização e adequado quadro sancionatório, tais processos implicam o envolvimento dos órgãos das autarquias locais e das populações.
II O lítio é um mineral metálico com importância central nos últimos anos, com uma desenfreada corrida às concessões e um conjunto de decisões precipitadas relativamente à sua exploração.
O desenvolvimento tecnológico e a promoção e subsidiação dos automóveis individuais elétricos como suposta solução para o combate às alterações climáticas contribuíram para impulsionar a corrida ao lítio. Os recursos públicos mobilizados para subsidiar os veículos elétricos, mantendo todas as consequências negativas de um modelo de mobilidade assente no transporte individual, deviam ser canalizados para promover os meios de transporte público, em detrimento sobre o individual e, neste quadro, na expansão dos modos ferroviários.
Neste contexto de forte subsidiação pública, foram prometidos generosos rendimentos da exploração deste recurso mineral, apodado “ouro branco”, ou “petróleo branco”, mas omitindo-se que os lucros serão drenados para os cofres das multinacionais, algumas sediadas em paraísos fiscais, e que são as populações e o ambiente a pagar a pesada fatura.
III É neste contexto que sucessivos Governos entregaram às multinacionais mineiras um conjunto de processos de mineração de lítio, nomeadamente na Serra da Argemela (Fundão e Covilhã), em Boticas (Covas de Barroso, Dornelas e Vilar e Viveiro) e Lixa, além de mais de uma centena de contratos para a prospeção e pesquisa de minerais metálicos, justamente contestados pelas populações e pelas autarquias.
Destaca-se, como exemplo significativo, o da ampliação da chamada Mina do Barroso, que em abril de 2023 conheceu a decisão favorável da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) relativa à respetiva avaliação de impacto ambiental (AIA), depois de, em junho de 2022, a mesma autoridade ter proferido um parecer desfavorável, tendo em conta os “impactes negativos significativos, designadamente ao nível de recursos hídricos, sistemas ecológicos, paisagem e socioeconomia”.
De facto, a Comissão de Avaliação (CA) do pedido de aumento da área de concessão para 593 hectares e de exploração de 71 ha apresentado pela multinacional britânica Savannah enumerava impactos sobre os recursos hídricos superficiais e subterrâneos que o EIA desvalorizava, ao referir “simplesmente, sem qualquer tipo de sustentabilidade técnica, que a exploração da Mina do Barroso não vai colocar em causa o estado das massas de água”.
A avaliação salientava também, “em particular” quanto aos ecossistemas, “os impactes sobre valores naturais ameaçados” (receia-se a destruição de habitat de espécies como o azevinho, o sobreiro e o mexilhão-de-rio) e, ao nível da paisagem, que “a área prevista explorar insere-se integralmente no interior da ’Área do Barroso’, classificada como Património Agrícola Mundial pela Unesco”, e impactos ao nível socioeconómico, alguns dos quais “até irreversíveis e não minimizáveis”.
O documento apontava ainda impactos negativos sobre o património, emissões de partículas, poluição sonora/ruído e a falta de caracterização adequada da perigosidade dos resíduos de extração.
A maioria dos pareceres recolhidos na fase de consulta pública – particularmente os do Município de Boticas e das populações locais – vai no sentido da decisão da Agência Portuguesa do Ambiente nos termos que acima se refere.
Naquela altura já era possível encontrar elementos indiciando a incompatibilidade entre os interesses locais/nacionais e a autorização de ampliação da área concessionada. Nomeadamente o contraste entre a abundância das promessas da empresa e a escassez dos mecanismos de fiscalização e inspeção pelo Estado Português, bem como a desconsideração pela propriedade comunitária no local (pertencente à Comunidade Local dos Baldios de Covas do Barroso).
Na sequência do parecer desfavorável, a empresa apresentou, em março de 2023, um novo EIA relativo ao projeto modificado de "Ampliação da Mina do Barroso”, cujas principais alterações eram de natureza quantitativa, com o aumento do número de documentos apresentado (1 776 ficheiros para consulta pública), da participação no processo de Consulta Pública (916 participações), a par de mais contestação pública e de maior conflito com os baldios.
No entanto, mantiveram-se as omissões e as fragilidades do processo. Perante impactos negativos muito significativos, a empresa afirma existirem soluções viáveis, mas que não fundamenta adequadamente.
Alguns exemplos:
Recursos Hídricos – A empresa afirma que os reservatórios de água permitirão suprir – na versão alterada –as necessidades de água de todas as atividades da Mina do Barroso, especialmente na lavaria, que são muito significativas, na ordem do meio milhão de metros cúbicos por ano. Por seu lado, a CA afirma que, apesar das modificações, o projeto continua a ter impacto significativo nos recursos hídricos, que resultarão na inevitável destruição de habitats ripícolas bem conservados, para além de ter “reservas quanto às disponibilidades hídricas para manter a vegetação a jusante da exploração e, sobretudo, os lameiros e as sebes vivas”, prevendo um impacto negativo no Sistema Agro-Silvo-Pastoril do Barroso.
Paisagem, acessos a construir e novos impactos – A empresa apresenta um Estudo Preliminar de um novo acesso a construir para ligar Carreira da Lebre ao Nó de Boticas/Carvalhelhos da A24, com vista a minorar impacto nas populações vizinhas. A CA valoriza a medida, mas alerta que o novo acesso, pela sua dimensão, constitui por si só uma obra sujeita a avaliação de impacte ambiental, e que uma parte muito significativa do traçado “com aterros e escavações pronunciadas, atravessa áreas agrícolas de muito elevado valor cénico”.
Resíduos – A Savannah propõe criar uma instalação de rejeitados (TSF) dedicada. A CA considera que tal “reduz a probabilidade de contaminação do solo a partir dos resíduos provenientes da lavaria”, mas, estranhamente, deixa cair a exigência anterior de melhor estudo sobre a caracterização da perigosidade desses resíduos, incluindo os inertes que continuarão a ser depositados em escombreira.
É neste contexto que a CA emite um parecer favorável, embora condicionado a medidas mitigadoras e a condicionantes diversas, que se encontram em fase de desenvolvimento.
O processo da Mina do Barroso comprova que, enquanto não for garantida capacidade e autonomia do Estado, é elevado o risco de ocorrência de situações em que o interesse nacional e os direitos e interesses das populações são relegados para segundo plano, permitindo o saque aos recursos nacionais e a exportação dos lucros por multinacionais.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte Resolução A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que tome as medidas necessárias para:
1. Assegurar a condução pública dos processos de prospeção, estudo e avaliação de recursos geológicos e mineiros, com vista a garantir ao País o direito de decidir, com base em critérios económicos, ambientais, de qualidade de vida das populações, se em cada caso concreto deve ou não explorar esses recursos.
2. Num contexto em que as concessões são determinadas pelos interesses das multinacionais mineiras, a suspensão imediata do processo relativo à exploração de lítio em Covas do Barroso.