Projecto de Resolução N.º 898/XII/3ª

Recomenda ao governo a salvaguarda dos Laboratórios do Estado da estrutura do Ministério da Agricultura e Mar

Recomenda ao governo a salvaguarda dos Laboratórios do Estado da estrutura do Ministério da Agricultura e Mar

Preâmbulo

1. O conjunto de Laboratórios do Estado na dependência do Ministério da Agricultura e Mar, integrados no Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV) e no Instituto Português do Mar a e da Atmosfera (IPMA), constituem uma importante rede de estruturas de apoio à atividade produtiva, à investigação e à salvaguarda da saúde pública e da segurança alimentar.

A sua importância está bem patente no contributo para o cumprimento dos planos de sanidade animal e fitossanidade que o país deve observar por razões de segurança alimentar, mas também como importante instrumento de garantia da qualidade dos produtos pecuários e de pesca portugueses, garantindo a qualidade dos produtos transacionados e logo salvaguardando as transações económicas, nomeadamente com outros Estados, a par do controlo das condições sanitárias dos produtos importados, quer da União Europeia, quer de países terceiros.

Infelizmente o país conhece as implicações económicas do encerramento das suas fronteiras à exportação de animais, de hortofrutícolas e de madeira de pinho, por razão de surtos de pragas e doenças animais ou vegetais. Não há, por isso, dúvida quando à importância dos serviços que os Laboratórios do Estado prestam, quer diretamente, quer como infraestruturas imprescindíveis à intervenção de outros agentes do Estado.

Refira-se ainda o seu papel insubstituível como Laboratórios de Referência, avaliando e garantindo a fiabilidade dos laboratórios privados do sector.

Têm também uma importante componente de investigação, de avaliação dos solos e da água, de acompanhamento das questões de fitossanidade e sanidade animal, enquanto repositório de conhecimento fundamental e no plano da sua aplicação. Nesta sua vertente têm uma relação muito estreita com as matérias de soberania, ao terem à sua guarda o germoplasma, correspondente, no caso do germoplasma vegetal, a mais de 90% do material genético das espécies utilizadas para a alimentação, e também germoplasma animal. Para além de uma importante componente de trabalho no melhoramento e adaptação de espécies, num trabalho concreto de incremento na rentabilidade das espécies agrícolas e pecuárias.

2. Nos últimos anos o subfinanciamento a que estão sujeitos estes laboratórios, através da redução dos orçamentos, põe em risco a sua atividade, viabilidade e futuro. Só no Orçamento do Estado para 2014 o INIAV terá uma redução de orçamento perto dos 7% e o investimento deste instituto será reduzido em 15%. Como poderá o governo alcançar inovação e a competitividade de que tanto fala, quando para os laboratórios a única fórmula que apresenta são cortes?

Isto é tanto mais grave quando se conhecem as vultuosas verbas gastas em laboratórios estrangeiros para executar análises que podiam ser feitas cá, como foi confirmado pelo ministério, em resposta a pergunta do Grupo Parlamentar do PCP.

A mais expressiva manifestação de preocupação sobre esta situação de desinvestimento surgiu de um grupo de investigadores, académicos e técnicos superiores, com carreiras dedicadas à investigação e aos laboratórios, que alertaram para a degradação destas estruturas: “Durante os últimos anos, vimos assistindo com preocupação à degradação da vida desta instituição, com reflexos numa enorme diminuição das suas valências científicas, tendo já conduzido ao desaparecimento total de muitas delas, e sem haver quaisquer alternativas no tecido científico português. São laboratórios que fecham, terminando uma profícua atividade de décadas. São coleções de material biológico, únicas em Portugal e em todo o Mundo, que se perdem. São vastíssimos investimentos patrimoniais, de diversificado âmbito, como sejam laboratórios, estruturas fundiárias, edifícios, bibliotecas ou outros, que estão em risco de perda total.”

3. Para além disto, são recorrentes as notícias de encerramento de laboratórios e de perda de valências. O governo assume que “Embora ainda não exista uma decisão tomada sobre esta matéria, parece-nos evidente a vantagem da reorganização da rede de laboratórios existentes”. Conhecemos infelizmente o significado de reestruturação/reorganização para o atual governo: «encerramento». Reestruturação na base dos factos consumados. De facto, o governo está a encerrar laboratórios, como sucede em Mirandela, Alcains/Castelo Branco e Guarda, sem qualquer estratégia para a dita reestruturação, e não avisando sequer os agricultores, habituais utentes, desse encerramentos. O mesmo está a suceder com estações agronómicas/centros operacionais tecnológicos, como a Estação Nacional de Fruticultura de Vieira da Natividade/Alcobaça, que o governo pretende encerrar ou desarticular do Ministério da Agricultura.

4. Os problemas que o país enfrenta no âmbito da sanidade animal, da fitossanidade e da segurança alimentar exigiam, ao contrário do que está em desenvolvimento, o reforço da rede laboratorial, a proximidade com os agricultores e o incremento da sua capacidade de intervenção. Ao invés de suprir estas necessidades, o governo decide reduzir a sua capacidade de intervenção em matérias que se prendem com a nossa soberania e a saúde pública.

Os casos recentes com o surgimento de vestígios de carne em alimentos para consumo humano diferente daquela que estava rotulada, configuram problemas de fraude económica, mas também de segurança alimentar. A incapacidade dos mecanismos de controlo europeu detetarem e controlarem o problema afirmam a necessidade e a importância para o país de uma rede laboratorial de apoio à implementação dos planos sanitários. Mas também a situação existente na sanidade animal, nos atrasos dos pagamentos às Organizações de Produtores Pecuários/Agrupamentos de Defesa Sanitária (OPP/ADS) põem em perigo todo o setor pecuário. O governo alterou o modelo de financiamento da sanidade animal retirando essa obrigação da esfera do Estado, sem contudo conseguir pôr em prática um modelo alternativo e suficiente de financiamento através da taxa de segurança alimentar aplicada à grande distribuição. O governo tomou a decisão insensata de cortar com o financiamento do Estado sem ter encontrado fonte de financiamento alternativa e equivalente, e isto está fazer perigar todo o sistema de sanidade animal, onde os problemas latentes já se começam a sentir, o primeiro dos quais é a transposição das OPP/ADS de custos de saúde animal para o agricultor.

5. Na fitossanidade é o Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, relativo à operação global de controlos oficiais nos Estados-Membros sobre a segurança dos alimentos, a saúde e o bem-estar dos animais e a fitossanidade, neste momento em apreciação na Assembleia da República, que refere que a situação do nemátodo do pinheiro continua, em Portugal, tratada de forma insatisfatória.

Aliás, todas as auditorias realizadas pela Comissão Europeia sobre questões de sanidade animal e vegetal e segurança alimentar relevam o estado de fragilidade e incapacidade dos laboratórios públicos do Ministério da Agricultura e Mar, nomeadamente como Laboratórios de Referência.

6. A reclassificação das zonas de produção de bivalves tem grandes implicações económicas na atividade viveirista e de marisqueio. Reclassificação tomada com base na monotorização laboratorial, quando os agentes económicos desconhecem o sistema de recolha de amostra, denunciando mesmo a exiguidade na recolha das mesmas por razões de natureza financeira, o que condiciona os recursos à disposição das equipas de recolha para a realização adequada da sua atividade. Para além deste problema, muitas vezes a atividade de marisqueio é suspensa pela presença de agentes patogénicos ou toxinas. Os mariscadores denunciam o espaçamento entre análises que leva a que muitas vezes se mantenham as interdições, apesar de já não se manterem as condições que as determinaram. É o governo que reconhece que “a componenete analítica é suportada por uma infraestrutura laboratorial dispendiosa e pessoal técnico especializado” e por isso se “tem procurado ajustar sempre o esforço de amostragem e analítico aos meios disponíveis”.

7. Legislação recente, aprovada contra a opinião dos mais reputados especialistas, não tratou da forma que devia a aplicação de pesticidas, nem os processos de homologação, pelo que esta é uma matéria que precisará também de um acompanhamento muito cuidadoso tendo em conta que se trata de venenos – produtos químicos suscetíveis de graves consequências na saúde pública, ambiente e ecossistema, nomeadamente nos agentes polinizadores, como as abelhas. Da responsabilidade do atual e dos anteriores governos é o não funcionamento, desde 2005, da Comissão Consultiva de Pesticidas e da Comissão de Avaliação Toxicológica de Produtos Fitofarmacêuticos, legalmente estabelecidas, cujo parecer é norma obrigatória no processo homologatório. Esta matéria não pode deixar de trazer à reflexão a gravidade do desaparecimento dos Laboratórios do Estado enquanto laboratórios de referência e de controlo público. Somos hoje confrontados com a introdução de produtos no mercado cujo processo de homologação corre nos laboratórios das entidades que os desenvolvem e comercializam, quantas vezes melhor apetrechados que os laboratórios públicos. O acentuar desta tendência elimina a capacidade de contraditório e elimina a capacidade de funcionamento enquanto laboratórios de referência dos laboratórios públicos. Fica claro que este modelo não dá as garantias de segurança e isenção que a homologação de determinados produtos exige.

8. É pois evidente que para o correto apoio aos setores produtivos em função de uma estratégia nacional, o país tem de manter uma rede de estruturas de apoio à monotorização e investigação que seja o garante de qualidade, salvaguardando a atividade económica e a saúde pública, e capazes de apoiar a atividade agropecuária e florestal, para além da sua função de salvaguarda e preservação do conhecimento. A soberania do país está intimamente ligada à sua capacidade de investigação, monitorização e acompanhamento dos processos produtivos.

O PCP, que não tem dúvidas quando à importância destas estruturas, ainda recentemente, no âmbito da discussão do Orçamento do Estado para 2014, propôs um reforço das verbas destinadas aos serviços laboratoriais e de investigação do Ministério da Agricultura e Mar.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa, a Assembleia da República resolve recomendar ao Governo:

1. O reforço financeiro do INIAV e do IPMA para manutenção e desenvolvimento da capacidade de intervenção e das funções dos laboratórios do Estado, assegurando inclusive as suas funções de laboratórios nacionais de referência, de modo a que estes garantam o apoio às atividades produtivas, a salvaguarda da saúde pública, a produção de conhecimento e a proteção dos recursos biológicos e genéticos à sua guarda.

2. A suspensão do encerramento de estações/centros de tecnologia e laboratórios em curso, nomeadamente em Mirandela, Alcains e Guarda, e a realização de uma Conferência Nacional com intervenção dos atuais investigadores e pessoal técnico da rede de laboratórios, as associações agrícolas, núcleos agrários das universidades portuguesas, para uma reflexão que ajude a estabelecer uma adequada rede de laboratórios e estações agronómicas, de apoio técnico e de transferência de tecnologia.

Assembleia da República,em 20 de dezembro de 2013

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