Projecto de Resolução N.º 1218/XII/4.ª

Recomenda ao Governo a reversão do processo de subconcessão dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e a sua reintegração no setor empresarial do Estado bem como a defesa dos postos de trabalho

Recomenda ao Governo a reversão do processo de subconcessão dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e a sua reintegração no setor empresarial do Estado bem como a defesa dos postos de trabalho

I.

A vida dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e dos seus trabalhadores foi marcada pelo desinvestimento continuado de sucessivos governos, a ineficácia, a ausência de capacidade, e incúria das administrações, a celebração de contratos desvantajosos, a inexistência de adequados mecanismos de controlo e aprovisionamento, gastos desnecessários em estudos de reestruturação, que nada de positivo trouxe à empresa. Tudo isto traduzindo o que, incontornavelmente, prefigura uma deliberada opção de esvaziar, descredibilizar e destruir os Estaleiros Navais de Viana do Castelo

Este padrão de atuação ganhou ainda mais força com o atual executivo. Desde que tomou posse, em Junho de 2011, ficaram claras quais as intenções do Governo PSD/ CDS para os Estaleiros Navais de Viana do Castelo – a privatização.

Foi sempre este o objetivo estratégico assumido pelo Governo do PSD e do CDS-PP para o futuro dos ENVC, primeiro de forma implícita, depois de forma cada vez mais assumida. A este objetivo, inteiramente coincidente com os interesses próprios de grupos privados nacionais e/ou estrangeiros, subordinou o Governo todos os atos, decisões e orientações políticas que adotou desde a sua tomada de posse, incluindo um conjunto de omissões, atrasos ou mesmo a ausência de respostas às necessidades empresariais mais prementes dos ENVC.

Há, no entanto, alguns factos que merecem ser aqui referidos e que revelam de forma cristalina as intenções do Governo:

a) Não cumprimento do contrato para a construção de navios para a Venezuela. A paralisia forçada da empresa.

O contrato para construção de dois navios asfalteiros estabelecido com uma empresa estatal venezuelana, no valor aproximado de 130 milhões de euros, para o qual os ENVC tinham já recebido um adiantamento de cerca 12,8 milhões de euros, dez por cento do valor do contrato, nunca arrancou tendo estado escandalosamente paralisado desde o final de 2011. De acordo com a administração dos ENVC “Faltavam meios financeiros que permitissem avançar com a aquisição de aço necessário” para que a obra pudesse entrar em estaleiro”. Apesar disso, o Governo recusou qualquer tipo de adiantamento, fazendo a maioria chumbar na AR uma proposta do PCP nesse sentido, não obstante a programação do contrato com a Venezuela permitir receber de forma faseada “tranches” sucessivas de pagamentos à medida que a obra fosse evoluindo, as quais, evidentemente, iriam assegurar condições de liquidez aos ENVC durante o desenvolvimentos destes contratos.

b) Cancelamento da encomenda dos NPO para a marinha

Em setembro de 2012, o Governo PSD/CDS, pela mão do Ministro da Defesa Nacional, decidiu cancelar a encomenda dos seis NPO (e também dos NPC, os navios de combate à poluição) e das cinco lanchas de fiscalização costeira, que implicariam pagamentos aos Estaleiros da ordem de 57 milhões de euros em 2013 e de 38 milhões em 2014. Esta decisão constituiu um rude golpe para os ENVC, na medida em que correspondeu ao cancelamento da maior encomenda de que a empresa dispunha. E constituiu, ainda, um duro golpe para o país, na medida em que as vastas águas territoriais e zona económica exclusiva carecem de uma fiscalização que os atuais meios da Marinha não estão em condições de assegurar, sendo reconhecido o défice de fiscalização da vasta área adjacente às regiões autónomas.

Não existindo os ENVC, o país não está em condições de construir novos NPO, satisfazendo eventuais encomendas de outros países, nem está em condições de assegurar a construção em Portugal de mais NPO tão necessários para a Marinha de Guerra Portuguesa, a não ser que o Governo ceda gratuitamente à empresa concessionária as informações que lho permitam realizar.

Não será talvez alheio a esta estratégia, o escandaloso anúncio, por parte do ministro da Defesa, em 19 de Dezembro e 2014, de que seriam construídos em Viana do Castelo dois novos Navios Patrulha para a Marinha.

c) “Supostas ajudas de Estado”

De acordo com o apuramento efetuado na Comissão Parlamentar de Inquérito relativo ao apuramento de responsabilidades pelas decisões que conduziram ao Processo de Subconcessão dos ENVC, vários Governos, entre 2006 e 2012, adiantaram, sob a forma de suprimentos, empréstimos, ou outras formas verbas que, no entendimento da Comissão Europeia, totalizavam 180 milhões de euros.

Por iniciativa do Governo português e no quadro de um processo de privatização foi suscitada junto da Comissão Europeia a questão de saber se essas transferências financeiras para a empresa podiam ou não ser consideradas ajudas de Estado. Porém, sucessivos Governos assumiram o entendimento que os financiamentos aos ENVC não configuram ajudas de Estado, assim como foi assumido por diversos depoentes que o processo de averiguações realizado pela Comissão Europeia relativo a ajudas de estado à indústria da construção naval é um procedimento comum.

Apesar de não existir, até hoje, qualquer decisão da Direção- Geral da Concorrência da União Europeia (DGCOM) relativos aos 181 milhões de euros tidos como ajudas de Estado, o Governo decidiu prosseguir a intenção privatizadora desta empresa, usando essa desculpa como pretexto. Acresce também que o Estado Português podia ter justificado a ajudas de Estado com a construção dos navios para a marinha, (a entretanto efetuada dos NPO Viana do Castelo e Figueira da Foz e os agora anunciados a construir futuramente) mas tal não foi o entendimento do Governo, na medida em que era sua intenção “livrar-se” dos ENVC e dos seus trabalhadores.

II.

Em 27 de Dezembro de 2012, o Governo decidiu suspender o processo de privatização dos ENVC invocando o facto da Comissão Europeia ter decidido iniciar um processo de investigação sobre eventuais ajudas públicas concedidas entre 2006 e 2010 aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e que podiam, na opinião do Governo, colocar em risco as condições acordadas no âmbito do Caderno de Encargos do concurso público para a privatização da empresa. Isto é, quem ficasse com os ENVC seria obrigado a devolver ao Estado 181 milhões de euros de ajudas públicas (que evidentemente nunca recebera), situação que seguramente afastaria os interessados na privatização, cujas ofertas vinculativas de compra nem chegaram aliás a 10 milhões de euros.

Quase quatro meses depois, em 18 de Abril de 2013, o Governo anunciou ter decidido “encerrar definitivamente” o processo de reprivatização dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), face à publicação oficial, em 3 de Abril, do processo de investigação lançada pela Comissão Europeia às ajudas estatais concedidas à empresa ENVC entre 2006 e 2010, no valor de 181 milhões de euros. A decisão foi tomada, de acordo com o Governo, por “não estarem acautelados os interesses patrimoniais do Estado e a concretização dos objetivos subjacentes ao processo de alienação das ações da ENVC, S.A” (Resolução do Conselho de Ministros n.º 27/2013, de 24 de abril de 2013).

Antevendo dificuldades externas em transferir para mãos privadas os ENVC através de uma venda direta feita através de um concurso “clássico” de privatização, o Governo optou por fazer essa mesma transferência, vendendo apenas os terrenos, as instalações e os equipamentos, depois de liquidar a empresa e de despedir os trabalhadores. O que faz em julho de 2013, através do Decreto-Lei n.º 98/2013, de 24 de julho, que «Procede à afetação à sociedade Administração do Porto de Viana do Castelo, S.A. de determinadas parcelas de terreno que integram o património do Estado, assim como dos edifícios, infraestruturas e equipamentos nelas implantados, redefine a área referente à concessão dominial atribuída à sociedade Estaleiros Navais de Viana do Castelo, S.A. e autoriza a alteração ao contrato de concessão, incluindo a autorização para a efetivação de uma nova subconcessão». O Governo abriu, assim, as portas ao processo de subconcessão dos ENVC e, desta feita, à consumação do processo de destruição dos ENVC.

Através do mecanismo de subconcessão, o Governo PSD/CDS-PP preparou a sua privatização, com a agravante de não garantir, nem sequer valorizar na escolha do futuro subconcessionário, nem a manutenção da atividade de construção naval, nem um só posto de trabalho.

A opção de privatização dos estaleiros navais provocou uma perda de competências e capacidade industrial, assim como teve graves reflexos nas atividades económicas e sociais profundamente associadas ao extenso território marítimo e à localização privilegiada de Portugal.

III.

Os Estaleiros Navais de Viana do Castelo foram, ao longo das suas quase sete décadas, não apenas um baluarte da economia nacional, com mais de 200 navios construídos, que levam ainda a construção naval portuguesa pelos mares de todo o mundo, mas a empresa âncora da economia da região.

O distrito de Viana do Castelo, que, situando-se no Litoral, continua sendo um dos mais pobres do País, tinha nos milhares de trabalhadores que passaram por esta empresa, um suporte muito significativo.

Para além das cerca de seis centenas de trabalhadores que, nos últimos anos constituíam o efetivo da empresa, havia ainda centenas de postos de trabalho indiretos que por ela eram assegurados.

Os miríficos anúncios por parte da concessionária West Sea, de centenas de postos de trabalho não passaram de isso mesmo, anúncios, que não evitaram o despedimento de centenas de trabalhadores, a emigração, o empobrecimento da região.

IV.

Desde a primeira hora, e sem qualquer tipo de equívocos, o PCP esteve na primeira linha da defesa da construção naval em Portugal pela manutenção e viabilização dos ENVC.

Ao longo da atual legislatura o PCP apresentou várias iniciativas legislativas e parlamentares em defesa dos Estaleiros e dos postos de trabalho desta importante empresa para a economia nacional e regional.

O PCP considerou então que a defesa dos ENVC como empresa pública, bem como a defesa dos seus postos de trabalho e a consideração do valor estratégico único desta empresa para a economia nacional, não eram compatíveis com mais hesitações e delongas.

A manutenção dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo como empresa pública, a defesa dos seus postos de trabalho e a consideração do valor estratégico para a economia nacional terão que ser os objetivos centrais de um Plano de Viabilização dos ENVC.

Durante todo este processo, os trabalhadores dos ENVC lutaram incansavelmente pela manutenção e defesa da empresa, dos respetivos postos de trabalho e da sua capacidade produtiva, assim como da população de Viana do Castelo.

A história comprova que nenhuma privatização em Portugal criou um só emprego, tendo em todos os casos destruído centenas ou milhares de postos de trabalho.

Estes meses que decorrem desde a entrega dos ENVC ao grupo privado comprovam o aumento do desemprego, a emigração forçada de muitos trabalhadores, e o aumento da exploração e precariedade nas relações laborais.

O PCP rejeitou e continuará a rejeitar a teoria maniqueísta: ou a privatização ou o encerramento – e reafirma que, se o Governo quisesse, teria sido possível a viabilização e o desenvolvimento dos Estaleiros mediante a concretização da carteira de encomendas que existia.

O PCP entende que sempre existiu e que existe ainda um outro caminho, de defesa desta empresa publica industrial

Por tudo o que fica dito, e ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, a Assembleia da República recomenda ao Governo que:

1.Proceda à resolução da subconcessão dos ENVC à Empresa West Sea, estabelecido ao abrigo do Decreto-Lei n.º 98/2013, de 24 de julho;

2. Proceda, no prazo máximo de 60 dias, à identificação das condições necessárias à reintegração dos ENVC na esfera pública;

3- Elabore um Plano de Viabilização e de Reestruturação dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, elaborado em diálogo com os seus trabalhadores, que valorize a produção industrial nacional e que contemple, pelo menos, os seguintes pressupostos:

3.1 A garantia da reintegração nos quadros da empresa dos ex-trabalhadores dos ENVC, que o desejem, e a previsão de um vasto programa de requalificação e de formação profissional de atuais e futuros ativos;

3.2. A elaboração de plano plurianual de atividades que inclua a construção dos NPO para a marinha portuguesa.

Assembleia da República, em 16 de janeiro de 2014

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Projectos de Resolução