Preâmbulo
A situação atual do Novo Banco não pode ser dissociada de um passado politicamente sinistro desde o momento da ascensão do banco a eixo financeiro de grupo monopolista com o apoio mais ou menos velado dos sucessivos governos que, em sentido contrário à Constituição da República Portuguesa, contribuíram para a constituição e consolidação de um monopólio. O momento mais crítico, todavia, é o da aplicação da medida de resolução ao Banco Espírito Santo pelo Banco de Portugal em articulação com o Governo PSD/CDS, em plena intervenção da troika estrangeira e sob o comando da União Europeia.
No momento da aplicação da medida de resolução, o Banco de Portugal anunciou que a nacionalização do Banco Espírito Santo não foi equacionada por opção do Governo de então e afirmou que a resolução do Banco e o saneamento do passivo excedente custariam 4,9 mil milhões de euros, sendo 3,9 mil milhões provenientes de empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução. Esta garantia foi a base justificativa da aplicação da medida de resolução a uma das maiores e mais importantes instituições financeiras portuguesas. Não apenas não se veio a confirmar a veracidade das contas do Banco de Portugal como se veio a comprovar a fraude política que o PCP já então denunciava: a de que a resolução do Banco não custaria apenas 4,9 mil milhões de euros.
A realidade demonstra que o desequilíbrio nas contas do Grupo Espírito Santo, avaliado na altura em cerca de 12 mil milhões de euros, não foi minimamente resolvido com a aplicação da medida de resolução. Pelo contrário, a resolução deixou ficar na esfera pública a grande parte dessa dívida, sendo que o Estado veio a assumir – conjugando o esforço do Fundo de Resolução com o do Orçamento do Estado – 9 mil milhões de euros. Ou seja, a definição do perímetro do BES (banco mau), salvaguardou em grande medida os interesses dos seus grandes acionistas, permitindo que não apenas não assumissem 9 dos 12 mil milhões de dívida por si contraída, como preservassem uma grande parte dos bens e propriedade que adquiriram com esses recursos desviados da instituição, muitos deles colocados sob controlo de empresas sedeadas em off-shore.
Sobre todas essas questões, a intervenção do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português foi rápida e adequada, apesar de nunca ter merecido acolhimento por parte de PS, PSD e CDS no quadro da decisão parlamentar. A identificação dos veículos em off-shore e a delimitação de um perímetro de propriedades dos grandes acionistas do GES e a nacionalização de todos os seus bens foi proposta pelo PCP. Ao mesmo tempo, o PCP afirmou desde o início que, apesar de o “pecado original” estar na privatização do BES por Mário Soares e Cavaco Silva no início da década de 1990, só a nacionalização poderia assegurar uma gestão minimamente consentânea com o interesse público.
A venda do Novo Banco à Lone Star, com a manutenção de 25% na esfera do Fundo de Resolução constituiu novo momento de assalto aos recursos públicos. O PCP alertou desde o início para a grande probabilidade de que a Lone Star recorresse a todo o capital disponível dentro dos valores preconizados até 3,89 mil milhões de euros, num primeiro patamar e sem limite, no caso de estar ameaçada a estabilidade do sistema financeiro nacional.
Tendo a Lone Star adquirido 75% do capital do Novo Banco por zero euros, sob condição de uma injeção de capital de mil milhões de euros na própria instituição, o Governo PS disponibilizou ainda 3,89 mil milhões de euros em garantias, para eventuais necessidades de capital.
O Ministro das Finanças assegurou que o Governo realizaria um controlo rigoroso sobre os ativos mais depreciados do Novo Banco e que não permitiria vendas com perdas injustificadas.
É evidente que a gestão da dívida do Novo Banco e dos seus ativos depreciados está a ser levada a cabo de forma a consumir todo o capital disponibilizado pelo Estado sem qualquer contrapartida. A restante banca vê passivamente um banco ser salvo com recursos públicos, num contexto de profunda distorção da concorrência.
Isso ocorre, por um lado, porque enquanto que o Novo Banco sangra lentamente, a restante banca ganha negócio, e por outro, porque ao mesmo tempo o Novo Banco está a ser preparado para uma alienação a preço de saldo.
Depois da venda do Novo Banco à Lone Star, o Grupo Parlamentar do PCP afirmou em diversas ocasiões que o Estado deve controlar o sistema financeiro em geral, mas particularmente as instituições que financia.
Se é o Estado quem paga as contas do Novo Banco, deve ser o Estado a controlar os seus destinos. Esta exigência é da maior importância particularmente num contexto em que o país está confrontado com grandes necessidades financeiras, quer no plano das famílias e do consumo, quer no plano do fomento e da alavancagem do sistema produtivo.
Deter controlo sobre fluxos de capitais e créditos, poder gerir um banco e a relação com os seus trabalhadores e clientes, no quadro de uma profunda perturbação económica, pode revelar-se uma mais-valia poderosa no combate à agudização das assimetrias e à persistência da recessão.
Se já não era aceitável a entrega de centenas de milhões de euros ao Novo Banco sem qualquer tipo de contrapartida na aquisição de capital e controlo do banco, menos aceitável é que, perante os impactos das medidas de prevenção e combate ao surto epidémico, um governo entregue a um banco mais 850 milhões de euros para pagar vendas de imóveis e outros ativos ao desbarato (sem que se conheçam os adquirentes, cuja relação direta ou indireta com partes associadas à Lone Star ou a antigos acionistas do BES/GES não está posta de parte), enquanto que não satisfaz necessidades agudas das populações atingidas mais profundamente pela paragem forçada.
Não é admissível, ainda, que seja possível à administração do banco aumentar os salários dos administradores e da gestão de topo, criar prémios de gestão que só serão entregues mais tarde, para driblar as recomendações do Banco de Portugal. Perante estas opções, que contrastam com as dificuldades que os trabalhadores e o povo português enfrentam em face da COVID-19 e dos seus impactos económicos e sociais, é necessário que seja realizada uma avaliação extraordinária da idoneidade dos administradores e da política de gestão de ativos do banco.
Não é compreensível que no mesmo momento em que milhares de trabalhadores não sabem sequer em que situação laboral se encontram, outras centenas de milhares perderam pelo menos um terço do seu salário, o governo entregue 850 milhões de euros a um banco privado.
De todo o capital disponibilizado, em quadro de desenvolvimento normal, resta consumir cerca de mil milhões de euros do contrato de venda do Novo Banco à Lone Star.
Tendo em conta a alteração ao cenário macroeconómico provocada pela pandemia, não será de todo impossível ativar a cláusula de “emergência” através da qual a Comissão Europeia “autoriza” o Estado Português a disponibilizar mais recursos para o Novo Banco, com limite a estabelecer pelo próprio governo.
Podemos resumir a situação da seguinte forma: o Estado já pagou quase 8 mil milhões de euros por um banco do qual não retira dividendos e sobre o qual nada pode decidir, apesar de deter, através do Fundo de Resolução, 25% da instituição. A empresa proprietária dos restantes 75% do capital não procedeu a transação alguma com o Estado, tendo apenas injetado mil milhões no capital de um banco que passou a deter. Tanto quanto podemos julgar da atual situação do Novo Banco, não se afigura nenhum aumento de capital com base no mercado privado que possa ser bem-sucedido no curto ou no médio prazo, como aliás também previa o contrato de venda à Lone Star.
Assim, estamos perante uma instituição que deve ser totalmente controlada pelo Estado, com controlo transparente e com capacidade para gerir os seus ativos, para que não sejam vendidos em situação de pressão. Ao mesmo tempo, importa aferir quem adquiriu todos os ativos vendidos e por que preço. Caso esses ativos tenham sido vendidos abaixo do preço de custo a terceiros por ordem ou em representação da Lone Star ou qualquer parte relacionada, a diferença deve ser abatida nos mil milhões de euros que a Lone Star injetou no capital no momento da nacionalização da instituição que se exige e que o PCP agora propõe. Caso essas vendas tenham implicado transações com partes relacionadas do GES ou BES ou com alguém em seu nome, devem ser revertidas com a integração dos ativos novamente no balanço do Novo Banco.
A integração do Novo Banco na esfera pública bancária é a única solução para o controlo de uma instituição financeira que desacredita a justiça, o sistema financeiro e a vida democrática.
Só com mais democracia no controlo desta instituição se pode pôr fim aos desmandos e aventuras de quem, nos bastidores, gere uma instituição satisfazendo os interesses da já potencial compradora, relegando o interesse dos seus depositantes, dos seus trabalhadores e da economia nacional para último plano.
Pelo exposto, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, propõem a adoção da seguinte resolução:
Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomenda ao Governo que:
- Inicie os procedimentos necessários à integração do Novo Banco no sistema público bancário, orientando-o para a banca de retalho e para o apoio especializado às micro, pequenas e médias empresas;
- Proceda, nesse sentido, à reversão do contrato de venda do Novo Banco, garantindo que eventuais indemnizações incidam exclusivamente sobre o montante injetado pela Lone Star, deduzido de eventuais ganhos decorrentes da gestão de ativos do banco, ou de práticas de gestão danosa, apurados em auditoria própria;
- Dê orientações ao Banco de Portugal para que seja feita uma avaliação extraordinária da política de gestão de ativos, património e perdão de dívidas no Novo Banco, da idoneidade dos seus administradores, nomeadamente no que diz respeito à política de prémios e à política salarial da administração e dos gestores de topo.