Projecto de Resolução N.º 897/XII/3ª

Recomenda ao governo a retoma dos serviços de extensão rural e a reconstituição do corpo de guardas florestais

Recomenda ao governo a retoma dos serviços de extensão rural e a reconstituição do corpo de guardas florestais

Preâmbulo

Ao longo dos anos a opção política de diferentes governos de desmantelar as estruturas da Administração Central, em processos ditos de reestruturação e reorganização, que em geral mais não visam que reduzir os recursos humanos, têm tido implicações na organização e funcionamento de serviços públicos centrais, regionais e locais, com profundas implicações em setores concretos de atividade.
No Governo PS/Sócrates, com a criação do Sistema de Mobilidade Especial (SME), no ministério da agricultura, o consulado de Jaime Silva/PS promoveu um corte drástico no número de técnicos e de meios afetos ao apoio à agricultura e aos agricultores, que se prolongou nos tempos seguintes. Numa fase inicial terão sido 1445 técnicos a serem colocados nesse regime.
O governo PSD/CDS deu total continuidade a essa política de redução drástica de recursos humanos, sob as imposições do Pacto de Agressão, subscrito por PS, PSD e CDS.
Desde 2010 as Direções Regionais da Agricultura e Pescas tiveram uma redução em pessoal na ordem dos 10% e no total do ministério são hoje quase 600 trabalhadores que estão no Sistema de Mobilidade Especial. Deste que se iniciou este sistema em 2007, o ministério transferiu para o SME, isto é, abdicou de 2152 trabalhadores.
Esta opção política teve de imediato como primeira, mas muito visível e inapagável, consequência – o arranque dramático do quadro comunitário de apoio que se iniciou em 2007 e a paralisia quase total dos programas de financiamento publico à agricultura durante quase dois anos. É verdade que se apontam outras razões de ordem estrutural e de regulamentação do programa, mas menos técnicos a avaliar, a fiscalizar, a verificar no terreno, ajudou a emperrar essa decisiva fase inicial. Consequências que se foram perpetuando, existindo, atualmente nas estruturas do ProDer, mais de 110 milhões de euros de pedidos de pagamento a aguardar validação. E está por fazer o balanço financeiro e técnico dos custos da fiscalização obrigatória determinada por regras da União Europeia, entregue a equipas subcontratadas, muitas vezes completamente alheias ao mundo rural e agrícola.
Esta foi a face mais visível da redução da estrutura do ministério, contudo o desmantelamento e destruição dos serviços de proximidade, de apoio e acompanhamento à agricultura criou uma forte lacuna num setor que o atual governo aponta como estratégico para o país e para o estímulo às exportações. Um setor estratégico – como o PCP defende que a agricultura deve ser – precisa de uma estratégia e dos instrumentos para a sua aplicação. O princípio liberal de que são as leis de mercado a definir o caminho de um setor económico, deixa o país mais dependente de grandes interesses privados em detrimento do interesse público.
É argumentação do governo e dos defensores da política que o mesmo aplica, que o apoio técnico aos agricultores deve ser prestado pelas suas organizações representativas. O governo procura justificar os cortes feitos na sua estrutura escondendo que nunca faz as transferências financeiras correspondentes, necessárias para o bom funcionamento dos serviços transferidos, e que, pior, tem nos últimos anos, além dos pagamentos com grande atraso, procedido a reduções substanciais, e mesmo à tentativa de eliminar qualquer pagamento, como sucede em matéria de sanidade animal, numa estratégia de transferir para os produtores todos os custos, enquanto transfere para o grande agronegócio somas astronómicas em apoios diversos.
Acresce que a opção, fomentada inclusivamente pelos poucos apoios financeiros públicos, de agregação e aumento da dimensão das organizações, tende a especializá-las e a deixar para trás a grande massa de agricultores - os mais pequenos - que no caso português não são tão poucos quanto isso.
É que esta é a grande marca de classe na política dos sucessivos governos. Apoios chorudos para grandes proprietários absentistas e para grandes conglomerados, de capital nacional ou estrangeiro, que têm condições para sozinhos e a partir dos apoios públicos, assumirem os custos do acompanhamento e aconselhamento técnico e abandono dos milhares de pequenos agricultores, que são a esmagadora maioria em Portugal e que, pela dimensão das suas explorações e pela dispersão das parcelas, pelo tipo de agricultura multifuncional, pelo reduzido volume de negócios não têm qualquer condições para os custos que tal acompanhamento imporia, ainda que sejam estes que garantem a sobrevivência do mundo rural.
Esta falta de condições para prestar apoio aos agricultores tem sido denunciada por diversas organizações agrícolas. No caso dos jovens agricultores, cuja instalação, tem sido usada pelo governo para demonstrar o sucesso das suas políticas, é a própria AJAP, através do seu presidente, que defende que se “deve exigir aos governantes um verdadeiro programa de acompanhamento dos Jovens Agricultores (instalados, em processo de instalação, aos que se pretendem instalar) ”, classificando como “preocupante a ausência de um programa de acompanhamento aos Jovens que decidem agarrar esta profissão”.
Estas são preocupações expressas também no trabalho desenvolvido por esta entidade e intitulado "A Instalação de Jovens Agricultores: Factores que Determinam o Sucesso" e que deixam perceber que o universo de apoio prestado por organizações e associações não esgota todo o apoio que deve ser prestado aos agricultores e que o apoio público, à semelhança do que existiu nos serviços de extensão rural, era não só necessário como imprescindível.
A retração do Estado no seu papel de apoio, acompanhamento, aconselhamento, tem criado espaço para o crescimento de alternativas, que condicionam e mantém os agricultores refém de interesses que não são propriamente os seus. Veja-se os casos das empresas de venda de pesticidas em que o agricultor depende na totalidade do apoio técnico prestado pela empresa, sem margem de manobra para se desvincular ou ouvir uma segunda opinião. Acresce que o apoio técnico nesta matéria – aplicação de fitofármacos – tornar-se-á imperioso a partir de 1 de Janeiro de 2014, dado o agricultor ser obrigado a aplicar «os princípios gerais de proteção integrada», nos termos do Artigo 51.º da Lei n.º 26/2013, de 11 de Abril, e do Plano de Acão Nacional para o Uso Sustentável dos Produtos Fitofarmacêuticos, conforme a Portaria 304/2013, de 16 de Outubro.
A questão torna-se ainda mais evidente sabendo-se que vão desaparecer, por decisão do Ministério, as listas de fitofármacos admitidos e compatíveis com a Proteção Integrada, ficando tal decisão dependente do julgamento/opção do agricultor.
Situação exemplar acontece também nos Serviços Florestais Públicos, onde a liquidação do corpo de Guardas Florestais, levada a cabo pelo governo PS/Sócrates (ministro Jaime Silva), deixou um vazio manifesto em termos de prevenção estrutural e fiscalização da floresta, que a tragédia dos incêndios florestais veio tornar evidente!
A eliminação dos serviços de extensão rural e de outras estruturas de intervenção operacional no terreno, deixou uma lacuna que não foi suprimida por nenhuma outra instituição ou atividade. A existência de serviços públicos de apoio aos agricultores é tão mais necessária, quão mais estratégico considerarmos o setor agrícola, pecuário e florestal.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa, a Assembleia da República resolve recomendar ao Governo que:

1. Dote os serviços do Ministério da Agricultura e Mar, nomeadamente as Direções Regionais de Agricultura e Pescas, dos meios humanos e materiais necessários para a criação de serviços de apoio, acompanhamento e aconselhamento agrícola colmatando o vazio criado pela destruição das antigas atividades de extensão rural, melhorando e desenvolvendo os serviços prestados.
2. Reconstitua o corpo de Guardas Florestais com um efetivo mínimo de 1500 agentes, assegurando assim capacidade operacional ao Ministério para desenvolver as suas missões em matéria de proteção e fomento da floresta portuguesa.

Assembleia da República, em 20 de dezembro de 2013

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