Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Recomenda ao Governo a renovação das parcerias internacionais em curso entre universidades portuguesas e americanas

(projecto de resolução n.º 46/XII/1.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Antes de me referir ao tema tratado neste projecto de resolução, quero manifestar estranheza por o PS estar neste momento mais preocupado em garantir a continuidade das negociatas do ex-Ministro Mariano Gago do que, por exemplo, em garantir a continuidade do trabalho prestado, e bastante importante, por 1500 doutores que estão em Portugal a trabalhar com contratos que terminam em breve, que não sabem o que acontecerá com o seu futuro, e que
realmente geram riqueza em Portugal, e que estão numa situação de precariedade porque, ao invés de criar quadros para contratação de investigadores, o ex-Ministro Mariano Gago os contratou com um contrato de cinco anos, que não sabemos sequer se é renovável.
Mas sempre foi assim. O PS sempre teve muito mais preocupação com estas negociatas em torno da ciência e da promoção de nichos e de elites do que, propriamente, em torno do sistema científico e tecnológico nacional, que é aquilo que, no fundo, representa de facto a capacidade e o potencial de produção científica instalados em Portugal.
Quanto a este projecto de resolução, importa, antes de mais, clarificarmos que não estamos a falar de parcerias internacionais, mas de um negócio, de uma contratação de empresas privadas, quase todas americanas — aliás, as aqui referidas são americanas, mas há outras neste âmbito —, que são, na prática, compras que o Governo português fez a empresas privadas norte-americanas.
Vejamos bem a natureza deste negócio e o quão prejudicial é para o Estado português: o Estado português compra um serviço, mas é a própria empresa, que vende esse serviço por milhões e milhões de euros, que fica com o produto desse serviço. Está ainda por avaliar qual é o verdadeiro impacto económico, no âmbito da ciência e tecnologia e da inovação e transferência para o sector produtivo.
Não está feita a avaliação, pelo menos não é pública, de qual é a evolução que, de facto, se deve a estes programas. O inquérito ao potencial científico e tecnológico nacional não isola esses dados e, portanto, não podemos saber qual é a dimensão destes programas na nossa economia e na capacidade de inovação e transferência para o sector produtivo. Aliás, isso não é estranho, tendo em conta que o sector produtivo definha à mercê das políticas de direita que vão destruindo a capacidade produtiva do País e que, por força disso mesmo, destroem também a nossa capacidade de produção científica.
Basta ver que o principal investidor em ciência e tecnologia, de acordo com os dados do inquérito ao potencial, é o Millenium BCP, um banco que produz com fartura patentes para o Estado português.
Sr. Deputado Pedro Alves, particularmente numa altura em que são anunciados cortes de 95 milhões de euros para o ensino superior público português, quase se torna num exercício de humor negro vir aqui propor a renovação incondicional destes negócios com estas empresas.
Mas, Sr. Deputado, seria interessante verificar qual o custo de cada um destes doutores, qual o custo de cada um destes doutoramentos e compará-lo com o custo de um doutoramento nas instituições portuguesas, independentemente, como é óbvio, dos programas que se possam
estabelecer e das verdadeiras parcerias no âmbito da internacionalização, mas não no âmbito da compra, a troco de milhões e milhões, de nichos de elites que não trazem mais-valias para o País. Em suma, os milhões gastos com os protocolos com estas empresas estrangeiras, celebrados pelo ministério da ciência do anterior governo, poderiam ter sido utilizados para dotar o sistema científico e tecnológico nacional dos meios e recursos necessários, nomeadamente os laboratórios do Estado, que ficaram à míngua enquanto tudo foi dirigido para empresas estrangeiras, para que esse sistema viesse a cumprir o seu papel.
É esta política dos nichos, da propaganda, da falsidade de que aumentámos o investimento público em ciência e tecnologia — o que, ainda por cima, é mentira — que levará o País a uma situação cada vez mais difícil no que toca à capacidade e ao seu potencial de produção científica.
É imperativo, antes de mais, antes de discutir a renovação de qualquer tipo de parceria deste género, que se avaliem, sem mistificações, o resultado destes protocolos que o PS agora propõe estranhamente renovar sem condições. Mas, mais importante que avaliar, é, desde já, romper com esta política de favorecimento de nichos, utilizando nichos de elite para fingir que todo o sistema científico e tecnológico nacional está na berlinda, quando, na verdade, há muitas deficiências, muitas dificuldades, fruto de não termos um País a produzir e, por isso mesmo, de não termos um sistema científico e tecnológico capaz de alimentar essa produção.

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