Projecto de Resolução N.º 1048/XII/3.ª

Recomenda ao Governo que ratifique a Convenção sobre Trabalho Digno para os Trabalhadores Domésticos e que tome as medidas adequadas à sua execução

Recomenda ao Governo que ratifique a Convenção sobre Trabalho Digno para os Trabalhadores Domésticos e que tome as medidas adequadas à sua execução

A Convenção n.º 189 sobre Trabalho Digno para Trabalhadores Domésticos da Organização Internacional do Trabalho, que foi adotada em 2011 e entrou em vigor a 5 de setembro, define que os Estados que a ratificam têm de tomar medidas para assegurar condições de trabalho dignas e com direitos sociais, prevenindo o abuso, a violência e o trabalho infantil no trabalho doméstico.

A Comissão Europeia apresentou, a 21 de março de 2013, uma proposta de decisão do Conselho que autoriza os Estados-¬Membros a ratificar a Convenção (COM (2013) 0152), autorização essa que é necessária uma vez que a Convenção contém aspetos que são da competência da UE.

É de salientar que vários países, nomeadamente países de origem dos fluxos migratórios, ratificaram já a Convenção: Uruguai (6/2012), Filipinas (9/2012), Maurícias (9/2012), Nicarágua (1/2013), Bolívia (4/2013), Paraguai (5/2013), África do Sul (6/2013), Guiana (8/2013), Equador (12/2013). Também na UE, alguns países já avançaram para a ratificação da Convenção, nomeadamente a Itália (1/2013) e a Alemanha (9/2013), e dois outros países têm a intenção de o fazer brevemente - Bélgica e Espanha. Na América Latina, países como a Argentina, o Brasil, a Colômbia, a Costa Rica e República Dominicana também já manifestaram a sua vontade de assinar este texto.

Os dados do Eurostat estimam que existam 2,6 milhões de trabalhadores domésticos na UE, 89 % dos quais são mulheres e metade deles migrantes. A nível mundial mais de 80% do trabalho doméstico é realizado por mulheres. É um dos trabalhos mais desprotegidos, desvalorizados e invisíveis, tendo em conta o seu caráter "isolado", inseguro e individual. Assim, é muitas vezes difícil para os trabalhadores domésticos informarem-se acerca dos seus direitos, organizarem-se em associações e sindicatos representativos dos seus interesses e, desta forma, sentirem-se mais protegidos na reivindicação dos seus direitos laborais e sociais.

Em vários países da UE, o trabalho doméstico caracteriza-se pela precariedade, pela ausência de contrato de trabalho, pelo atraso no pagamento dos salários, pela exigência de realização de horas extraordinárias sem a devida remuneração, pelo desrespeito pelo direito às folgas e descansos, pelo não pagamento de feriados e férias, pela ausência de pagamentos à Segurança Social, entre outros.

A Convenção n.º 189 da OIT obriga à proteção dos trabalhadores domésticos que, sendo muitas vezes mulheres e mulheres migrantes, se encontram em situações de grande vulnerabilidade, sendo, frequentemente, vítimas de discriminação e de diversos tipos de abusos que configuram atentados graves contra os Direitos Humanos.

A Convenção estabelece que a sua ratificação não deve afetar disposições mais favoráveis que sejam aplicáveis aos direitos dos trabalhadores domésticos (Artigo 19.º).

O artigo 8.º da Convenção refere-se à proteção dos trabalhadores migrantes e estabelece a necessidade de existir um contrato ou proposta de trabalho por escrito da entidade empregadora antes de o trabalhador entrar no país de acolhimento. Nos termos do n.º 2 da Convenção, esta obrigação não se aplica às zonas de integração económica regional, não existindo, assim, incompatibilidade entre a Convenção e o princípio da liberdade de circulação na UE. Sabemos, no entanto, que existe tráfico de seres humanos e, nomeadamente, tráfico de mulheres, não só de países terceiros para a UE, mas também entre países da UE. Assim, assegurar especial atenção à fiscalização dos contratos efetuados, nomeadamente pelas agências de emprego privadas que contratam pessoas de outros países para trabalhar como trabalhadores domésticos (tal como referido no ponto 26.2 da Recomendação n.º 201 associada à Convenção em apreço).

O ponto 20 da Recomendação chama a atenção para que sejam criadas condições para o pagamento das prestações à Segurança Social, em particular no caso dos trabalhadores domésticos que trabalham para múltiplos empregadores e que são pagos, normalmente, à hora ou por dia de trabalho. De facto, estes trabalhadores encontram-se em situação de ainda maior fragilidade. Importa por isso assegurar que estes trabalhadores não beneficiem de menos proteção social e laboral que os demais trabalhadores, nomeadamente, que os empregadores efetuam os descontos respetivos para a Segurança Social. Em relação às remunerações, é importante assegurar que os seus salários sejam correspondentes, no mínimo, aos salários mínimos nacionais consagrados legalmente nos sistemas nacionais, tal como estipulado na Convenção.

As políticas que exercem pressão sobre os salários e os direitos laborais dos trabalhadores em geral refletem-se, de forma mais gravosa e negativa, nas condições de trabalho de trabalhadores mais desprotegidos, como é o caso dos trabalhadores domésticos. A aplicação de políticas de flexibilização das relações laborais – facilitação de despedimentos, diminuição dos salários e pensões, descapitalização dos regimes de segurança social, legalização dos contratos precários, aumento do horário de trabalho, falsa utilização do «trabalho independente» para funções permanentes, desvalorização dos contratos coletivos de trabalho, entre outras – são incontestavelmente contraditórias com os princípios de proteção do trabalhador implícito nesta Convenção. Assim, a revogação destas políticas é fundamental e necessária para a consecução coerente dos princípios de defesa dos direitos dos trabalhadores consignados nesta Convenção.

Assim, a Assembleia da República, nos termos regimentais e constitucionais em vigor, recomenda ao Governo que:

1. Ratifique a Convenção n.º 189, sobre Trabalho Digno para Trabalhadores Domésticos, da Organização Internacional do Trabalho, que visa que os Estados adotem medidas para assegurar condições de trabalho dignas e com direitos sociais, prevenindo o abuso, a violência e o trabalho infantil no trabalho doméstico.
2. Adote ainda as medidas constantes da Recomendação n.º 201, da Organização Internacional do Trabalho, sobre o Trabalho Doméstico Digno para os Trabalhadores Domésticos.
3. Que proceda no cumprimento desta Convenção:
a. Ao desenvolvimento da definição de trabalho doméstico e de trabalhador doméstico, densificando o seu conceito;
b. À definição, com clareza suficiente, do seu âmbito de aplicação, ouvindo para o efeito e sendo caso disso, as organizações mais representativas de trabalhadores e empregadores, assim como as organizações que representem trabalhadores domésticos e empregadores dos trabalhadores domésticos, caso existam;
c. À adoção de todas as medidas para assegurar a efetiva promoção e proteção dos direitos humanos de todos os trabalhadores domésticos;
d. Na adoção das medidas de execução, respeito e promoção dos direitos à liberdade de associação, à liberdade sindical, à negociação coletiva, bem como a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, a erradicação do trabalho infantil e da discriminação em matéria de emprego e profissão;
e. Ao estabelecimento, como idade mínima para a prestação de trabalho doméstico, a idade mínima para a prestação de trabalho em geral, ou seja, 16 anos;
f. Ao assumir de medidas adequadas para que os trabalhadores com idade compreendida entre 16 e 18 anos não vejam prejudicada a frequência da educação obrigatória, nem vejam comprometido o seu ingresso no ensino superior ou em formação profissional;
g. À implementação de todas as medidas necessárias a erradicar todas as formas de abuso, assédio e violência;
h. À emissão de normas que assegurem que, residindo o trabalhador no domicílio onde presta o seu trabalho, são garantidas condições de vida dignas e que é garantida a sua privacidade;
i. À adoção de medidas que permitam garantir que o trabalhador doméstico tem acesso efetivo a todas as informações sobre as condições de prestação de trabalho, devendo estas ser apresentadas por meio de contrato escrito ou acordos coletivos, de forma clara, verificável e compreensível e contendo, nomeadamente, o(s) endereço(s) onde deve ser prestado o trabalho, a duração do contrato, o tipo de trabalho a ser executado, a remuneração (incluindo a sua forma de cálculo e a sua periodicidade), o horário de trabalho, as férias anuais remuneradas e os períodos diários e semanais de descanso, as condições que regulam a cessação da relação laboral (incluindo o prazo de aviso prévio) e, quando for esse o caso, o período de experiência, as condições de repatriação ou a provisão de alimentação e alojamento;
j. À determinação de regras que garantam a igualdade de tratamento entre os trabalhadores domésticos e os trabalhadores em geral, nomeadamente no que toca à compensação por trabalho suplementar, aos períodos de descanso diário e semanal, ao regime das férias anuais remuneradas, no acesso a mecanismos de resolução de conflitos, em conformidade com a legislação nacional, bem como assegurar que estes beneficiam de condições idênticas de proteção da segurança social, inclusive no que diz respeito à maternidade/paternidade;
k. À definição de um salário mínimo, pago aos trabalhadores domésticos sem discriminação em relação ao sexo;
l. À adoção de todas as medidas necessárias a assegurar a segurança e a saúde no trabalho dos trabalhadores domésticos;
m. À regulamentação do funcionamento das agências privadas de emprego que contratam ou colocam este tipo de trabalhadores, nomeadamente prevendo mecanismos de queixa e denúncia em situações de abusos ou práticas fraudulentas, prevendo, quando se imponha, sanções para o incumprimento das obrigações legais;
n. Ao estabelecimento de medidas que assegurem que as taxas cobradas pelas agências privadas de emprego não são deduzidas da remuneração dos trabalhadores domésticos;
o. Dada a especificidade do trabalho doméstico ser realizado nos domicílios, devem ser definidas as condições de acesso da inspeção do trabalho, salvaguardando o direito à privacidade do domicílio ao mesmo tempo que se garante o cumprimento dos direitos laborais, em particular na saúde e segurança no trabalho.
4. No que toca à aplicação das medidas decorrentes da ratificação desta Convenção aos trabalhadores migrantes, o Governo deve estabelecer medidas que:
a. Assegurem que os trabalhadores domésticos que residam fora do território nacional, recebem uma proposta de emprego por escrito ou contrato de trabalho, que sejam válidos em Portugal, antes de entrarem no país;
b. Visem promover a cooperação com outros Estados, de forma a garantir a efetiva aplicação das disposições presentes na Convenção;
c. Promovam a emissão de normas legais que prevejam as condições segundo as quais estes trabalhadores terão direito à repatriação;

Assembleia da República, em 13 de maio de 2014

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