Projecto de Resolução N.º 1015/XII/3.ª

Recomenda ao governo que, mantendo o Museu Militar do Porto, identifique os percursos e salas usadas pela PIDE e promova a justa homenagem a quem passou pelo edifício do heroísmo e aí resistiu ao fascismo

Recomenda ao governo que, mantendo o Museu Militar do Porto, identifique os percursos e salas usadas pela PIDE e promova a justa homenagem a quem passou pelo edifício do heroísmo e aí resistiu ao fascismo

Muitos foram torturados, muitos foram sujeitos a tratamentos humilhantes e degradantes, houve mesmo quem tenha sido assassinado no edifício do Heroísmo, mas todos os que resistiram ao fascismo são heróis nacionais que não podem ser esquecidos e devem ser justamente homenageados.
A população da cidade e do distrito do Porto desempenhou um importante papel na luta contra o fascismo. Desde o primeiro levantamento de monta (03/02/1927) que se saldou em 200 portuense assassinados, na sua maioria civis, abatidos a tiro de canhão até às gigantescas manifestações contra o regime fascista como a celebração da Vitória dos Aliados (1945), o comício de apoio ao general Norton de Matos (1949), a receção ao general Humberto Delgado (1958), que entre muitas outras lutas, abalaram o regime.
Assim, não é de estranhar que logo em 1930, o regime fascista tenha criado no Porto um centro de "vigilância" e repressão.
O edifício escolhido para a sede da PIDE foi o n. 329 na rua do Heroísmo, na cidade do Porto. No edifício do Heroísmo, como era conhecido, e de acordo com os registos existentes, até ao 25 de Abril de 1974 foram presas, interrogadas e torturadas cerca de 7.600 pessoas, informação obtida através de investigação prolongada, feita por um quadro da URAP, nos Arquivos da Torre do Tombo. Além de detenções arbitrárias, a tortura do sono, tortura físicas e psicológicas, dois presos foram assassinados no próprio edifício. Joaquim Lemos de Oliveira, barbeiro, de Fafe e Manuel da Silva Júnior, operário de Viana do Castelo foram brutalmente assassinados pelos carrascos da PIDE depois de horas de tortura.
Com o 25 de Abril de 1974, o povo conquistou a liberdade e o edifício do Heroísmo foi libertado dos carrascos da PIDE. Nessa altura, o edifício ficou sob a tutela do Ministério do Exército que, em 1977, e depois da demolição de parte das instalações, decidiu ali instalar o Museu Militar do Porto.
Na década de oitenta, foram várias as diligências no sentido de proceder à classificação do edifício como de interesse público a fim de impedir a sua destruição, alienação ou descaracterização.
Também já há várias décadas, o núcleo do Porto da União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP) luta para que este edifício seja um espaço de memória e de evocação da luta da resistência antifascista, protagonizada por tantos dos que ali sofreram torturas e interrogatórios dos carrascos da PIDE.
Em abril de 2004, nos 30 anos da Revolução do 25 de Abril, o Governo Civil do Porto colocou numa das paredes exteriores do edifício do Heroísmo uma placa com a seguinte inscrição "Homenagem do Povo do Porto - Aos Democratas e Antifascistas que neste edifício foram humilhados e torturados pela PIDE-DGS".
Ainda assim, natural e justamente insatisfeita, a URAP assumiu a defesa daquele edifício como símbolo de resistência, de coragem, de denúncia e como espaço de pedagogia cívica. Assim, e com a anuência de várias Direções do Museu Militar, organizaram-se visitas guiadas, promoveram-se exposições de livros, palestras e sessões cinematográficas sempre em torno do fascismo, os seus resistentes e a urgência de não deixar o fascismo cair no esquecimento ou permitir o seu branqueamento.
Contudo, as recordações daquele edifício, exigem, sem colidir com o espólio museológico e exposição existente, que se introduza uma sinalética nas salas, nos corredores, nas escadarias e nas celas, bem com a identificação do percurso que os presos percorriam.
Assim, e já em 2009 a URAP apresenta um projeto, da autoria do arquiteto Mário Mesquita, de reconhecido mérito que, além de não ter grandes custos, não colidia com as exposições existentes no Museu Militar e que previa não só a criação de um percurso expositivo, mas o recurso a fontes documentais (normas de serviços, entrevistas a presos políticos, registo geral dos presos, bibliografias com memórias, fotografias, e entre outros gravações áudio e vídeo).
Com o título de "Do Heroísmo à Firmeza - Percurso na memória da casa da Pide no Porto - 1934-1974" este projeto, que se anexa a este projeto de resolução, teve a adesão imediata da Direção Geral dos Arquivos (Torre do Tombo) e foi apresentado ao Diretor do Museu Militar e seus superiores hierárquicos.
Contudo, entre 2009 e 2012, devido a várias mudanças na Direção do Museu Militar do Porto e na hierarquia militar, a decisão sobre o projeto foi sendo sucessivamente adiada.
Enquanto aguardavam decisão final, e com a devida autorização, a 28 de Abril de 2012 a URAP faz a apresentação pública do projeto no edifício do Heroísmo.
Contudo, e inexplicavelmente, em 2013 foi transmitida, por via da direção do Museu Militar, o despacho que reverte todo este processo e impede a concretização deste projeto no Museu Militar do Porto.
Importa referir mais uma vez que este projeto não colide com o Museu Militar do Porto e a sua exposição permanente, antes pelo contrário. Com este projeto é possível valorizar o Museu Militar, trazer novos públicos e assim dinamizar o próprio Museu.
Num requerimento apresentado em 2008 ao Chefe de Estado-Maior do Exército, os subscritores (Arnaldo Mesquita - advogado e ex preso político; César Príncipe - escritor e jornalista; Guimarães Dias - juiz conselheiro jubilado; Maria José Ribeiro - profissional de seguros e ex presa política; Óscar Lopes - professor Catedrático e ex preso político; Papiniano Carlos- escritor e ex preso político e Viale Moutinho - escritor e jornalista) diziam em representação da URAP que "considerámos compatível manter a presente orgânica e o seu espólio, salvaguardando os vestígios históricos. Deste modo, não apenas se cumpriria uma obrigação moral como se enriqueceria a vivência do espaço, que passaria a oferecer duas leituras museológicas."
Na verdade, neste espaço físico estão contidas várias camadas de leitura do passado político e da vida dos portuenses, torna-las públicas não é só um tributo é também deixar um testemunho do seu contributo para a democracia.
Para o PCP, o edifício do Heroísmo é um símbolo do fascismo e o justo e merecido local para uma homenagem aos que lá estiveram e resistiram para construir no nosso país o 25 de Abril e o seu projeto emancipador de liberdade, progresso e desenvolvimento social.
Homenagear, recordar as vítimas do fascismo é um imperativo, é uma obrigação de um país que não pode esquecer as atrocidades cometidas pelo fascismo.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa, a Assembleia da República resolve recomendar ao Governo:
1.º A implementação de um projeto museológico, que mantendo o atual, permita no Museu Militar do Porto homenagear os resistentes ao fascismo, identificar os percursos e os espaços usados pela PIDE e expor documentos relacionados com os presos políticos e a resistência ao fascismo.
2.º Que, para a implementação desse projeto, seja ouvida a URAP, núcleo do Porto, para que sejam recolhidos os contributos e testemunhos de quem lutou, resistiu e sobreviveu à passagem pelo edifício do Heroísmo.

Assembleia da República, em 10 de abril de 2014

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