Projecto de Resolução N.º 553/XII-2.ª

Recomenda ao Governo que garanta o financiamento capaz de permitir a concretização da programação cultural da Casa da Música

Recomenda ao Governo que garanta o financiamento capaz de permitir a concretização da programação cultural da Casa da Música

Constituindo elemento central do conjunto de intervenções programadas no âmbito do “Porto Capital Europeia da Cultura 2001”, o projeto de Rem Koolhaas para a Casa da Música arrancou em meados de 1999 num terreno outrora ocupado pela antiga estação de carros elétricos da cidade, e, não obstante ter sido inaugurado só em Abril de 2005, desde logo se impôs como ícone referencial na arquitetura mundial.

A Casa da Música provocou uma profunda – embora já esperada - transformação na vida cultural e musical, pela oferta de produção própria que passou a disponibilizar (Remix Ensemble, Orquestra Barroca, Coro Casa da Música), pela oferta de produção externa que passou a viabilizar, pela dinamização de áreas educativa e editorial, e, ainda, pela plena integração da Orquestra Sinfónica do Porto.

O edifício da Casa da Música é hoje – segundo números recentemente divulgados - o local do Porto mais procurado por escolas e visitantes, nacionais e estrangeiros, superando mesmo os números de Serralves, ultrapassando nos dois últimos anos o meio milhão de visitas guiadas, isto é, cerca de 40% do total de entradas de público no local concebido para ser a “casa de todas as músicas”.

Em 2006, através do Decreto-Lei n.º18/2006, de 26 de Janeiro, o Governo criou a Fundação Casa da Música, aprovou os respetivos Estatutos e os titulares dos seus órgãos estatutários.

O objetivo então anunciado era criar uma parceria entre o Estado, autarquias e iniciativa privada, para assegurar o desenvolvimento das atividades para as quais tinha sido concebido e construído aquele que era o primeiro edifício em Portugal “exclusivamente dedicado a apresentações públicas de diferentes tipos de música, bem como à formação artística neste domínio, e ao ensaio e aperfeiçoamento de orquestras e de outros agrupamentos residentes e itinerantes”. Para isso, o nº 3 do artigo 3.º deste Decreto-Lei comprometia o Estado com uma prestação financeira anual de 10 milhões de euros, destinada a comparticipar nas despesas de funcionamento da Fundação, montante que poderia ser reduzido “no caso em que esse valor, acumulado com o das receitas, excedesse o montante da despesa prevista orçamentalmente”, e aprovada anualmente pelo Conselho de Fundadores no qual o Estado tem assento privilegiado.

Para além disso, o Governo enunciava, no próprio Decreto-Lei que criou a Fundação Casa da Música, o propósito de criar condições conducentes à integração da Orquestra Nacional do Porto (ONP) na Fundação, visando estabelecer novas sinergias para uma gestão financeira mais racional, dispondo, no n.º 4 do artigo 3.º do mesmo diploma legal, a vontade de prestar uma contribuição financeira específica destinada a essa integração da ONP em “moldes a estabelecer mediante contrato-programa a celebrar entre o Ministério da Cultura e a Fundação Casa da Música”.

Este foi o conjunto de compromissos assumidos pelo Estado para com a Casa da Música e a sua Fundação que, a par das contribuições privadas e das que foram também estabelecidas para o Município do Porto e para a Área Metropolitana do Porto, permitiu, nos anos subsequentes, desenvolver o projeto musical e cultural inovador que esteve na génese da Casa da Música, incluindo a integração da Orquestra Nacional do Porto, hoje Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música.

Não obstante este quadro financeiro claro e que, no mínimo, permitia estabilidade na programação cultural e na gestão patrimonial, administrativa e financeira da Casa da Música, deve notar-se que já no ano de 2011 se verificaram reduções nas prestações financeiras do Estado à Casa da Música. Na realidade, o orçamento geral da Casa da Música para 2011 atingiu um valor um pouco acima dos 15 milhões de euros para a cobertura do qual concorreram as receitas gerais, as prestações privadas e autárquicas e uma contribuição de apenas 8,5 milhões de euros da parte do Estado, já bem aquém dos dez milhões previstos no Decreto-Lei n.º 18/2006, de 26 de Janeiro, sem contabilizar a “prestação financeira” devida pela integração da Orquestra Nacional do Porto.

Esta situação agravou-se de forma insustentável no ano de 2012. Tanto assim foi que, perante o anúncio feito, em finais de Novembro, pelo atual titular da Secretaria de Estado da Cultura, de também fazer aplicar à Casa da Música o corte genérico de 30% previsto no Orçamento do Estado para 2013, o Conselho de Administração da Casa da Música, que em Abril passado tinha sido reconduzido pelo Conselho de Fundadores da Fundação, entendeu dever apresentar a sua demissão em bloco.

A verdade é que esta última decisão anunciada pela Secretaria de Estado da Cultura mostra uma clara indisponibilidade para concretizar compromissos que tinham sido estabelecidos em Novembro de 2011 entre o Governo e a Fundação da Casa da Música, e que, já depois, haviam sido reiterados e confirmados em Abril de 2012.

De facto, na reunião do Conselho de Fundadores realizada em 25 de Novembro de 2011, o então Secretário de Estado reconheceu – e consta da respetiva ata – “que a Fundação Casa da Música depende em menos de 50% do apoio do Estado, pelo que se comprometeu com uma contribuição para a Casa da Música, em 2012, de oito milhões de euros”, para além de, na mesma ocasião, ter também reconhecido a “existência de uma dívida anterior, relacionada com pagamentos efetuados pela Fundação Casa da Música, por conta do antigo Ministério da Cultura, aos músicos da Orquestra Nacional do Porto, hoje Orquestra Sinfónica do Porto, que remonta à altura da sua integração na Fundação”, comprometendo-se a protocolar essa transferência e a viabilizá-la já no início do ano de 2012.

Não obstante a existência de um acordo fundacional estabelecido em 2006, este compromisso surgiu para, nas palavras do Presidente demissionário do Conselho de Administração da Fundação Casa da Música, “face à atual conjuntura, acomodar uma redução não prevista e suplementar de 20% sobre o financiamento inicialmente assegurado de dez milhões de euros”.
As bases deste acordo foram confirmadas em 26 de Abril de 2012, em nova reunião do Conselho de Fundadores da Fundação Casa da Música, na qual o então Secretário de Estado da Cultura reiterou – também consta da respetiva ata – que o corte será “apenas de 20%, atendendo ao compromisso de liquidar uma dívida antiga que existia da Cultura para com a Casa da Música, relacionada com a integração da ONP na Fundação”. Mais garantiu então esse membro do Governo “a manutenção para o ano de 2012 e 2013 da dotação de 8 milhões de euros, acreditando que com o fim do período de emergência será possível regressar a valores mais confortáveis, ou seja, regressar aquilo que a Administração e o Conselho de Fundadores consideram mais adequados ao cumprimento do papel da Casa da Música”. Nessa reunião, o Secretário de Estado da Cultura referiu em síntese que “apesar de no próximo ano a Secretaria de Estado da Cultura sofrer mais um pequeno corte no seu orçamento, manterá a mesma dotação à Casa da Música em 2012 e 2013 e em 2014 tentarão, por escala, regressar no mais curto espaço possível à dotação inicial”.

Ora, o Governo rompeu este compromisso acordado e confirmado com a Fundação Casa da Música quando, através do atual titular da Secretaria de Estado da Cultura, informou o Conselho de Administração da Casa da Música, em reunião havida em 30 de Novembro passado, que, tal como dispunha o Orçamento do Estado aprovado para 2013, a Casa da Música iria sofrer um corte de 30% na contribuição do Estado para a atividade programada para 2013, isto é, iria sofrer um corte suplementar de um milhão de euros. Mais disse então o Secretário de Estado da Cultura que esse mesmo corte adicional iria igualmente atingir a Fundação no ano de 2012!

Sublinhe-se que o acordo com a Casa da Música, confirmado em Abril de 2012, não foi caso único em Portugal já que, para todos os efeitos, é financeiramente idêntico ao que foi estabelecido entre a mesma Secretaria de Estado da Cultura e o Centro Cultural de Belém, instituição que viu também diminuídas as respetivas dotações financeiras estatais em 20%. Aliás, e de uma forma não totalmente explícita, o Governo pretende justificar os termos deste acordo com o Centro Cultural de Belém – que aparentemente são mantidos pelo atual titular da SEC - com o facto de lá estar instalada a Coleção Berardo, esquecendo-se completamente o facto da Fundação Casa da Música ter no seu seio a atual Orquestra Sinfónica do Porto.

Entretanto, a Casa da Música tinha, já durante o mês de Novembro, apresentado a programação para o ano de 2013 com base no cenário de corte acordado com o Estado em Abril. Neste quadro, a Fundação terá que se socorrer dos fundos da Fundação que ficarão “quase esgotados” e que, naturalmente, colocará em risco a saúde financeira e administrativa da Casa da Música num futuro próximo.

A reação e indignação perante esta decisão do Governo, que provocou a demissão do Conselho de Administração da Fundação Casa da Música e que compromete a sustentabilidade económica do projeto e da atividade cultural da Casa da Música, foi imediata e generalizada.

Logo a 18 de Dezembro, em audição do Secretário de Estado da Cultura realizada a pedido do Partido Comunista Português, na Comissão Parlamentar de Educação e Cultura, a questão foi levantada. A aparente ausência de conhecimento integral do Dr. Jorge Barreto Xavier sobre o dossiê Casa da Música e os contornos do compromisso assumido pela Secretaria de Estado da Cultura com a Fundação motivou uma nova iniciativa do PCP, desta feita sob a forma de pergunta, que remetia cópia da parte relevante das atas do Conselho de Fundadores que evidencia a existência de compromissos firmes e reiterados do Governo para com a Fundação Casa da Música, e onde se reclamava também a revisão da decisão anunciada em finais de Novembro e a manutenção dos compromissos estabelecidos em Abril de 2012 com incidência nos anos de 2012 e 2013.

Também no plano internacional a reação das principais redes de que a Casa da Música faz parte – a Varèse (rede europeia destinada a promover e divulgar novas criações) e a ECHO (European Concert Hall Organization) – mostraram a sua perplexidade face a esta inusitada decisão do Governo, instando as autoridades nacionais a reverem a sua decisão pelo impacto negativo que estes cortes orçamentais podem provocar num projeto “indispensável ao desenvolvimento cultural português”.

Torna-se assim urgente e inadiável rever a decisão de cortar em 30% os financiamentos do Estado à Fundação Casa da Música, anunciada recentemente pela Secretaria de Estado da Cultura. Por isso, e tendo em atenção as disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, a Assembleia da República recomenda ao Governo que:

1. Garanta que as prestações financeiras do Estado à Casa da Música, nos anos de 2012 e de 2013, não sejam inferiores a oito milhões de euros anuais.

2. Garanta o pleno cumprimento do acordo estabelecido em 26 de Abril de 2012 entre a Secretaria de Estado da Cultura e o Conselho de Fundadores da Fundação Casa da Música, assegurando a sustentabilidade económica e a programação e atividades culturais da Casa da Música.

Assembleia da República, em 27 de Dezembro de 2012

  • Cultura
  • Assembleia da República
  • Projectos de Resolução