Exposição de motivos
I
O Plano de Vacinação contra a Covid 19 definiu a vacinação da população de forma faseada, dando prioridade à vacinação de pessoas em função de critérios clínicos e que garantam o funcionamento, por exemplo de serviços de saúde.
Assim, na 1ª fase, prevista para decorrer até março de 2021, podendo arrastar-se até abril num cenário mais pessimista, serão vacinados os profissionais de saúde; os utentes e os trabalhadores das estruturas residenciais para pessoas idosas e das unidades de cuidados continuados integrados; as pessoas com mais de 50 anos com uma das seguintes doenças: insuficiência cardíaca, doença coronária, insuficiência renal, doença pulmonar obstrutiva crónica ou doença crónica sob suporte ventilatório e/ou oxigenoterapia de longa duração; os profissionais das forças armadas, forças de segurança e serviços críticos, e na sequência da atualização do Plano de Vacinação passou a incluir também os idosos com mais de 80 anos.
A 2.ª fase, a decorrer entre março/abril e junho/julho, prevê a vacinação das pessoas com mais de 65 anos com ou sem patologias associadas e de pessoas entre os 50 e os 64 anos com diabetes, neoplasia maligna ativa, doença renal crónica, insuficiência hepática, obesidade e hipertensão arterial. Na 3ª fase está previsto a vacinação da restante população.
De acordo com a atualização do Plano de Vacinação contra a Covid 19, a 28 de janeiro de 2021, estima-se que até março terão a vacinação completa 811.000 pessoas e 520.000 pessoas com a primeira toma. Isto significa que das prioridades definidas para a 1ª fase de vacinação, que abrange 1.621.000 pessoas, 290.000 pessoas não terão tomado sequer a 1ª dose da vacina e 520.000 tomaram somente a 1ª dose.
Segundo os dados disponibilizados pelo Infarmed, houve uma atualização do fornecimento previsto de vacinas no 1º trimestre de 2021, reduzindo de 4,4 milhões de vacinas para 2,5 milhões de vacinas. Mesmo que sejam fornecidas as 2,5 milhões de vacinas, não é suficiente para vacinar as pessoas que integram as prioridades definidas para a 1ª fase.
Mesmo assim não há garantias do cumprimento destes fornecimentos pela indústria farmacêutica. Os primeiros meses de vacinação ficaram marcados pelos sucessivos atrasos e incumprimentos nos fornecimentos de vacinas previamente acordados, tendo como consequência óbvia o atraso na concretização do Plano de Vacinação. Ainda recentemente a Astrazeneca anunciou que iria reduzir o fornecimento de vacinas, o que claramente compromete o objetivo de vacinar nos tempos delineados.
Até ao final do mês de fevereiro de acordo com os dados que constam no Portal do SNS, em Portugal 868.951 vacinas, das quais 603.585 correspondem a primeiras doses e 265.266 a segundas doses.
De acordo com o segundo Relatório de Vacinação publicado pela DGS, referente ao período até 21 de fevereiro de 2021, há 433.475 pessoas vacinadas com a 1ª dose e 248.708 pessoas vacinadas com a 2ª dose. Até esta data, o País tinha recebido 830.730 vacinas no total.
II
A vacinação da população contra a covid 19 assume uma maior relevância no combate à epidemia que enfrentamos e na proteção da saúde da população.
Até ao momento, o País apenas recebeu vacinas da BioTech/Pfizer, da Moderna e da Oxford/Astrazeneca. O facto da vacina da Astrazeneca não ser recomendada para pessoas com mais de 65 anos, constitui também um constrangimento na implementação do Plano de Vacinação contra a Covid 19 e que exige a procura de soluções para acelerar a vacinação.
As vacinas que Portugal espera receber resultam dos acordos estabelecidos entre a União Europeia e seis empresas multinacionais da área do medicamento. Contudo constatámos nestas últimas semanas inúmeros atrasos no fornecimento das vacinas, redução da produção, ou a distribuição desequilibrada das vacinas entre países. Segundo os dados da ECDC, a 1 de março de 2021, Portugal é o 12º país da União Europeu que menos vacinas recebeu por habitante. Até ao momento Portugal recebeu 11,2 vacinas por 100 habitantes, mas há países que receberam mais vacinas por habitante, como são exemplo os Países Baixos que recebeu 17,1 vacinas por 100 habitantes ou a Dinamarca que recebeu 13,7 por 100 habitantes
Perante uma emergência de saúde pública, mais uma vez a indústria farmacêutica revela que o que verdadeiramente importa não é a proteção da saúde, mas a oportunidade de maximização do lucro e o negócio. Só isso explica que tenham sido vendidas vacinas a Israel, a um preço mais elevado, resultando em atrasos e incumprimentos de outros compromissos assumidos.
Os acordos estabelecidos entre as empresas farmacêuticas e a Comissão Europeia dão enormes garantias às empresas. Na “Estratégia da EU para as vacinas contra a Covid 19” de junho de 2020, deixa bem evidente que as empresas não estão a suportar qualquer risco e que as vacinas estão a ser desenvolvidas com recursos públicos, quando refere que:
“A fim de ajudar as empresas a desenvolverem e produzirem rapidamente uma vacina, a Comissão vai celebrar acordos com cada produtor de vacinas em nome dos Estados-Membros. A troco do direito de adquirir um determinado número de doses de vacinas num determinado prazo e a um determinado preço, parte dos custos iniciais suportados pelos produtores de vacinas serão financiados pelo IAE (Instrumento de Apoio de Emergência) através de acordos prévios de aquisição.
Esses acordos serão negociados com cada empresa consoante as suas necessidades específicas, e com o objetivo de apoiar e garantir um fornecimento adequado de vacinas. Graças a estes acordos será possível reduzir os riscos inerentes à realização dos investimentos necessários para desenvolver vacinas e efetuar ensaios clínicos, bem como à preparação da capacidade de produção em grande escala ao longo de toda a cadeia de produção de vacinas, necessária para uma disponibilização rápida de doses suficientes de uma eventual vacina na EU e a nível mundial.”
Acrescenta ainda que: “O quadro proposto constitui, por conseguinte, uma apólice de seguro que transfere uma parte dos riscos da indústria para as autoridades públicas”.
Para além do pagamento pela compra da vacina, a Comissão está também a suportar o pagamento pelo desenvolvimento da vacina, o que é extremamente vantajoso para qualquer empresa.
Mesmo neste quadro, as empresas multinacionais não estão a cumprir com o acordado com a União Europeia.
III
Ao longo de décadas, a vacinação permitiu melhorar de forma significativa a saúde dos cidadãos e das comunidades. Foi a vacinação que possibilitou a erradicação de diversas doenças. Por exemplo em Portugal, a vacinação foi a responsável pela erradicação da rubéola, da varíola ou da poliomielite.
No combate à epidemia da covid 19 a vacinação assume uma importância estratégica. Diversos especialistas têm alertado para a necessidade de acelerar a vacinação, de forma a proteger a população rapidamente. Para isso é necessário assegurar um maior fornecimento de vacinas ao nosso país, pois sem mais vacinas, não é possível acelerar a vacinação da população, dando prioridade obviamente às pessoas que integram os grupos de risco e que asseguram o funcionamento de serviços de saúde ou que prestam socorro às populações, como os bombeiros.
Portugal não pode ficar amarrado aos acordos da União Europeia com as empresas farmacêuticas e deve diversificar a compra de vacinas junto de outros países ou de outras empresas farmacêuticas, havendo inúmeras vacinas a serem desenvolvidas pelo mundo importa não ficar dependente apenas de uma cadeia de abastecimento.
Na Organização Mundial de Saúde (OMS) estão neste momento registadas 15 vacinas no âmbito do Procedimento de Listagem de Uso de Emergência da OMS/pré-qualificação, um processo que possibilita o uso de emergência da vacina, assente em critérios de qualidade e segurança e que acompanha a evolução do desenvolvimento das vacinas.
O Governo Português tem de assumir a decisão soberana de aquisição de vacinas noutros países, garantindo assim a mais rápida universalidade de acesso dos portugueses à vacinação.
Apesar da Presidente da Comissão Europeia ir repetindo que a vacinação deve ser coordenada pela Comissão Europeia e que os Estados-Membros devem abster-se de tomar diligências unilaterais, há já países que integram a União Europeia que ponderam adquirir vacinas fora dos acordos estabelecidos pela União Europeia, como a Alemanha, que já procedeu a uma aquisição unilateral de vacinas à Moderna e está a ponderar adquirir vacinas desenvolvidas pela Rússia e pela China para acelerar a vacinação da população contra a covid 19.
IV
O acesso à vacinação tem de ser inscrito como objetivo essencial, não sujeito a políticas de racionamento e aos interesses das grandes farmacêuticas multinacionais, que querem ter o monopólio do negócio. Portanto o país não pode aceitar que os interesses egoístas dessas grandes farmacêuticas prevaleçam sobre o direito à saúde e à vida das populações.
Nada justifica que o Governo português fique condicionado a adquirir vacinas fora do quadro das empresas já aprovadas pela União Europeia e limitado aos seus restritos contingentes. O Governo deve assumir a opção soberana de diversificação da aquisição de vacinas, desenvolvendo desde já contactos neste sentido, com o objetivo de acelerar a vacinação.
A vacina é um bem público, desenvolvida com financiamento público e que contou com a contribuição de milhares de investigadores, de profissionais de saúde e de doentes por todo o mundo para que fosse uma realidade, por isso não pode apenas servir para as farmacêuticas aumentarem os seus lucros, sobretudo num contexto da epidemia, quando a questão prioritária que se coloca é a saúde das populações. Entendemos que as patentes devem ser libertadas de forma a alargar a produção e a disponibilização de vacinas para que a vacinação da população a nível mundial seja mais célere.
Ainda a 26 de fevereiro de 2021, o Director-Geral da OMS defendia a isenção de direitos de propriedade intelectual para vacinas contra a Covid-19, afirmando que se deveria usar « "todas as ferramentas" para aumentar a produção de vacinas contra a covid-19, incluindo a transferência de tecnologia e a isenção de direitos de propriedade intelectual.» Estas declarações surgem depois de já ter sido feito um apelo pela OMS à indústria farmacêutica para partilhar a tecnologia.
Considerando a importância de dar concretização ao Plano de Vacinação contra a Covid 19 e de inclusivamente acelerar a vacinação da população, o PCP propõe através da presente iniciativa que o Governo procure adquirir vacinas a partir de soluções alternativas autorizadas pela Organização Mundial de Saúde, e que possa ter uma intervenção mais ampla e contribuir para ao aumento da produção e fornecimento de vacinas.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, considera que a execução do Plano de Vacinação contra a Covid 19 e que a aceleração da vacinação da população, assumem uma particular relevância no combate à epidemia do SARS-CoV-2 e na proteção da saúde de todos os cidadãos, e recomenda ao Governo que tome as seguintes medidas:
- Que no quadro da sua opção soberana, inicie diligências com o objetivo de diversificar a aquisição de vacinas, junto de países e/ou de empresas farmacêuticas que desenvolveram vacinas contra a Covid 19, reconhecidas pela Organização Mundial de Saúde, e que o procedimento com vista à autorização de introdução do mercado seja desenvolvido pelo Infarmed, para permitir ao País que disponha de mais vacinas e que concretize a vacinação de forma mais célere, garantindo assim a proteção da população;
- Que intervenha no âmbito da Organização Mundial de Saúde e das Nações Unidas, com o objetivo de suspender a validade das patentes das vacinas contra a Covid 19, considerando que a vacina é um bem que deve estar ao serviço do interesse público e considerando a sua importância para proteger a saúde da população mundial e combater a epidemia, através da partilha da tecnologia que possibilita o alargamento da produção de vacinas e o aumento do fornecimento de vacinas aos Estados.
- Que concretize o investimento necessário para a produção de vacinas em Portugal, salvaguardando a nossa soberania e reduzindo a dependência externa numa área estratégica para o futuro.
- Que apoie a investigação nesta área em unidades e centros de investigação públicos, em colaboração com as instituições de ensino superior e o Laboratório Nacional do Medicamento.