Projecto de Resolução N.º 586/XII/2.ª

Recomenda ao Governo a manutenção da Fundação para a Computação Científica Nacional, nos atuais moldes de autonomia, como instituição fundacional sem fins lucrativos

Recomenda ao Governo a manutenção da Fundação para a Computação Científica Nacional, nos atuais moldes de autonomia, como instituição fundacional sem fins lucrativos

Em 1987, a Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica e o Instituto Nacional de Investigação Científica, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil e o Conselho de Reitores das Universidades Portugueses, declararam em Escritura Pública que: “pretendem instituir uma Fundação, com sede em Lisboa, com uma dotação inicial de cento e oitenta milhões de escudos (900 000 euros) e tendo por objeto o desenvolvimento dos meios nacionais de cálculo científico, promovendo a instalação e utilização de meios poderosos de cálculo e a sua articulação com entidades científicas e técnicas utilizadoras, nomeadamente dos sectores, Ensino Superior, Estado e, ainda, Instituições Privadas sem fins lucrativos, Empresas e Organismos públicos ou privados, executando ou fomentando atividades de investigação e desenvolvimento.” Hoje, os dois primeiros fundadores referidos são representados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, Instituto Público.

O advento das comunicações e a crescente importância da computação na investigação e desenvolvimento geraram, como em outros países, o envolvimento direto da comunidade científica na promoção da instalação e utilização dos meios de cálculo e da comunicação entre as entidades que podiam fazer uso dessas tecnologias. A própria rede, hoje profundamente disseminada e assente numa infraestrutura mais vasta, conhece no trabalho da Fundação para a Computação Científica Nacional, então Fundação para o Desenvolvimento dos Meios de Cálculo Científico Nacional, um importante propulsor. A FCCN constituiu-se como a origem da utilização da rede em Portugal, importante para a sua infraestruturação e é hoje ainda o garante da qualidade, eficácia e potência de um conjunto de serviços prestados principalmente à comunidade científica.

Das valências atuais da FCCN, podemos destacar:

Serviços relacionados com a Rede Ciência, Tecnologia e Sociedade, na conectividade e na gestão da infraestrutura e a gestão da infraestrutura de supercomputação “GRID”;

Serviços de arquivo e acervo de vídeo HD, serviço de videoconferência e voice over internet protocol (VoIP) para a comunidade científica, investigadores e instituições;

Agregador de conteúdos multimédia de língua portuguesa, “Zappiens”;

Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP);

Gestão da Biblioteca On-line, b-On;

Arquivo da Web portuguesa;

Resposta a incidentes de segurança informática “CERT.PT”;

Gestão de domínios de topo. PT;

A operação do ponto central de interligação de todas as redes nacionais: o “PIX”;

Denúncia de conteúdos ilegais na rede.

Entre outros serviços que são fundamentais para o funcionamento da infraestrutura de computação científica e cálculo, mas também fundamentais para o acesso e partilha entre investigadores e instituições na rede, bem como – menos conhecido, mas igualmente importante – no domínio da gestão da própria utilização pública da rede, ainda que através de operadores privados.

São várias as questões que se levantam ao introduzir alterações no funcionamento da FCCN, da sua estrutura ou missão. Em primeiro lugar destaca-se a importância da eficácia e competência do prestador de serviços que, sendo uma fundação, constituída como entidade privada sem fins lucrativos, é composta exclusivamente por entidades públicas e tem mostrado prosseguir o interesse público, no âmbito da utilidade que lhe foi reconhecida pelo Estado. Em segundo lugar, coloca-se evidentemente a questão dos custos da utilização e a qualidade do serviço em correlação com esse custo. Sendo a Fundação constituída pela própria comunidade científica – ou parte importante desta – a “apropriação” da sua missão por outra entidade pode afastar a estrutura do seu desígnio fundamental e sacrificar profundamente o desempenho da infraestrutura e do serviço. Por último, mas não menos importante, as funções em causa são de tal ordem importantes e fundamentais para a democracia e própria segurança do Estado e dos Cidadãos que não podem ser pura e simplesmente pulverizadas, alheando a comunidade científica da sua gestão.

A experiência das duas últimas dezenas de anos mostra a importância que teve uma gestão pública não comprometida com os interesses comerciais. Tanto a gestão do espaço de nomes “.pt”, que essencialmente manteve a níveis mínimos a conflitualidade sobre a posse de nomes (que grassa noutros domínios nacionais), assim como na operação do ponto de interconexão das redes nacionais em que o serviço de gestão idóneo e competente que a FCCN sempre prestou, foi capaz de granjear a confiança e respeito dos diversos parceiros envolvidos, condição imprescindível ao funcionamento de uma estrutura tão fundamental na rede digital nacional. A importância estratégica que estes serviços têm para a operação e desenvolvimento das redes de comunicações digitais nacionais, impõem que a sua gestão e operação se mantenham sob o domínio público.

Em causa no processo de extinção da FCCN e suposta integração da sua missão e atribuições na Fundação para a Ciência e Tecnologia I.P. estão, todavia, outras matérias de igual importância: por um lado, não é conhecido o processo e a forma como se desenvolverá na medida em que o Governo apenas refere a incorporação das funções da FCCN na FCT remetendo para futura regulamentação os pormenores; por outro lado é conhecida a gritante incapacidade da FCT para fazer face às suas próprias atribuições em tempo útil e com agilidade, e igualmente conhecida é a sua incapacidade de flexibilizar processos e procedimentos de concursos e contratação. A missão da FCCN não é, de todo, compatível com a estrutura e modo de funcionamento da FCT – inábil e cada vez mais afundada em burocracia – nem pode ser afetada por constrangimentos financeiros como aqueles que são sistematicamente verificados na FCT e para os quais o Orçamento do Estado de 2013 não apresentou solução.

A FCCN tem prestado, de acordo com a avaliação dos próprios utilizadores, um serviço de elevada qualidade e com grande capacidade de resposta para a resolução de problemas, caminhando sempre na vanguarda da inovação tecnológica e assegurando o acesso por parte dos investigadores e instituições aos meios de comunicação e de computação e cálculo necessários. Não sendo enquadrável na FCT tal configuração e atribuição, espera-se, isso sim, que o Governo se prepare para, depois de se apropriar das valências e missões da FCCN, entregar muitas das suas missões a entidades privadas. Além da atratividade evidente da gestão dos domínios de topo .PT, e do potencial valor económico de muitos dos outros serviços da FCCN, releva-se com particular preocupação a questão nacional que se coloca ao criar condições para a privatização dessas valências. Tendo em conta a ideologia dominante na linha política do Governo PSD/CDS, tudo aponta para um esquema de privatização de serviços até aqui prestados pela FCCN, com grande risco para a qualidade e para a própria segurança e soberania do Estado.

Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português propõe a preservação dos serviços da FCCN sob tutela da comunidade científica, particularmente por parte do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e dos Laboratórios do Estado, que deve participar como até aqui na sua gestão. Que o Estado assuma a missão da FCCN não é em si mesma uma medida de retrocesso e pode mesmo constituir um novo patamar da responsabilidade estatal perante a rede e a RCTS. Para isso, é absolutamente determinante a capacitação do Estado para essa missão, pois a sua impreparação será certamente utilizada para justificar “externalizações” e privatizações mais ou menos abertas ou veladas. Por isso mesmo, sem prejuízo de adiante existirem condições para a integração da FCCN na administração direta do Estado, a solução que salvaguarda todas as suas funções e valias, neste momento, é a que passa pela manutenção do seu regime atual. A flexibilidade de gestão, de regimes de contratação e de captação de recursos financeiros são peças determinantes para o sucesso de uma estrutura que se proponha a prosseguir os fins da FCCN.

Nestes termos e ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que:

Assegure o carácter público da gestão e da entidade gestora de todos os conteúdos e serviços hoje relacionados com a missão da Fundação para a Computação Científica Nacional, através da preservação do modelo fundacional sem fins lucrativos, como até aqui se tem verificado.

Assembleia da República, em 23 de janeiro de 2013

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