Projecto de Resolução N.º 369/XII/1ª

Recomenda ao Governo a elaboração de um Plano Estratégico para a Zona de Influência do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva e um conjunto de outras medidas tendentes ao correcto aproveitamento do mesmo

Recomenda ao Governo a elaboração de um Plano Estratégico para a Zona de Influência do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva e um conjunto de outras medidas tendentes ao correcto aproveitamento do mesmo

O Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva, que corresponde ao maior investimento público de sempre na região, constitui uma das mais importantes alavancas para o desenvolvimento do Alentejo.

Entre as suas múltiplas valências merece particular atenção o correto aproveitamento dos cerca de 120 mil hectares dos seus diversos perímetros de rega, que devem contribuir não só para uma produção diversificada e quantitativa e qualitativamente superior, mas também para abrir caminho à implantação no Alentejo das unidades agroindustriais que acrescentem mais-valia aos produtos da região e gerem o emprego que permita a atração e fixação nestas atividades de camadas de agricultores e trabalhadores mais jovens de forma a contrariar o crescente envelhecimento e despovoamento, bem como a estagnação económica que caracteriza a região.

O Alqueva atribui um potencial à região, através da disponibilização de água, que somado à qualidade dos solos, às condições de clima, quer de sol que permite a produção em grande qualidade de alguns produtos, quer de temperatura que permite produzir enquanto a Europa está sob um manto de neve, são vantagens que não podem ser desprezadas.

Alqueva pode e deve contribuir para reduzir o défice agroalimentar e salvaguardar a soberania alimentar do País, aumentar exportações e reanimar o mundo rural na sua zona de influência. Para que tal desígnio seja alcançado impõe-se recuperar atrasos e suprir indefinições, mobilizar recursos, vontades e saberes, assumir responsabilidades. E neste âmbito a tão falada necessidade de reduzir as importações não pode dispensar uma estratégia de identificação de produtos que, passando a ser produzidos em Portugal, contribuam para essa redução. Não obstante as limitações impostas pela nossa integração europeia, que impedem o país de salvaguardar a sua atividade produtiva, a sua autonomia alimentar e muitas vezes até a rentabilidade da sua produção e que consagram o mercado aberto, este imperativo de substituir importação por produção nacional tem de ser conseguido. Mas para isso importa encontrar as estratégias e fazer as reflexões que nos permitam produzir a nossa riqueza e, no caso concreto de Alqueva, limitar potenciais promiscuidades na transferência, venda e rotulagem de produtos que sendo produzidos em Portugal permitam que os ganhos maiores sejam apoderados por países terceiros.

Porque um Alentejo desenvolvido com a ajuda de Alqueva não será possível sem os agricultores, tem de haver a preocupação com a sua formação com o acompanhamento na transformação das suas explorações e com a sua proteção face a estruturas instaladas. A asfixia provocada hoje pela grande distribuição e por alguns setores do comércio tem um efeito nefasto na rentabilidade das explorações. A proteção face a estes constrangimentos é necessária. Como necessário é a promoção do associativismo e do cooperativismo como formas de resistência e de ganho de escala para fazer face as exigências hoje instaladas.

Potenciar o pleno aproveitamento de Alqueva, implica que não se deixe nas mãos dos “mercados” o desenvolvimento integral do projeto. A componente de promoção da utilização da terra infraestruturada e a infraestruturar, não está atribuída a nenhuma entidade. Se a EDIA tem a competência da construção das infraestruturas, não lhe foram atribuídas competências para uma intervenção ativa na promoção do regadio e da utilização da terra. O Alqueva, a região e o país, não se podem permitir que haja quem queira fazer agricultura e não tenha terra e quem tenha terra e não queira fazer agricultura. Não se pode permitir que haja potencial transformador das produções, já instalado e a instalar, e não haja produtos para transformar. E esse é um papel que só o Estado pode desempenhar com a eficácia na garantia da salvaguarda do interesse público que o projeto não pode perder. Porque produzir é necessário. Porque o projeto precisa que a terra seja utilizada.

O Alentejo não pode continuar a ser encarado apenas como uma região fornecedora de matérias-primas baratas e sem valor acrescentado, assim como a terra não pode continuar a ser encarada como um negócio, mas sim como um instrumento de produção que é.

A inexistência de uma estratégia clara que, assente numa correta avaliação dos solos e num adequado ordenamento dos perímetros de rega em questão, permita determinar com rigor a vocação e especialização cultural dos diferentes territórios que irão beneficiar deste importante investimento público, equacionar as melhores opções para a implantação das necessárias agroindústrias e mobilizar as diferentes instituições de ensino para a formação dos indispensáveis recursos humanos, é uma preocupação legítima. Uma estratégia que não deixe de equacionar situações extremas em que o interesse nacional precise da ação do projeto para minorar danos, como, por exemplo, poderia acontecer este ano com a necessidade de produção de alimentação animal.

É fundamental evitar a ocupação dos territórios beneficiados por Alqueva sem critérios estratégicos que inibam a diversificação cultural, a implementação na região das indústrias que transformem e valorizem a produção e a criação de emprego como principal fonte de distribuição de riqueza e garante do desenvolvimento regional que se ambiciona. A diversificação cultural é fundamental como contraponto à monocultura. Esta preocupação com a monocultura, apresentada como ridícula por estar longe de ser realidade por alguns, não é enjeitada por outros. Basta observar aquilo que foi o crescimento das áreas de olival e comparar o preço do azeite hoje relativamente ao valor que tinha quando se iniciou o processo de massificação da oliveira, para perceber que esse risco seria enorme. Apostar toda a potencialidade de Alqueva em apenas uma cultura seria um grave erro estratégico. Ainda mais que para além da produção, Alqueva deve dar resposta a outro grave problema da região e do país – o desemprego. Não só as diferentes culturas não têm o mesmo comportamento face à necessidade de mão-de-obra, como a diversificação é fundamental para aumentar a oferta de trabalho mas também para alargar o período dessa oferta, o que contribuiria claramente para uma maior estabilidade laboral.

Mas Alqueva não apresenta apenas a oportunidade de novas culturas, apresenta também novas e diferentes formas de fazer culturas tradicionais que, face a essa nova realidade, deixam de ser competitivas. Mas muitas vezes o que se ganha em competitividade, em quantidade produzida, perde-se em qualidade. Exemplo claro disso é a dicotomia de produção de azeite de forma e com variedades tradicionais e as novas metodologias e variedades. A necessidade de inovar tem de avançar em paralelo com a necessidade de garantia de qualidade e de proteção àquilo que já produzíamos com grande qualidade.

As novas culturas e os novos procedimentos, nunca experimentados antes na região, implicam muitas vezes a utilização de novos produtos e técnicas agrícolas. A ausência de histórico relativo ao comportamento de culturas, de solos e dos ecossistemas, não dispensam uma monitorização ambiental que se quer eficiente na salvaguarda de um futuro sustentável para a região.

A preocupação com o efetivo aproveitamento, que se pretende tenda para o total, não pode abdicar de parte da sua área ou dos seus agricultores. E aqui não podem ser descurados os pequenos e médios agricultores com o simples argumento de que as suas explorações não têm áreas mínimas que lhe permitam a rentabilidade. Até pela importância que estes sempre tiveram na produção e no abastecimento do mercado interno. É neste contexto que se devem equacionar as terras sobrantes das expropriações, as terras não utilizadas e até áreas de parcelas que vão para além do limite da unidade mínima de rentabilidade, para poder dar viabilidade a parcelas mais pequenas. Neste âmbito devem ser enquadradas medidas que favoreçam o emparcelamento como forma de atingir essa viabilidade, mas também medidas que intervenham na dimensão máxima da propriedade, característica tendencialmente limitadora da funcionalidade e promotora do absentismo. O rejuvenescimento deste subsector da agricultura far-se-á naturalmente assim a sua atividade seja rentável. Mas aos pequenos e médios agricultores acresce ainda outra importância. São eles que melhor dinamizam as economias locais. Tanto na aquisição de produtos como na procura de mão-de-obra, estes agricultores optam por soluções de proximidade o que muitas vezes não acontece nas explorações de grandes dimensões.

É imperiosa uma rápida intervenção do Estado no sentido de pôr cobro à especulação que se continua a verificar com a venda das terras beneficiadas pelo investimento público e se avance com a criação de um banco de terras do Estado que permita o acesso à terra regada sobretudo a jovens agricultores.

É urgente que se definam critérios e responsabilidades que permitam encarar a avaliação e acompanhamento dos projetos agrícolas e industriais a implantar nas zonas dos perímetros em causa de uma forma responsável, competente, isenta e transparente mas igualmente célere e simplificada.

A entrega, sem concurso e em condições até ao momento desconhecidas, à EDP da produção de energia elétrica, que deveria, no quadro de uma gestão integrada das diversas mais-valias do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva, possibilitar o fornecimento de energia e água a preços adequados à agricultura, exige agora a criação de um fundo especial, que garanta, entre outros aspetos, preços competitivos da água.

Qualquer estratégia de desenvolvimento não dispensará uma região devidamente infraestruturada, nem a articulação do projeto de Alqueva com outros instrumentos estratégicos de desenvolvimento e daí a necessidade de qualificar e articular as acessibilidades rodoviárias e ferroviárias com o aeroporto de Beja e o Porto de Sines.

Nestes termos, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados Abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projecto de Resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que:

1. Promova, em estreita colaboração com as instituições representativas da Região – Universidades e Instituto Politécnico, Associações de Agricultores e de Regantes, Sindicatos, Associações Empresariais, Autarquias - a elaboração de um Plano Estratégico de Desenvolvimento Para a Área de Influência de Alqueva;

2. Promova a criação de um Conselho de Avaliação e Acompanhamento do Plano Estratégico, com poderes deliberativos e de recurso em que tenham assento as principais instituições representativas da Região;

3. Promova a simplificação, desburocratização e agilização da aprovação dos projetos agrícolas, no âmbito do EFMA, através da criação de uma Comissão Pluridisciplinar de Avaliação e Acompanhamento dos mesmos com poder deliberativo;

4. Crie e atribua a competência de promoção da utilização da terra, nomeadamente de articulação entre agricultores e proprietários, e de acompanhamento quanto à transformação da exploração de sequeiro para regadio;

5. Apoie de forma especial as culturas que tenham carácter de fileira fomentando a implantação no território das correspondentes agro-indústrias de forma a gerar emprego, factor estratégico de distribuição da riqueza produzida e indutor do desenvolvimento dos territórios;

6. Crie um Fundo Especial e Específico de Apoio à Diversificação Cultural e à Implementação de Indústrias Agro-Alimentares na Região e assegure um preço da água adequado à actividade agrícola como compensação da perda da mais- valia eléctrica entregue à EDP;

7. Estabeleça mecanismos de proteção às culturas, que produzidas de forma tradicionais, representem a salvaguarda de um repositório de conhecimento, tradição e qualidade que as torna por si só valor acrescentado;

8. Promova uma política de investigação, experimentação e extensão rural em estreita cooperação com as instituições existentes na região, os agricultores e respectivas associações;

9. Crie um Banco de Terras do Estado que permita o acesso à terra por parte de jovens agricultores, trabalhadores e pequenos agricultores com terra insuficiente;

10. Desenvolva acções de formação para os agricultores e trabalhadores convergentes com os objetivos estratégicos pretendidos;

11. Estimule o associativismo e/ou o cooperativismo de forma a rentabilizar e potenciar recursos técnicos e financeiros disponíveis e/ou a disponibilizar;

12. Promova mecanismos de monitorização e acompanhamento dos ecossistemas e dos parâmetros ambientais;

13. Avalie a possibilidade de ligação do sistema de Alqueva à Barragem do Monte da Rocha, como forma de alargar a garantia de abastecimento público para consumo humano a outras comunidades do distrito de Beja, assim como para viabilização do seu perímetro de rega. Avalie, também, a possibilidade de ligação à Barragem de Lucefecit como forma de garantir as necessidades de água deste perímetro de rega.

Assembleia da República, em 14 de Junho de 2012

  • Ambiente
  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Assembleia da República
  • Projectos de Resolução