Projecto de Resolução N.º 834/XIII/2ª

Recomenda ao Governo a contratação de profissionais de saúde e a integração dos profissionais de saúde contratados ao abrigo dos planos de contingência no quadro de pessoal das instituições de saúde

Recomenda ao Governo a contratação de profissionais de saúde e a integração dos profissionais de saúde contratados ao abrigo dos planos de contingência no quadro de pessoal das instituições de saúde

Exposição de Motivos

Uma das grandes fragilidades no Serviço Nacional de Saúde (SNS) prende-se com a enorme carência de profissionais de saúde.

Durante a governação de PSD e CDS-PP, o Ministério da Saúde perdeu quase 7.500 trabalhadores, agravando bastante a carência de profissionais de saúde nos centros de saúde e hospitais do SNS.

Após da derrota do Governo PSD/CDS e com a nova fase da vida política nacional, foram dados passos no sentido de aumentar o número de profissionais no Serviço Nacional de Saúde, ainda aquém das necessidades.

De acordo com os dados publicados no Portal do SNS, referentes ao mês de março de 2017, o Ministério da Saúde tem 126.249 trabalhadores. Os 126.249 trabalhadores estão assim distribuídos: 27.966 médicos, sendo 10.000 médicos internos; 40.959 enfermeiros; 1.618 técnicos superiores de saúde; 7.853 técnicos de diagnóstico e terapêutica; 15.855 assistentes técnicos e 25.069 assistentes operacionais.

Comparativamente com o período homólogo, março de 2016, existem mais 3.527 trabalhadores no Serviço Nacional de Saúde, estando assim distribuídos pelas diferentes administrações regionais de saúde:

ARS Norte ARS Centro ARS Lisboa e Vale do Tejo ARS Alentejo ARS Algarve
41.964 24.617 43.843 6.413 5.879

Apesar deste aumento de profissionais, o SNS está confrontado com uma elevada carência de profissionais de saúde em todas as carreiras. Faltam médicos especialistas nas unidades hospitalares, médicos de medicina geral e familiar e médicos de saúde pública, o número de enfermeiros nos serviços é inferior ao recomendado e o enfermeiro de família ainda não é uma realidade em todo o território, faltam técnicos de diagnóstico e terapêutica, técnicos superiores de saúde, assistentes técnicos para responder cabalmente às necessidades.

Veja-se a propósito o recente comunicado do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses que dá conta da possibilidade de ocorrer encerramento de serviços para conseguir que os restantes funcionem com o número adequado de enfermeiros, como sucede no Hospital Pedro Hispano ou acontecerá no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia se, até ao final deste mês de abril, não for autorizada pelo Ministério da Saúde a renovação de 37 contratos a prazo.

Diz, também, o sindicato que na maioria dos hospitais da região norte assiste-se à mobilidade de enfermeiros entre serviços, «a uma gestão por vezes diária da alocação de recursos humanos, à ausência de períodos de integração dos profissionais, a um número crescente de horas em débito, a alterações de horários laborais muitas vezes sem aviso prévio e sem consentimento dos profissionais».

Paira ainda a incerteza quanto à integração dos profissionais, designadamente de enfermeiros e assistentes operacionais, que foram contratados ao abrigo dos planos de contingência- módulo gripe-, apesar de ter sido assumido o compromisso por parte do Ministério da Saúde que “todos os pedidos de contratação seriam autorizados e que todos os enfermeiros contratados ao abrigo do plano de contingência da gripe, desde que necessários, teriam os contratos renovados ou convertidos em contratos por tempo indeterminado”.

Apesar de terem sido dados passos no sentido da reversão de medidas lesivas dos direitos dos trabalhadores- reposição dos salários e das 35 horas, as quais ainda não foram aplicadas a todos os trabalhadores que exercem funções no SNS- os profissionais de saúde estão profundamente desmotivados. Para tal concorre a desvalorização profissional e social dos profissionais de saúde, a desvalorização das carreiras, os elevados ritmos de trabalho e as condições particularmente penosas e de risco fatores que têm conduzido à saída extemporânea de profissionais do SNS.

Ao longo dos anos tem-se assistido à proliferação de trabalhadores em situação de precariedade no SNS. São os contratos a termo certo, os contratos emprego-inserção, as prestações de serviços ou a subcontratação através de empresas, desvalorizando o trabalho realizado por estes profissionais, não garantindo os níveis remuneratórios adequados aos profissionais e introduz-se a instabilidade e a insegurança nos serviços.

Quando analisamos a modalidade contratual constata-se que dos 126.249 somente 64.973 estão integrados em contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado; 10.031 com contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo incerto e 1.218 a termo resolutivo certo. Os restantes prestam funções de acordo com outros tipos contratuais, na sua maioria sujeitos ao regime do Código do Trabalho.

Entre os trabalhadores abrangidos pelo Código do Trabalho existem 45.573 com contrato de trabalho por tempo indeterminado; 1.612 com contrato de trabalho a termo resolutivo incerto e 1.268 a termo resolutivo certo.

Nas outras modalidades incluem-se os trabalhadores em regime de prestação de serviços, aos quais correspondem os contratos de tarefa e avença. No primeiro encontram-se 1.852 profissionais e, no segundo 742 trabalhadores.

Por proposta e iniciativa do PCP, o Orçamento do Estado para 2017 contempla uma norma que prevê a substituição da subcontratação a empresas por contratação de profissionais de saúde. No entanto, ainda, se assiste o recurso a este tipo de contratação para suprimir necessidades em várias especialidades e para assegurar o funcionamento dos serviços de urgência.

Desde 2015 que no nosso país inúmero médicos que terminam a formação do ano comum não acedem à formação médica especializada.

Esta situação decorre inevitavelmente das opções que foram tomadas por sucessivos Governos, muito em particular pelo anterior Governo PSD/CDS-PP, no que toca às políticas de saúde e para o SNS: fusões, concentrações de serviços e valências nos hospitais, encerramentos de serviços de proximidade, saída extemporânea de médicos do SNS e, muito especialmente, de médicos séniores.

Estas opções políticas conduziram à retirada de idoneidade formativa em muitos serviços e unidades do Serviço Nacional de Saúde e, por conseguinte, menos capacidade para acolher os jovens médicos que iniciavam a formação especializada.

Ora, porque não podemos permitir que em Portugal se desqualifique a formação médica, porque não podemos permitir que em Portugal haja um conjunto de médicos indiferenciados, significando isso a redução de direitos desses profissionais e também problemas ao nível dos cuidados de saúde que serão prestados à população, propomos que sejam tomadas medidas urgentes para resolver este problema, apresentamos em sede de orçamento do Estado para 2017 uma proposta que prevê que o Governo, em articulação com a Ordem dos Médicos, assegura as condições para a criação de vagas adicionais, que respeitem os requisitos da idoneidade formativa definidos no Regulamento do Internato Médico conforme proposta da Ordem dos Médicos, e parecer do Conselho Nacional do Internato Médico, destinadas a para todos os médicos internos que não tenham ainda ingressado na formação médica especializada.

A precariedade traz instabilidade, insatisfação e desmotivação. Do ponto de vista dos serviços, quebra o conceito de equipa introduzindo maior instabilidade nas equipas que potencia a ausência de segurança para uma prestação de cuidados de saúde de qualidade, aumenta os encargos financeiros. Os problemas não radicam só nos profissionais sem vínculo, também os profissionais de saúde com vínculo ao SNS se queixam de elevados níveis de cansaço, ansiedade e stress que decorrem da sobrecarga de trabalho a que estão sujeitos. Esta sobrecarga de trabalho aumenta o risco para si próprios e nos utentes reflete-se na ausência de confiança.

A subcontratação de profissionais de saúde através de empresas privadas de trabalho temporário – a que recorrem inúmeras unidades de saúde para suprirem necessidades permanentes de profissionais de saúde, sobretudo nos serviços de urgência - não é parte da solução, mas parte do problema. Esta opção introduz uma enorme rotatividade dos profissionais de saúde (que nunca chegam a conhecer a organização ou a reconhecer a hierarquia), desrespeita o conceito de equipa e obriga ao dispêndio de recursos financeiros que poderiam ser canalizados para a contratação de profissionais de saúde integrados numa carreira, garantindo os seus direitos e o seu desenvolvimento profissional.

A desvalorização profissional e social das funções dos profissionais de saúde assume uma dimensão preocupante, devido aos seus impactos profundamente negativos nos profissionais de saúde, nos utentes, particularmente na sua saúde e às consequências que acarreta ao nível do progresso e desenvolvimento do país. Não há país desenvolvido, nem um pleno regime democrático sem a garantia que a saúde seja prestada a todos os portugueses, com qualidade, segurança, eficácia e em tempo útil. E a garantia dos direitos dos profissionais de saúde, a valorização e progressão das carreiras, um nível de remuneração adequado são fatores que influenciam a motivação e o empenhamento dos profissionais de saúde, logo influenciam a qualidade dos cuidados de saúde prestados pelo Serviço Nacional de Saúde.

Assim, propomos que o Governo efetue o levantamento das necessidades de profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, técnicos superiores de saúde, técnicos de diagnóstico e terapêutica, assistentes técnicos, assistentes operacionais e outros) no Serviço Nacional de Saúde e que proceda à sua contratação, integrando-os na carreira com vínculo público de nomeação.

Batemo-nos, pelo fim de todas as relações de trabalho precárias, incluindo o fim à contratação de empresas e pela integrando no mapa de pessoal todos os profissionais de saúde que atualmente exercem funções em estabelecimentos públicos de saúde do Serviço Nacional de Saúde e pelo desbloqueamento de todos os congelamentos e progressões nas carreiras.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que:

1. Proceda a um levantamento das necessidades objetivas em matéria de recursos humanos na área da saúde, da sua distribuição pelas diferentes valências e por unidades de saúde (unidades hospitalares, unidades de cuidados primários de saúde e unidades de cuidados continuados integrados);

2. Crie um plano para proceder à contratação dos profissionais de saúde, nomeadamente de médicos, enfermeiros, técnicos superiores de saúde, técnicos de diagnóstico e terapêutica, assistentes técnicos e assistentes operacionais, com base no diagnóstico das necessidades elaborado e em número que garanta uma prestação de cuidados de saúde com qualidade e eficiência;

3. Regularize a situação dos profissionais de saúde contratados ao abrigo dos planos de contingência e que estão a preencher necessidades permanentes nos serviços integrando-os com contratos de trabalho com vínculo público por tempo indeterminado;

4. Considerando a norma aprovada no Orçamento de Estado para 2017, que prevê a substituição progressiva de empresas de trabalho temporário pela contratação direta de trabalhadores com vínculo efetivo à função pública, adote um plano que lhe dê cumprimento;

5. Melhore as condições de trabalho dos profissionais de saúde;

6. Desenvolva os processos negociais para a revisão das carreiras especiais ainda por concluir, com base no que for acordado com as organizações representativas dos respetivos trabalhadores;

7. Elabore um programa para a formação de profissionais de saúde, especialmente de médicos, em que as vagas disponibilizadas sejam proporcionais às necessidades, reforçando as vagas para os internatos de medicina geral e familiar;

8. Desenvolva, em articulação com a ordem dos médicos, um programa de formação excecional dirigida aos médicos sem especialidade que exercem funções no Serviço Nacional de Saúde, que lhes possibilite a aquisição de uma especialidade médica;

Palácio de São Bento, 4 de maio de 2017

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