Projecto de Resolução N.º 255/XIV/1.ª

Recomenda ao Governo a adopção de medidas transversais e integradas de apoio e incentivo à natalidade

São várias as preocupações na sociedade portuguesa quanto à evolução demográfica. Nos últimos anos tem-se acentuado o envelhecimento da população, devido ao aumento da esperança média de vida e à redução da natalidade. Ao mesmo tempo constata-se também uma redução da população residente no país, devido ao efeito acumulado da redução da natalidade e do saldo migratório negativo, resultante do aumento da emigração e da saída de imigrantes. A emigração da população portuguesa conduz a uma dupla perda, primeiro a redução e envelhecimento da população, segundo a redução de população jovem em idade fértil. É preciso adotar medidas concretas e eficazes que garantam a substituição de gerações e o desenvolvimento do país. O Índice Sintético de Fecundidade (ISF) – número de crianças nascidas por mulher – em 2018 foi de 1,41 em Portugal. Nos anos 80 o ISF ficou abaixo de 2,1, sendo o ISF mínimo que permite a substituição de gerações. Em 1994, pela primeira vez em Portugal o ISF ficou abaixo de 1,5, e de uma forma consolidada desde 2000, o que corresponde a uma situação crítica, abaixo da qual a sustentabilidade de uma população entra em risco, podendo inviabilizar a recuperação das gerações no futuro caso se mantenha um longo período. Em 2013 registou-se o ISF mais baixou (1,21). Apesar da redução da natalidade se verificar de uma forma geral na Europa, a verdade é que alguns países já conseguiram manter e até inverter a tendência decrescente. No ano de 2014, Portugal era o país da União Europeia com o índice sintético de fecundidade mais baixo, enquanto a média dos países da União Europeia era de 1,58. Há décadas que se verifica um decréscimo da natalidade, tendência que se agravou nos últimos anos (com exceção do ano de 2015 segundo os dados do INE).

Verifica-se também que após a Revolução de Abril, nos anos de 1975 e 1976, foi quando ocorreu uma inversão bastante significativa na redução da natalidade, tendo posteriormente retomado novamente a tendência de diminuição. Se em 1970 nasceram em Portugal cerca de 180 mil crianças, e em 1976 nasceram 186.712 crianças, já no início dos anos 80 se constata a redução de nascimentos, tendo nascido 158.309 crianças. A partir de 1983 o número de crianças nascidas foi inferior a 150 mil e, em 2009, pela primeira vez o número de nascimentos foi inferior a 100 mil. Ocorreu uma ligeira recuperação em 2010 para, em 2011, regressar a tendência de redução do número de nascimentos de uma forma acelerada voltando a estar abaixo da barreira dos 100 mil nascimentos por ano. Em 2014 o número de nascimentos foi o mais baixo de sempre, tendo nascido somente 82.367 crianças. Dados do INE referem que em 2018 nasceram 87.020 crianças. Não obstante, os números de anos seguintes serão fundamentais para apurar qual a evolução do número de nascimentos, especialmente considerando que há especialistas que justificam o aumento do número de nascimentos com o facto de muitas famílias não adiarem mais o momento de ter filhos, sob pena de já não poderem concretizar essa vontade.

Diferentes estudos e resultados estatísticos, bem como realidades concretas das famílias demonstram que muitas famílias gostariam de ter mais filhos, tal como revela o Inquérito à Fecundidade 2013. A Fecundidade Final Esperada (número de filhos nascidos mais o número de filhos que pensa vir a ter no futuro) é de 1,78 e a Fecundidade Desejada é de 2,31. A população portuguesa considera ainda que 2,38 é o número ideal de filhos por família. E cerca de 1/5 dos portugueses em idade fértil afirmou que pretende ter filhos. Perante estes factos podemos questionar: se as famílias pretendem e desejam ter mais filhos, por que não os têm?

A verdade é que se forem criadas as condições para as famílias tomarem a decisão de constituição e crescimento da família, estas terão mais filhos. O Inquérito à Fecundidade 2013 identificou um outro fenómeno – o do filho único. Houve um aumento dos casais com filho único, representando hoje mais de metade dos casais com filhos. O Inquérito à Fecundidade conclui então que o que mais contribuiu para a redução da natalidade foi a diminuição do segundo filho.

Numa primeira fase a baixa natalidade reflete-se no adiamento da maternidade e paternidade (a idade média de nascimento do primeiro filho nas mulheres tem vindo a aumentar), o que tem consequências na quebra no nascimento do segundo filho. O intervalo entre o nascimento do primeiro filho e do segundo filho tem vindo a aumentar. Em síntese, o Inquérito à Fecundidade afirma que “há muito que a passagem do primeiro filho para o segundo deixou de ser uma evidência”.

Há inúmeros fatores que influenciam e condicionam a decisão das famílias de terem filhos, como a estabilidade e qualidade do emprego, o desemprego, os rendimentos, o cumprimento dos direitos laborais e os direitos de maternidade e paternidade, a existência de equipamentos de infância, a acessibilidade à saúde, educação, aos apoios sociais, à habitação condigna, entre outros.

As realidades da precariedade e do desemprego, os baixos salários, a retirada de direitos, o ataque aos direitos de maternidade e paternidade, as limitações na articulação da vida laboral, pessoal e familiar, o ataque à contratação coletiva, a desregulamentação dos horários de trabalho, a imposição do banco de horas, o abuso (por parte das entidades patronais) do trabalho noturno e por turnos, são fatores que pesam significativamente nas decisões que as famílias tomam quanto a terem filhos ou não.

Os elevados custos suportados pelas famílias para aceder a equipamentos de apoio à infância constituem mais um fator de condicionamento da natalidade. A inexistência de uma rede pública de creches, devido à desresponsabilização de sucessivos governos, empurra as famílias para as entidades privadas, quando deveria existir um serviço público assegurado pelo Estado. Como deveriam ser garantidos todos os meios (humanos, materiais e financeiros) para a Escola Pública ter todas as condições de garantir uma efetiva igualdade de oportunidades às crianças e jovens. A ação social escolar é manifestamente insuficiente, deixando de fora milhares de crianças e jovens, e os custos com a educação têm um elevado peso no orçamento familiar.

Também no acesso à saúde persistem dificuldades no acesso aos cuidados de saúde devido ao encerramento de centros de saúde, serviços e valências nos cuidados de saúde primários e nos cuidados hospitalares; à transferência dos custos da saúde para as famílias e à carência de profissionais de saúde.

O acesso à habitação, nomeadamente, para os mais jovens está muito dificultado. Os programas de arrendamento estão longe de responder às necessidades dos jovens e os valores das rendas praticadas são exorbitantes, chegando, em muitos casos, a corresponder quase ou à totalidade do salário de um dos membros do casal. Hoje verificamos dois fenómenos: o adiamento da saída da casa dos pais pelos jovens e o regresso de muitas famílias às casas dos pais. Situações diferentes, mas com causa comum no desemprego, na ausência total de proteção social, nos baixos rendimentos, na precarização das relações de trabalho que nega a muitos jovens condições para serem autónomos e independentes, nos custos exorbitantes com a habitação e a tantos outros fez perder as condições económicas de que dispunham. Todos estes fatores isolados podem ter relevância menor, mas conjugados são determinantes na decisão de adiar o momento de ter filhos e de constituição de família. Esta é a realidade de muitas famílias no nosso país.

O baixo número de nascimentos de crianças não é obra do acaso, nem uma fatalidade do destino, antes resultam das opções políticas de sucessivos governos. Na abordagem às questões da redução da natalidade não basta constatar a realidade e manifestar preocupações com essa realidade, é preciso identificar as causas e os responsáveis e apontar soluções.

O PCP tem tido uma intervenção continuada sobre esta matéria, com propostas concretas, sendo que a sua intervenção garantiu, neste Orçamento do Estado, passos importantes no sentido da gratuitidade das creches. Bem como a ação, intervenção e a proposta do PCP na passada legislatura significaram importantes avanços para as famílias – como o alargamento e reforço do abono de família, a gratuitidade dos manuais escolares para toda a escolaridade obrigatória, a integração das vacinas da Meningite B, Rotavírus e HPV para os rapazes no Plano Nacional de Vacinação, o pagamento a 100% do subsídio por riscos específicos.

Para o PCP o incentivo à natalidade é inseparável da função social da maternidade e da paternidade e da concretização de uma maternidade e paternidade consciente, livre e responsável; da proteção das crianças e jovens e da promoção do seu desenvolvimento integral, que garanta o direito da criança ser desejada e amada, assim como as condições económicas e sociais para que lhe sejam asseguradas todas as oportunidades; e do emprego com direitos e seguro e das condições de vida das famílias, assegurando à mulher um papel ativo na sociedade no plano profissional compatível com o plano familiar e pessoal. É preciso encontrar soluções transversais e duradouras. Soluções que eliminem condicionalismos que mais determinam a quebra da natalidade e que apostem em soluções que respondam aos vários fatores que afetam a natalidade.

Importa criar condições para que os casais possam tomar as decisões de ter filhos sem condicionalismos e sem constrangimentos; assegurar as condições de vida dignas, a estabilidade no emprego, a valorização salarial e o acesso aos direitos sociais consagrados constitucionalmente.

É urgente assegurar a confiança, a segurança e a estabilidade às famílias.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição recomenda ao Governo a adoção de medidas transversais e integradas de apoio à natalidade, nomeadamente:

  1. Valorização geral dos salários, designadamente aumento do Salário Mínimo Nacional para 850 euros;
  2. Implementação de medidas de combate à precariedade laboral no sector público e no sector privado, garantindo que a uma necessidade permanente corresponde um vínculo efetivo;
  3. Defesa da contratação coletiva, enquanto elemento fundamental na elevação dos direitos dos trabalhadores e de progresso social, nomeadamente eliminando a sua caducidade e repondo o tratamento mais favorável;
  4. Implementação das 35 horas de trabalho para todos os trabalhadores, no sector público e no sector privado;
  5. Promoção de uma política de articulação entre a vida profissional, familiar e pessoal, pondo fim à desregulamentação dos horários de trabalho e o banco de horas;
  6. Reforço dos direitos de maternidade e paternidade designadamente na livre escolha do casal quanto ao gozo da licença de maternidade e paternidade de 150 ou 180 dias, assegurando sempre o seu pagamento a 100%;
  7. Alargamento do tempo de licença obrigatória da mulher para 9 semanas;
  8. Alargamento do período de licença de paternidade para 30 dias obrigatórios e 30 dias facultativos;
  9. Implementação da licença de maternidade específica de prematuridade com duração do período de internamento hospitalar do nascituro, garantindo o pagamento do respetivo subsídio a 100%;
  10. Revogação da condição de recursos e de critérios restritivos na atribuição das prestações sociais;
  11. Reforço dos apoios sociais à infância e juventude, nomeadamente através do Rendimento Social de Inserção e do progressivo alargamento das condições de acesso e atribuição do abono pré-natal e do abono de família a todas as crianças e jovens;
  12. Criação de uma rede pública de equipamentos de apoio à infância e juventude, para a generalidade das famílias, planeada de acordo com as necessidades populacionais e regionais;
  13. Implementação de uma rede pública de creches que abranja todas as crianças e responda às necessidades sentidas;
  14. Criação de 100.000 vagas em creches ou situação equiparada, no sector público, até 2023;
  15. Alargamento da rede pública de educação pré-escolar;
  16. Criação de gabinetes pedagógicos de integração escolar, com equipas multidisciplinares, que acompanhem os alunos e respetivas famílias;
  17. Reforço dos meios humanos, materiais e financeiros na Escola Pública de forma a responder às necessidades de todas as crianças e jovens e garantir a igualdade de oportunidades;
  18. Reforço das condições de acesso e apoios ao nível da ação social escolar;
  19. Garantia de meios materiais e humanos para o acompanhamento no acompanhamento efetivo e específico às crianças e jovens em situação de risco;
  20. Reforço do número de profissionais de saúde nos Centros Públicos de Procriação Medicamente Assistida, alargamento do número de centros públicos e comparticipação a 100% os medicamentos para o tratamento da infertilidade;
  21. Realização de consultas de pediatria ao nível dos cuidados de saúde primários, reforçando assim a proximidade e os cuidados prestados às crianças e jovens;
  22. Acesso a consultas de psicologia, de nutrição, no âmbito dos cuidados de saúde oral e visual nos cuidados de saúde primários a todas as crianças e jovens, devendo proceder à contratação dos profissionais para o seu cumprimento;
  23. Garantia de passe de transporte gratuito para todas as crianças e jovens até aos 18 anos de idade;
  24. Dinamização de programas que assegurem o acesso à habitação, através do arrendamento ao abrigo do regime da renda apoiada e/ou condicionada e da promoção da construção de habitações a custos controlados para jovens.
  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Educação e Ciência
  • Saúde
  • Trabalhadores
  • Projectos de Resolução