Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados
Há quase dezasseis meses que o PCP aguardava uma Proposta de Lei do Governo relativa à reabilitação urbana de zonas históricas e zonas críticas de reconversão e recuperação urbanística.
Há quase ano e meio – foi no final de Junho de 2002 – que debatemos neste plenário o Projecto de Lei do PCP para a “recuperação de edificações devolutas e degradadas em centros e núcleos históricos ou antigos”.
Há quase ano e meio que o Projecto do PCP espera na Comissão Especializada que a ele se junte uma proposta de lei do Governo sobre o mesmo tema.
Finalmente a Proposta de Lei do Governo chegou!
Só que, infelizmente, as soluções adiantadas na autorização legislativa não são as melhores, não são aquelas que julgamos necessárias para realizar uma autêntica recuperação patrimonial de centros históricos ou antigos de aglomerados urbanos. Pelo contrário: a serem utilizados os instrumentos propostos, a recuperação do património construído será acompanhada de uma fortíssima ruptura no tecido económico e social das zonas históricas e dos muitos bairros e quarteirões que povoam os núcleos antigos das nossas cidades.
Uma coisa – consensual pelo menos ao nível do discurso – é a necessidade de reabilitar e recuperar centros históricos e antigos. Outra coisa são os procedimentos e métodos para lá chegar.
Uma coisa é recuperar e reconstruir sem expulsar os moradores e comerciantes que vivem nessas zonas históricas. Essa é a postura que defendemos. Outra coisa bem diferente são os instrumentos que o Governo propõe e que fazem caducar coercivamente a generalidade dos contratos de arrendamento habitacional e a totalidade dos contratos de arrendamento comercial existente nas zonas de intervenção.
Com excepção dos arrendatários com idade superior a 55 anos ou dos arrendatários com deficiência – e mesmo estes apenas se aceitarem aumentos de renda posteriores que podem atingir 20% - todos os outros arrendatários serão despejados!
Ao que parece, a reboque desta Proposta, o Governo pretende fazer uma espécie de alteração ou suspensão da Lei do Arrendamento.
Trata-se assim de criar a possibilidade de poderem ser feitos milhares de despejos nas zonas históricas das nossas cidades!
Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados
Não é apenas a utilização destes instrumentos que nos afasta da Proposta do Governo e que a afasta profundamente do Projecto de Lei do PCP que aqui debatemos há ano e meio.
Há ainda dois outros aspectos centrais.
Com esta proposta o Governo aponta uma via única para a recuperação do património edificado. Impõe às Câmaras a constituição de Sociedades de Recuperação Urbana (as SRU), impõe às Câmaras a obrigatoriedade de constituir estas empresas sob pena de – na prática, na realidade – não poderem intervir de forma expedita e rápida – como há muito o PCP propunha no seu Projecto – na recuperação do património histórico edificado.
Não é politicamente sério dizer que as Câmaras Municipais têm a faculdade de decidir não criar SRUs quando depois não se clarifica nem explicita que poderão também utilizar todos – mas todos – os mecanismos regulamentares que o Governo agora cria para as sociedades e, sobretudo, sem permitir que as Câmaras disponham de mecanismos de acesso directo a meios de financiamento capazes de enfrentar os problemas e assumir as responsabilidades pela recuperação patrimonial.
Noutro plano, o Governo propõe atribuir às SRUs competências ao nível da elaboração e aprovação de instrumentos de planeamento – por exemplo, os Planos de Pormenor – ao nível do licenciamento e do estabelecimento de servidões administrativas, e sobretudo ao nível da gestão de processos expropriatórios cujos contornos nos merecem muitas dúvidas quanto à sua conformidade legal e também constitucional.
Tanto mais que o Governo propõe também que todas estas competências podem, por sua vez, vir a ser transferidas da posse das Sociedades de Recuperação Urbana para a mão de parceiros privados contratados para a execução das empreitadas. Ou seja, o Governo quer transferir, por exemplo, a condução de processos de expropriação para as mãos de promotores privados encarregados de obras de reabilitação!
A ideia é politicamente inaceitável. Mas é igualmente muito questionável do ponto de vista da sua conformidade com o quadro legal vigente.
Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados
Gostaríamos de contar com a disponibilidade do Governo para alterar aspectos centrais dos instrumentos criados nesta Proposta de Lei.
Gostaríamos de contar com a disponibilidade da maioria parlamentar para que a recuperação do património não se transformasse numa monumental operação de expulsão dos antigos moradores e comerciantes!
Se assim não for a nossa posição crítica será assumida em conformidade!