&quot;Um mau caminho&quot;<br />Artigo de Bernardino Soares na &quot;Capital&quot;

A nova lei do financiamento dos partidos, recentemente aprovada na Assembleia da República, constitui um verdadeiro escândalo nacional. PS, PSD e CDS-PP conduziram até ao fim em conjunto este processo, que se integra numa linha de retrocesso antidemocrático que tem outro expoente na nova lei dos partidos políticos.O alinhamento do PS nesta operação é particularmente grave e contrasta com a imagem de partido de esquerda que se esforça por afirmar. E nem a sua oposição de última hora à lei, que no fundamental se deveu a querer o aumento imediato das subvenções estatais, pode disfarçar o profundo envolvimento em todo este processo.Mas vejamos as alterações concretas. À cabeça aparece o aumento em dois terços da subvenção anual aos partidos, que renderá ao PSD quase meio milhão de contos a mais (465 mil contos) em relação à lei anterior.Aumentam as subvenções públicas para campanhas eleitorais (distribuídas em 80% também em função do número de votos) sendo multiplicados dois em relação à generalidade das eleições e por quatro no caso das eleições regionais dos Açores e da Madeira!Entretanto e sendo manifestamente os gastos já exagerados, a lei aprovada aumenta praticamente para o dobro os limites das despesas eleitorais e mais uma vez, no caso das eleições regionais nos Açores e na Madeira multiplica-os por cinco!É gritante a falta de pudor dos partidos que pretendem acentuar mais ainda o tipo de campanha que desvaloriza o debate político e das propostas concretas, apostando ao invés no folclore dos brindes e das campanhas publicitárias.Mas PS, PSD e CDS-PP acordaram na imposição de uma extraordinária norma que diminui a subvenção para as campanhas na medida da capacidade de angariação de fundos de cada partido. Isto é: se um partido consegue, com o esforço meritório das suas organizações e militantes, financiar parte da sua campanha eleitoral, é penalizado por isso, enquanto quem vive à custa dos fundos estatais, é beneficiado.O absurdo chega ao ponto de se propor a distribuição do que foi retirado da subvenção dos que angariam fundos próprios, pelos partidos que não o fizeram.Assume ainda especial gravidade a limitação agora imposta a iniciativas como a «Festa do Avante!». Aliás ficou clara na discussão parlamentar a intenção deliberada da direita de atingir esta importante iniciativa político-cultural, que tem também uma vertente financeira.A veia totalitária da maioria quer limitar a dimensão e as características da Festa do Avante! e decidiu que o PCP deve abdicar da recolha de milhares de pequenas contribuições de militantes e simpatizantes, que querem apoiar a actividade de um Partido, o que é um acto de profundo significado democrático.Ao enriquecimento dos partidos que impuseram estas alterações corresponde um grave empobrecimento da democracia política.Face à grosseira contradição das leis agora aprovadas com os princípios constitucionais, torna-se indispensável que sejam sujeitas à fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional, questão que já foi colocada ao Presidente da República.Mas a gravidade das matérias em causa, e a sua inserção num caminho de limitação de direitos e de liberdades, tem de merecer a firme reprovação de todos os que prezam os valores do pluralismo democrático conquistado com a Revolução de Abril.

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