3 de Março de 2003Os últimos dias foram férteis em declarações sobre transportes públicos, em geral, e particularmente na Area Metropolitana de Lisboa O novo ciclo de anúncios de novas iniciativas de transportes públicos, feito na passada segunda-feira, que juntem à modernização da linha férrea e aos vários prolongamentos do Metro que vinham de trás. O metro de superfície, há muito desejável, para o sul do Tejo e como circular para o perímetro urbano de Lisboa, são projectos que já têm muitas dezenas de anos mas que não resistiram à pressão do ‘lobby’ do automóvel. Porém, nem uma palavra foi dita sobre o impacte fundamental que este tipo de medidas terão sobre o futuro da Carris, do Metro e da CP, particularmente a extensão do metro de superfície da Falagueira para o centro de Lisboa. E que relação têm elas com o regime de preços e o futuro dos sistemas multimodais de passes. O grupo Barraqueiro e a Transportes do Sul do Tejo pressionam para sair dos sistemas e que os preços se “aproximem dos custos reais” quando o que se exige é a extensão dos sistemas a mais operadores privados e em coroas mais largas . Um administrador do primeiro destes grupos disse que teriam que ser subsidiados como as empresas públicas ou então teriam que subir os preços. Dois dias depois, os empresários do sector deram 14 dias ao governo para satisfazer a reivindicação do «gasóleo de serviço», se não cortariam carreiras e descontos para estudantes. Entretanto, em painel da ADFER, um grupo de especialistas foi claro. Nunes da Silva, Augusto Felício, Manuel Moura e Anacoreta Correia decretaram: os utentes têm que pagar os investimentos e custos de exploração das empresas parar as tornarem mais eficientes e acabarem com a dependência do automóvel! Grandes cabeças... Entretanto foram milhares os trabalhadores da TAP que saíram para a rua contra o desmembramento da empresa, ao que a administração replicou falando em alarmismo. E mais: o aeroporto e o TGV e os aumentos dos combustíveis que esta santa guerra de Bush nos trouxe com o ‘amen’ do Dr. Barroso, apesar do euro se ter revalorizado em relação ao dólar... Tudo isto anda muito mal contado. O que é que não está a ser dito? Mas também veio a Junta Metropolitana de Lisboa lamentar-se do desconhecimento em que a mantiveram sobre estas intenções, como a ignoraram aquando da recente decisão de pagamento das portagens da CREL. E sabe-se que a Junta Metropolitana tem tido discordâncias não resolvidas quanto ao modelo de Autoridade Metropolitana de Transportes que o Governo quer fazer vingar. Aí avultam a prioridade dada em exclusivo a Santana Lopes, na sua composição, em prejuízo dos outros municípios e a transferências de despesas do sistema. Autoridade que, curiosamente, foi o PCP que propôs ser de decisão da Assembleia da República, no ano passado, apresentando para o efeito um projecto que o Governo então recusou, a pretexto do Dia Europeu Sem Carros, e chamou a si através de autorização legislativa.Simultaneamente, o Governo, no âmbito do tal novo ciclo de anúncios, lá deu a conhecer à comunicação social um estudo sobre os movimentos pendulares na região decorrentes de um protocolo por ele feito com o INE. Estudo que confirma a observação da realidade, a ausência de estímulos e investimentos, a que os comunistas se têm referido ao longo de muitos anos, que beneficiou sempre o uso do transporte individual, transformou em perdas e sacrifícios as deslocações urbanas internas ou as pendulares, prejudicou o ambiente, impôs menores velocidades comerciais, tempos maiores nos trajectos que tornaram os horários aleatórios, e teve as naturais consequências nas perdas de produtividade e de nível de respostas asseguradas pela administração pública. O estudo abrange uma década, por conveniências políticas de quem o promoveu, mas poderia ter abrangido duas, clarificando o papel de diferentes maiorias, sustentadas na rotatividade dos partidos do bloco central, relativamente a uma questão em que às autarquias foi e continua a ser dada voz muito reduzida. Nestes processos, Santana Lopes aparece mais na qualidade de membro do Governo do que propriamente de Presidente de uma das Câmaras envolvidas. E com coelhos tirados da cartola como, por exemplo, a interrupção da via férrea da linha de Cascais em Algés, quando é conhecido que a CP não polui, tem capacidade de deslocação de grande número de passageiros e não perturba o trânsito... Ou a municipalização do Metro e da Carris... Estas questões estão, naturalmente a gerar movimentos de utentes, para os quais nem só de boa vontade vivem certas decisões. E, por isso, reclamam transparência de procedimentos, na criação progressiva de um sistema de transportes que tem que ser mais organizado e mais articulado . Que tem que conciliar a eficácia com a funcionalidade. Que tem que completar a rede de parques de estacionamento periféricos que sejam estímulo para não trazer o carro para a cidade. Que tem que dispor de uma manutenção permanente de vias, com mais corredores BUS para todos os transportes públicos, incluindo a revalorização dos táxis. Que dê prioridade ao peão e às condições de segurança, combata o estacionamento selvagem, desadequados horários de cargas e descargas. Que não prescinda de soluções de consenso face a interesses contraditórios. Que incentive o uso de combustíveis menos poluentes. As empresas deste sector tem que compreender que só tiram vantagens de uma complementaridade coordenada e de interfaces e de um investimento na melhoria da qualidade dos serviços. E de que preparar o país para sair da recessão não se faz dificultando o transporte público, essencial para o relançamento da actividade económica e das suas próprias empresas. Curiosamente também nenhuma das tais intenções anunciadas há uma semana consta do Orçamento do Estado ou do Plano Plurianual de Investimentos. De que visões estratégicas ou planos de ocasião, futuro dos passes sociais e preços dos transportes para os seus utentes, futuro das empresas e respectivos trabalhadores, municipalizações e privatizações andarão, pois, tais personagens a tratar? Com o nível de endividamento das famílias, nem todos têm, como o Presidente da Câmara, possibilidade de uma renovada e requintada frota servida por batedores. Mas haverá sempre uma Ministra das Finanças a querer que a gente dê à sola, que faz bem ao físico, ou regresse aos tempos do burro, ,já que andamos aos solavancos.