&quot;Sobre uma entrevista&quot;<br />Vítor Dias no &quot;Semanário&quot;

Sem que daí resulte obviamente qualquer reserva sobre os seus trabalhos científicos, a verdade é que não podemos deixar passar sem comentário algumas afirmações feitas, em entrevista ao “DN” (19/6), pela drª Marina Costa Lobo, socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Para o que agora mais nos interessa, diga-se então que aquela investigadora, para além de, sem grande espírito inovador, opinar que “o PCP está a sofrer um declínio que parece inexorável”, afirma sobretudo que “o PCP teve péssimos resultados nas autárquicas de 2001 e foi incapaz de reconhecê-lo. Todos terão tentado interiorizar o que terá falhado. Menos a CDU que recusa mudar o seu discurso de antagonismo, que é exactamente igual para o PS ou para o PSD, como se esses dois partidos fossem iguais”.

Indo por partes, e começando pela atitude do PCP face aos resultados das autárquicas de 2001, é caso para sublinhar que a drª Marina Costa Lobo ou fala por ouvir dizer, o que não lhe ficaria bem, ou não investigou o mínimo exigível, o que lhe ficaria muito mal.

Com efeito, reunido três dias depois daquelas eleições, o Comité Central do PCP, em comunicado que está disponível na Internet, não só reconheceu e caracterizou como “negativo” o resultado da CDU como igualmente descreveu e assumiu de forma detalhada as perdas então sofridas pela CDU, desde a quebra de 1,4 pontos na votação nacional até à perda de mandatos, designadamente Presidências de Câmara (menos 13 que em 1997). E, além disso, ao contrário do que afirma esta socióloga, não só interiorizou como até exteriorizou os factores que, na inevitável precariedade destas análises, lhe pareciam mais ter influído nesses seus resultados.

Em contrapartida nós não conhecemos, e a drª Marina Costa Lobo não teve a bondade de disso falar, qualquer reflexão semelhante do PS sobre o seu negativo resultado nessas autárquicas.

Mas, por outro lado, conhecemos bem uma coisa de que a drª Marina Costa Lobo obviamente não falou; ou seja, que na análise desses resultados o maior caso de autismo e prestidigitação pertenceu ao Bloco de Esquerda que então veio proclamar ter sido a força de esquerda que melhor tinha resistido quando, na verdade, no conjunto de concelhos a que concorrera registara a perda de um terço da votação obtida nesses mesmos concelhos nas legislativas de Outubro de 1999.

Quanto à qualificação desse resultado da CDU como “péssimo”, só esperamos que a socióloga em causa não ignore que, em autárquicas, se podem perder posições (designadamente Presidências de Câmara) de forma desproporcionada em relação à perda real de influência eleitoral, até se podem perder Presidências de Câmaras (aconteceu à CDU em 1997) aumentando a votação mas sofrendo as consequências de uma diferente distribuição de votos entre outras forças, e até ainda se podem perder 12 Câmaras, como se verificou com a CDU em 2001, na base da perda de apenas 9 mil votos (1,5% da sua votação nacional).

Passando à referência da drª Marina C. Lobo a que o PCP teria um “discurso de antagonismo, que é exactamente igual para o PS ou para o PSD, como se esses dois partidos fossem iguais”, o menos que podemos dizer é que os sociólogos deviam poupar-se a “clichés”, caricaturas e deturpações que, embora podendo ser correntes, não os prestigiam.

A este respeito, para demonstrar como a afirmação é fraudulenta, bastaria lembrar que, durante os últimos governos do PS, o PCP não só votou numerosas leis propostas por esses governos como realizou alguns importantes acordos com o PS (por exemplo, reforma fiscal e segurança social), nada disso acontecendo obviamente em relação à maioria PSD-CDS e ao seu governo.

Acresce que o que o PCP tem sustentado é que, nomeadamente quando no governo, o PS realiza, no essencial e nas questões mais estruturantes, uma política similar à do PSD.

E se a drª Marina Costa Lobo porventura se escandaliza com esta tese, então terá de se escandalizar com dezenas de comentadores que ao longo de anos sobre o mesmo disseram coisas bem mais brutais e devastadoras e terá também de se escandalizar com afirmações de colegas seus, como Pedro Magalhães, André Freire e Manuel Villaverde Cabral que, volta não volta, em linguagem corrente ou em discurso universitário, falam da falta de escolhas programáticas substancialmente diferentes oferecidas pelos “partidos centrais” e das suas consequências sobre o sistema político.

Sendo também ocasião de referir que, na sua citada entrevista ao “DN”, a drª Marina Costa Lobo já parece não saber que, à beira da votação para as legislativas de Março de 2002, era o Bloco de Esquerda e não o PCP que, em comício na Aula Magna, proclamava pela voz de Francisco Louçã que PS e PSD eram irmãos “absolutamente siameses”.

Por fim, apenas mais um nota: na referida entrevista, a investigadora do ICS não vai ao ponto de falar em “causas distintivas” do Bloco de Esquerda mas acentua que este tende a privilegiar temas como “a toxicodependência” (talvez quisesse dizer a liberalização das drogas leves), “as uniões de facto” e “a despenalização do aborto”.

A este respeito, talvez numa próxima entrevista, a drª Marina Costa Lobo possa reconhecer a muito antiga atenção e iniciativas que o PCP concede às questões da toxicodependência e das uniões de facto, e apesar da sua invejável juventude, possa descobrir também que o PCP, em democracia, leva 22 anos de luta coerente, perseverante e incomparável pela despenalização do aborto.