&quot;Sem saudades&quot;<br />Ilda Figueiredo no &quot;Semanário&quot;

Estamos no fim de 2004. É um ano que não deixa saudades. Portugal está a viver o seu pior momento dos últimos 30 anos. Por isso, foi um alívio quando o Presidente da República decidiu dissolver a Assembleia da República, pondo fim a um governo desastroso e incompetente.

Mas, agora, que estamos a menos de dois meses de novas eleições, e vivemos um tempo de pré-campanha eleitoral, não pode valer tudo. O que o governo de gestão de Santana Lopes/ Paulo Portas continua a fazer é inadmissível e revela que não vão olhar a meios para atingir os seus fins: usar os meios públicos, o aparelho de estado e as finanças públicas, não apenas para fazer campanha eleitoral, mas também para prosseguir a destruição do sector empresarial do estado em áreas básicas para o desenvolvimento do país, ao serviço de uma política de classe e anti-nacional, talvez na esperança de conseguirem um lugar na administração de uma sucursal de qualquer grupo estrangeiro, seguindo o exemplo do ex-ministro socialista Pina Moura, que colocou a EDP ao serviço dos espanhóis, da Iberdola ou algo semelhante, de quem agora recebe o ordenado.

Em relação ao primeiro aspecto, é paradigmático o que se passou com a propaganda ao Orçamento de Estado. Ao decidir fazer uma revista sobre o Orçamento de Estado, seleccionando as partes que lhes interessaram, sem qualquer referência à análise crítica que se deve fazer às receitas irrealistas de cobranças de impostos que não vão ser concretizadas, sem a declaração de que uma parte dos investimentos anunciados não são para realizar, sem a declaração das chamadas engenharias financeiras para manter artificialmente o défice abaixo dos 3% exigidos pelo Pacto de Estabilidade que a França e a Alemanha se recusam a cumprir há três anos, o governo fez descaradamente propaganda política enganosa, paga pelo bolso dos contribuintes.

Mas mais do que o dinheiro gasto, mais do que o tempo e os recursos envolvidos na preparação da dita revista de encarte, fica a marca da irresponsabilidade de quem fez uma carreira política na base da propaganda, da utilização abusiva da comunicação social e dos meios públicos para a auto-promoção, enganando os incautos, servindo-se dos que sempre estão disponíveis para apoiar quem está na moda e arrisca lutar pelo poder a qualquer preço, na esperança de que também se possam sentar à mesa do orçamento. Sem esses, nunca teria havido um governo Santana Lopes/Paulo Portas.

De qualquer modo, este final de feira de vaidades ultrapassa tudo o que era imaginável e alastra o lamaçal para níveis muito perigosos, que arriscam não só a capacidade de Portugal manter um mínimo de dignidade nas negociações comunitárias, como, sobretudo, põe em causa o futuro de estratos cada vez maiores da população portuguesa.

Infelizmente, exemplos não faltam. Desde o folhetim Bagão Félix das dezenas de imóveis do estado que eram e não eram para vender a fim de arrecadar receitas orçamentais, passando pela rapina dos fundos de pensões, com destaque para a CGD, a que se junta, agora, a denúncia do que está a acontecer com o atraso nos pagamentos de prestações sociais ao pessoal da PSP, de quem a ex-ministra Manuela Ferreira Leite teria usado algo parecido com o fundo de pensões, até aos carros de combate de Paulo Portas, que os trabalhadores despedidos construiriam nas instalações da ex-Sorefame/Bombardier, mas que, afinal, já não se sabe bem onde será, ou ao autêntico crime da privatização maioritária das OGMA, esta maioria PSD/CDS-PP deixa um legado que envergonha o País e empobrece os portugueses.

Por isso, neste final de feira das vaidades mesquinhas e boçais, a limpeza do lixo deixado por feirantes irresponsáveis exige não apenas vassouradas vigorosas e determinadas, mas também jactos de água que não permitam que ao lado medrem oportunidades de novas plantas daninhas, como é já bem notório na pobreza dos discursos e na carência de propostas verdadeiramente alternativas dos que andam a sonhar com uma maioria absoluta para utilizarem o poder a seu belo prazer. O povo português merece melhor.