&quot;Sem emenda&quot;<br />Vítor Dias no &quot;Semanário&quot;<span class="data">

7 de Maio de 2004

Tendo em conta que a moscambilha quase passou impune por entre o barulho das luzes das celebrações do 25 de Abril, era nossa intenção dedicar esta crónica à revisão constitucional que PSD, CDS-PP e PS, em fraterna confraria, consumaram há dias à sorrelfa de qualquer decente escrutínio da opinião pública.

Na verdade, trata-se de um episódio gravíssimo que fala como um livro aberto não apenas sobre convergências de fundo entre o PS e a direita mas também sobre a sua consciente associação no recurso a métodos políticos absolutamente vergonhosos.

A este respeito da convergência de fundo, basta dizer que aqueles três partidos, não estando ainda aprovada qualquer “Constituição europeia” e não se tendo feito ainda qualquer referendo nacional sobre o assunto, se entenderam para desde já consagrarem na nossa Lei Fundamental a sua subordinação àquela, e ainda por cima em termos que até o deputado do PS Vitalino Canas, embora escolhendo cuidadosamente as palavras, acaba de fustigar em artigo no “Expresso”.

Já a respeito da aliança em métodos inaceitáveis, fica tudo dito se se ficar a saber que entre a entrada em comissão da respectiva proposta conjunta PS-PSD-CDS (ocorrida na tarde de dia 22/4) e a sua votação final em plenário (verificada na tarde de dia 23) decorreram apenas 24 horas !.

Mas estejemos descansados: nada disto proibirá o PS e o PSD de, com as eleições europeias a aproximarem-se, aumentarem os decibéis da sua recíproca confrontação verbal; e nada disto impedirá o PS e a direita de, na primeira esquina, voltarem a verter umas copiosas lágrimas de crocodilo sobre a falta de transparência e a degradação da vida política e sobre a necessidade de a revigorar na base da ética e do respeito pelos cidadãos.

Mas, sobre este tema, temos de ficar por aqui porque se meteu à frente a urgência de dizer alguma coisa sobre o curioso tratamento jornalístico que o “DN”, em 4/5, entendeu aplicar a uma sondagem da Marktest sobre as próximas eleições para o Parlamento Europeu.

Começamos por dizer que só o facto de, nos resultados brutos desta sondagem, a declaração de “não voto” estar incrivelmente reduzida a 14% ( e o facto de ascenderem a 34,7% os que “não sabem/não respondem) devia levar o jornal a alguma prudência nos comentários, conclusões e projecções.

Anotamos de seguida que, como é costume, quem no “DN” assinou a interpretação desta sondagem também continua a não saber que uma margem de erro de 3,45% significa que, em principio, qualquer resultado atribuído a qualquer partido pode na realidade vir a situar-se entre 3,45 pontos abaixo ou 3,45 pontos acima do valor apresentado. E registemos que o texto fala de um suposto «rombo» na CDU mas parece não ter reparado que a coligação governante perderia dois deputados e quatro pontos percentuais.

Mas, por ora, o ponto que mais queremos desmascarar é o facto de na peça do “DN” (e nos noticiários da TSF) se ter afirmado que a CDU “atinge a fasquia dos 8%, o que poderá implicar a perda de um dos dois deputados que actualmente detém no Parlamento Europeu. O que aparentemente beneficia o “adversário” do mesmo campo político, o Bloco de Esquerda, que, (...), chega aos 4,3% e com eles à eleição do seu primeiro eurodeputado”.

Não sabemos como é que no “DN” ou na Marktest se fazem estas contas de converter as percentagens obtidas em deputados eleitos. O que sabemos é que só há uma maneira decente e séria de as fazer: ou seja, fixando arbitrariamente um número concreto e global de votantes, converter as percentagens de cada força em votos concretos e depois aplicar o método de Hondt para a determinação dos deputados eleitos.

Ora, fazendo isto tendo como referência um número de votantes igual ao de 1999, o que resulta desse ensaio é que, ao contrário do que afirma o “DN”, com 8% dos votos seria absolutamente certa a eleição de dois deputados pela CDU, e o segundo nem sequer seria o último a ser eleito mas o penúltimo. Aliás, não é de estranhar que assim fosse porque, em 1999, o CDS-PP elegeu dois deputados com uma votação de 8,16%.

E se o comentário politicamente orientado do “DN” o que quisesse dizer era que, com umas décimas abaixo dos 8%, a CDU correria o risco de não eleger o segundo deputado, então teria também obrigatoriamente de dizer que o Bloco de Esquerda, com umas décimas abaixo dos 4,3%, correria o risco de não eleger nenhum deputado. Mas, como se sabe, isso já não corresponderia à “onda” que, com notável isenção, patentemente se quer criar e favorecer.

Quanto ao resto, terminamos lembrando apenas que, há cinco anos, uma sondagem do “Público” deu à lista do PS liderada por Mário Soares 58% de intenções de votos e ela veio a ter 43%. E que, a oito dias das europeias de 1999, o “Expresso” atribuiu à CDU 5% e esta coligação veio a ter 10,3% nas urnas, não elegendo o terceiro deputado por um insignificante número de votos.

E não se diga que se provou que estas sondagens não eram boas. Porque a verdade é que, na época, foram tidas como tão boas como as de agora.