As anunciadas alterações legislativas nos impostos sobre o património, mostram essencialmente uma evidência: à semelhança do seu antecessor, o Governo de Durão Barroso também não tem vontade política para encarar frontalmente a questão da tributação do património em Portugal. Questão que é central na perspectiva da justiça fiscal. No quadro actual, a grande maioria do património não é tributado no nosso país. Porque se as formas actuais de constituição dos patrimónios individuais privilegiam a acumulação em bens mobiliários, a verdade é que a SISA e a CA incidem sobre o património imobiliário, enquanto o Imposto sobre Sucessões e Doações é como se não existisse. Ora, com as alterações agora divulgadas, e na perspectiva da distorção existente no âmbito da tributação do património de diferente natureza, a situação permanece inalterada (bem se podendo dizer que, no plano teórico, se agrava com a eliminação do ISD): a SISA e a CA, agora rebaptizadas, continuam a incidir, exclusivamente, sobre o imobiliário. Dir-se-á que as propostas para estes impostos, no âmbito da redução das taxas e da valoração dos imóveis para efeitos fiscais introduzem uma maior justiça relativa. Isso é verdade. Tudo aponta ( a prudência aconselha a só emitir opinião definitiva no conhecimento das propostas de lei) para que no âmbito do património imobiliário edificado - e só neste, porque nos mais de 11 milhões de prédios rústicos o Governo não toca - venha a verificar-se uma maior equidade na tributação dos prédios novos e dos antigos. Mas, se a SISA é “o imposto mais estúpido do mundo”, pelas mesmas razões o seu clone IMT continuará a sê-lo. E persiste a questão fulcral da “equidade na repartição dos encargos fiscais entre trabalho e capital/propriedade, o que é uma imposição de elementar justiça em qualquer sistema fiscal”. A injustiça actual poderia ser minorada com alterações legislativas reformulando o ISD - como proposto pela “comissão Silva Lopes” – sendo que o Governo optou diversamente, eliminando-o pura e simplesmente. Esclareça-se a propósito, que um Imposto sobre as Sucessões e Doações, com este ou outro nome, não releva de um qualquer espantalho “esquerdista”. Os acréscimos patrimoniais por transmissão gratuita, incluindo entre cônjuges, ascendentes e descendentes, são tributados em todos os Estados da UE. Como nos EUA e em tantos outros países. Portugal passará a ser a excepção. Mas a forma mais adequada para introduzir a justiça na tributação dos patrimónios seria, no meu entender e não só, a criação de um imposto único, anual, simples e eficiente, incidindo sobre o mobiliário e o imobiliário, com a consequente revogação dos três impostos actualmente existentes. Que incidisse apenas sobre as pessoas singulares, salvo nas situações (como a da CA) em que já actualmente são tributadas as pessoas colectivas, pois o capital próprio destas seria tributado no património dos detentores das respectivas participações. Que instituísse limites de valores patrimoniais abaixo dos quais haveria isenção de imposto - essencialmente por razões económicas ou sociais, mas também para limitar a capacidade de demagogia de todos aqueles cujo objectivo único é o da não tributação dos patrimónios mobiliários elevados. Que tributasse o património líquido, isto é, o património bruto deduzido das dívidas e obrigações pessoais com ele relacionadas. E cujas taxas seriam muito baixas. Um imposto, afinal, idêntico ao que existe na generalidade dos países da União Europeia, a começar na nossa vizinha Espanha. Enquanto não houver a vontade política de criar um tal imposto, continuar-se-á: a não atingir a capacidade de pagar inerente à titularidade de activos patrimoniais, elemento essencial de um sistema fiscal que se pretenda basear no princípio da capacidade contributiva; a sobrecarregar fiscalmente as classes média e média-baixa, pois nos seus patrimónios pesam (quase que) exclusivamente os investimentos em imobiliário; e a desperdiçar um elemento importante no combate efectivo aos escandalosos níveis de evasão fiscal que se registam no âmbito dos impostos sobre o rendimento (porque a existência de património pressupõe rendimentos suficientes para o adquirir e pagar). Prolongar a exclusão da tributação sobre a riqueza mobiliária é, em síntese, perpetuar o benefício ilegítimo da grande riqueza e objectivamente pactuar com a fraude e evasão fiscais. E é esta a opção do Governo.