&quot;Reabilitar: para quem?&quot;<br />António Abreu na&quot;Capital&quot;

A CML aprovou na passada sexta-feira a constituição de duas sociedades de reabilitação urbana (SRU), poucos dias depois de ser promulgado o decreto-lei 104/2004, de 7 de Maio, que regula o regime jurídico excepcional da reabilitação urbana de zonas históricas e áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística.

Esse diploma legal foi aprovado sem ter havido um debate público esclarecedor das motivações e consequências dessa decisão. A Assembleia da República introduziu alterações positivas numa forma inicial mas a versão promulgada, contendo potencialidades promissoras, contem tambem riscos tanto maiores quando uma orientação neo-liberal e de direita presidir às orientações destas sociedades.

A questão central dos riscos é saber se este processo, invertendo preocupações aparentemente unânimes nestes últimos trinta anos, se irá traduzir na concentração da propriedade em grandes imobiliárias e na expulsão das populações residentes para periferias dando lugar a camadas de altos poderes aquisitivos que contribuiriam para a descaracterização destes bairros, das suas relações de vizinhança e de outros traços com a consequente redução de identidades da cidade.

As virtualidades das SRU residem em objectivos que vêm da anterior maioria como a reabilitação ser feita por unidades de intervenção (quarteirão ou outras) para beneficiar em economias de escala, capacidade das empresas e maior coerência, uma maior rapidez resultante de encurtamento de prazos por deficiências burocráticas, a atracção do investimento privado para o processo e criação de fundos de investimento imobiliário que respeitem a manutenção nos bairros das populações e a actividade da construção civil passar a ter maior peso de reabilitação em prejuízo da construção nova.

Mas essas virtualidades poderiam existir dos próprios serviços municipais, mais agilizados e profissionalmente considerados.

Do decreto-lei estão ausentes opções eficazes na manutenção da população, o carácter integrado e pluridisciplinar das intervenções, a proximidade destas com proprietários e arrendatários, o respeito por regras construtivas e pela opção preferencial pela não demolição.

As SRU passam a beneficiar de um número significativo de competências recebidas dos municípios como o poder de autoridade, de planeamento (não obrigatório), de licenciamento, de expropriação, de fiscalização, de definição de arruamentos, etc. Os estatutos das que agora foram criadas não são taxativos no poder decisório superior dos municípios e o próprio diploma ilude a questão de que a aprovação de planos de pormenor e de alienação ou aquisição de capital das SRU deve caber às assembleias municipais.

Quando o diploma define a intervenção de “parceiros” promotores, dá-lhes largos poderes. Mas os proprietários e os arrendatários são confrontados com prazos apertados para aceitação de acordos e de rendas, com celeridade de aprovações tácitas tanto mais negativas quanto são débeis as capacidades de manobra e de recurso de ambos, frequentemente iletrados ou idosos. E os próprios municípios têm poucos dias pare se pronunciarem sobre a necessidade de planos de pormenor.

As SRU ficam isentas da aplicação das disposições do regime das empreitadas de obras públicas, o que reduzirá a transparência de processos.

O cruzamento deste diploma com um PDM alterado que facilite uma elevação geral do número de pisos facilitará as demolições e subidas de cérceas desaconselhadas nestas zonas.

Face a estes riscos, impõe-se que a CML delibere, a posteriori, sobre a criação de comissões de acompanhamento destes processos, integradas por diferentes sensibilidades políticas do município, juntas de freguesia envolvidas e por representantes de alguns organismos profissionais. E a quem as SRU garantam os meios de monitorização e informação que torne esse acompanhamento eficaz para efeitos de eventuais correcções no processo. Que será diferente, que não se poderá cingir ao funcionamento do mercado e que terá que continuar sob a alçada dos representantes eleitos do povo e numa grande relação de proximidade com os interessados.

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