&quot;Pensando bem...&quot;<br />Vítor Dias no &quot;Semanário&quot;

Se faltassem outros sinais – e eles infelizmente até sobram – bastariam algumas passagens de três textos publicados no passado fim de semana no «Público» para se perceber como são fortes os interesses, vastas as pressões e grandes as esperanças de que a quase certa mudança de ciclo político não traga mudanças significativas em relação às políticas fundamentais da direita ainda governante.

No sábado, um editorial de José Manuel Fernandes, adaptando um célebre discurso de Churchill em 13 de Maio de 1940, não fazia a coisa por menos do que afirmar que “o governo que sair das próximas eleições terá apenas para oferecer «esforço, lágrimas e suor» e o país, no estado em que está, tem perante si «muitos, muitos meses de luta e sofrimento». Meses não: anos”, o que bem podia ser resumido na ideia “volta discurso da tanga, que estás perdoado e reabilitado !”.

No mesmo dia, abrindo muito mais o jogo, era o dr. Correia de Campos, ex-Ministro da Saúde do último governo de Guterres a vir fustigar o que chamou de “clamores da viradeira” e a proclamar que, com os governos de Barroso e depois de Santana, “coisas houve que representam enérgicas reformas e que devem ser respeitadas”.

O antigo ministro do PS não se ficava por generalidades e logo adiantava, como exemplos de coisas que deviam ficar imunes à “viradeira”, o enquadramento dos institutos públicos, os hospitais-empresa, as parcerias público-privadas (autoestradas e hospitais), as propinas no ensino superior, as portagens na CREL, a avaliação do desempenho na função pública, parte da lei das rendas.

Dois dias depois, em entrevista ao «DN», o dr. Correia de Campos viria aliás a desvendar ainda mais o seu pensamento, permitindo-nos perceber que, quanto ao congelamento de salários na função pública, só tinha para nos dizer que “é uma questão conjuntural”; que defende que, quanto à construção dos novos hospitais em parceria público-privados, nos que “estão na calha não se deve tocar”; que é favorável à gestão privada também dos centros de saúde; e que entende que “o plafonamento das pensões tem de ser obrigatório, porque se não ninguém adere”.

E, para finalizar a sequência de textos a que nos referimos, diga-se ainda que, no “Público” de domingo, quem se chegava também à frente era Augusto Santos Silva, sentenciando que “a campanha remunerará quem não prometer mundos e fundos, nem fizer jura de virar tudo do avesso” .

Dados estes exemplos da artilharia que diariamente dispara contra uma real mudança de políticas ( a que se deve juntar o folhetim das viabilizações de um governo do PS que só serve para que se discutam cenários em vez das políticas necessárias e urgentes), é agora tempo de sublinhar que todas estas vozes esgrimem propositadamente contra fantasmas para melhor esconderem os seus reais objectivos e anseios.

É que, em boa verdade, ninguém anda a defender himalaias de promessas nem que se vire tudo, mas tudo, do avesso e, por isso, se tem de concluir que o que realmente preocupa e desasossega estas e outras personalidades é a justa reclamação de profundas rectificações e revogações da multiforme ofensiva que a direita no poder desencadeou desde Abril de 2002 , muitas vezes também debaixo da crítica – sincera ou não, adiante veremos – do próprio PS.

Mas, pensando bem, talvez tudo se compreenda na perfeição. Afinal, foi o dr. Correia de Campos que, ainda o Governo Durão Barroso não tinha iniciado funções, já estabelecia um magnífico plano para o PS na oposição, ao explicar (em entrevista ao «Independente» de 5.4.2002) que achava «muito bem que nos próximos três anos, o pensamento político do PS passe por recuperar os valores da esquerda. Depois no quarto ano, teremos ocasião de lançar pontes à direita». Ora como a legislatura de quatro anos foi interrompida e encurtada em um ano, é inteiramente natural que o dr. Correia de Campos e outros tenham de acelerar no lançamento de «pontes à direita».

De qualquer forma, bem podia o dr. Correia de Campos estar mais tranquilo e menos preocupado com o que chamou de «viradeira». É que palpita-nos que a sua nenhuma fome de significativas rectificações na política do Governo PSD-CDS se vai juntar, nessa matéria, à nenhuma vontade de comer do Eng. José Sócrates e da sua equipa.

É claro que, escondendo-se ainda debaixo de outras enganosas etiquetas, alguns recentes aguadeiros eleitorais do PS, esquecidos de tudo o que escreveram há apenas cinco ou dez anos, não hesitarão em classificar estas linhas como mais um sinal de uma suposta “dureza”, “sectarismo” e “inflexibilidade” do PCP.

Mas olhem que não. Embora, a nosso ver, defendendo falsas soluções e esgrimindo erroneamente contra o perigo de um próximo “bloco central” entendido como uma solução orgânica PS-PSD para o governo do país, por alguma razão até o Eng. João Cravinho (“DN” de 21/12) acaba de avisar, naturalmente em termos cuidados e moderados, que “o pior que o PS poderia fazer” seria pensar que evitaria tal perigo “matizando suficientemente a sua governação com elementos típicos do bloco central”, porque, concluía ele, “em política, a imitação é sempre pior que o original”.