29 de Janeiro de 2003Já no passado se abordaram nestas páginas os discursos pomposos e cheios de “politicamente correcto” sobre o tema a que se convencionou chamar “reforma do sistema político”. Nele encontraram PSD e PS (e também CDS) um confortável bode expiatório para o justo descontentamento e desencanto com a política de largas camadas da população. Assim procuraram, antes de mais, esconder que a grande razão do descontentamento popular tem sido a falta de resolução de muitos dos problemas que afectam o país, bem como a sucessão infindável de promessas não cumpridas eleição após eleição.É sintomático contudo, que face à gravíssima ofensiva do governo, de enormes consequências sociais e económicas, o PS resolva centrar o debate na questão da reforma do sistema político, assim contribuindo para almofadar e desvalorizar a ofensiva da direita. As iniciativas agora apresentadas pelo PS e pelo PSD, de alteração à lei dos partidos são da maior gravidade. Desde logo nem PSD, nem PS (nem CDS) souberam explicar o que funcionou mal na legislação que regula os partidos políticos, ao longo destes quase trinta anos de democracia, que agora justifique a prioridade dada à sua alteração. Tanto PS como PSD – aliás com poucas variações entre eles – querem impor um conjunto de regras que constituem uma absurda e injustificada ingerência na vida interna dos partidos e que a serem aprovadas se traduziriam na redução dos partidos a um modelo único. Senão vejamos. Segundo os projectos apresentados a lei passaria a definir que órgãos têm os partidos, a forma da sua eleição, que os grupos parlamentares se integram na estrutura dos órgãos, entre outras matérias, reduzindo drasticamente a liberdade de organização interna. O PSD chega a propor, num verdadeiro ímpeto controleiro, a entrega da lista de filiados no Tribunal Constitucional, ignorando o melindre que constitui a saída da lista de militantes para fora da esfera de cada partido. Para além disso avança com critérios para a extinção de partidos manifestamente desajustados. Bastaria por exemplo que um partido não concorresse a 50% dos mandatos de deputados, ou que obtivesse menos de 15 mil votos em duas eleições legislativas. Seria o caso entre outros da UDP ou do PSR.Chegam até a propor que os estatutos dos partidos passem a estar sujeitos a um exame de conformidade com a lei sem o qual não poderiam ter existência legal. É a recuperação da lógica de exame prévio que o fascismo impunha às associações, também sujeitas a exame prévio dos estatutos pelo Ministério do Interior.Claro que o fato é à medida dos alfaiates e os falsos ímpetos de democraticidade param onde isso belisque o funcionamento dos actuais partidos. Veja-se por exemplo que o PSD propõe que um terço (!) dos membros da “assembleia representativa” em cada partido, possam continuar a ser inerentes ou designados; que nenhum dos projectos garante que a alteração de estatutos (que em conjunto com o programa são o documento mais importante de um partido) seja competência exclusiva do congresso, permitindo que órgãos mais restritos possam fazê-la, como aconteceu recentemente no PS; que nenhum dos projectos belisca as famosas quotas privadas dos líderes partidários do PS e do PSD na indicação de nomes para listas. Certamente haverá abundantes discussões sobre as melhores formas de organização dos partidos. Mas a questão não é saber qual é, para cada um, a melhor solução. É saber se é legitimo que se restrinjam de forma absurda as formas de organização dos partidos políticos, violando de forma inadmissível a sua liberdade de organização própria. É não esquecer que já existem regras básicas para os partidos políticos e que estas sempre foram cumpridas. É questionar se é legitimo que uma maioria de partidos decida que os restantes devem funcionar à sua semelhança, e não de acordo com a vontade dos militantes que neles livremente se filiam.