O Presidente da Câmara de Lisboa retomou há dias uma proposta de Santana Lopes sobre o Parque Mayer, apresentada à vereação em sessão reservada em Junho.
Como a actual maioria quer ter a proposta aprovada na Assembleia Municipal, tomou nota das reservas da oposição, adiou a deliberação em Câmara e prometeu fazê-la regressar “tão brevemente quanto possível”.
A operação proposta seria conduzida por uma sociedade gestora de um fundo de investimento imobiliário, fechado, com três parceiros e participação minoritária da EPUL.
Para nós, a questão essencial é a forma de fazer cumprir uma promessa eleitoral de Santana Lopes. Reabilitar o Parque Mayer envolveu negociações em mandatos anteriores e é um objectivo com que todos estaremos de acordo.
Em Junho, com Santana Lopes, fizemos uma crítica fundamentada a esta proposta.
Questionámos que a concretização de uma prioridade de política municipal se fizesse a qualquer preço. E reclamámos elementos que fundamentavam o modelo proposto e o modelo alternativo apresentado pelo anterior presidente da EPUL. Que não aceitara subscrever a proposta de Santana Lopes e apresentara um modelo diferente, razão que terá sido decisiva para a sua demissão...
Mas, os elementos pedidos não foram fornecidos: a proposta, agora, voltou igual.
Esbanjar o património municipal?
Apesar do elevado montante dos valores em causa, uma pergunta parece inevitável: por que razão não haverá até agora um estudo financeiro para uma operação desta envergadura, que nos permita avaliar os resultados finais do Fundo Imobiliário?
Por que razão se procura antes avançar através de uma espécie de sedução de cariz cultural? Como se se quisesse dizer: «Se querem o Parque Mayer requalificado, esbanjem o património municipal… Desfaçam-se de um património municipal de cerca de 130 milhões de euros para receber construídos equipamentos culturais».
De facto, o município entra com dois terrenos muito valiosos na Feira Popular e Alta do Restelo, eventualmente com a construção de estacionamento subterrâneo, indemnizações a feirantes e pagamentos a Frank Ghery. Deixa de receber taxas urbanísticas e compensações. Mas a sociedade gestora, pertencente a um dos parceiros, conduziria o processo quase todo, sendo certo que o domínio dos custos e das adjudicações é decisivo para o resultado de redistribuição de mais-valias da ordem dos 300 milhões de euros. O interesse público estará muito diluído nas opções desta operação... O município perde o controlo do processo que lhe está cometido por lei.
Da sedução em excesso à escassez do rigor
Na proposta falta a definição de volumetrias e usos admissíveis porque os instrumentos de planeamento não estão aprovados. Avançam-se apenas valores de áreas brutas de construção, com base em vagos “estudos dos serviços”.
Faltam o preço das componentes comercializáveis, os previsíveis resultados das vendas, os custos de construção e taxas de comercialização, de projecto e de fiscalização.
Faltam os cronogramas, quer da componente imobiliária quer da entrega ao município dos equipamentos culturais.
Falta a razão para a EPUL se poder endividar num fundo constituído por três parceiros mas não num em que participasse apenas com os proprietários do Parque Mayer.
Falta aquilo a que se poderia chamar um «plano de viabilidade cultural», que incluísse modelos de acolhimento de criatividade, produção e fruição artísticas e de gestão dos equipamentos culturais e inserção destes num plano geral de revitalização da vida cultural da Baixa.
Falta a perspectiva de uma nova feira, adequada aos tempos de hoje.
Falta o espaço verde previsto para ser a sua ligação à estação de caminho-de-ferro de Entrecampos.
Falta uma palavra sobre a Fundação «O Século».
Falta a referência aos compromissos com os feirantes que não são colaterais.
Faltaram os debates públicos que a CML decidiu realizar até Junho...
Mas, a vingar tal proposta, não faltariam muitos, muitos mais apartamentos em três locais diferentes. No Parque Mayer. Mas também em Entrecampos e na Alta do Restelo.
Tudo isto remonta aos tempos de Santana Lopes.
Recordamos que, nessa altura, logo no início, o registo foi o da sedução aos artistas de revista, o das grandes ambições culturais e o da qualidade do traço de um grande arquitecto internacional. Parecia tudo «a bem da Cultura».
Depois o registo desfocou-se com o errático percurso do casino, as permutas, as respostas a tribunais, novas promessas, a elevação das edificabilidades, nomeadamente na Feira Popular, o rejeitar pelos proprietários de anteriores acordos e novos patamares reivindicativos que se desenvolveram apoiados na incontinência verbal da propaganda dos cenários de excelência....
O registo cultural esvaiu-se e a realidade parece ser uma operação imobiliária de condições e consequências mal definidas.
A pompa nos considerandos da proposta com a “ vantagem na utilização” nela dos referidos terrenos municipais ou com a “necessidade de intervenções urbanísticas de qualidade” contrasta com a falta de elementos concretos de avaliação.
Esta é uma questão a manter na agenda dos que se preocupam com a cidade de Lisboa. Com vista a defender o interesse municipal em próximas deliberações da Câmara e da Assembleia Municipal.