21 de Novembro de 2003
Salvo honrosas excepções - como os comentários de Miguel Sousa Tavares e de Alfredo Barroso e um silenciado comunicado do PCP (disponível em www.pcp.pt/actpol/temas/adminter/cp20031118.htm ) que desancou de alto a baixo a parvoeira reaccionária – passou quase relativamente impune nos últimos dias toda uma linha de argumentação a pretexto da partida para o Iraque do contingente da GNR que não pode deixar de suscitar uma veemente indignação democrática.
Tudo começou com Durão Barroso a proclamar que agora tinha “o direito de exigir que as discussões acabem e que todos sejamos solidários com os nossos homens no Iraque”. Uns dias depois, já era Paulo Portas a proclamar que “quando a GNR está no Iraque, não é a GNR ou o Governo que estão no Iraque, é Portugal que está no Iraque» e que “são os nossos guardas que lá estão, com a nossa bandeira e isso implica por parte de todos um comportamento de lealdade para com os nossos guardas que representam o país”.
Depois, embora num registo menos descarado e explícito, vieram observações de alguns jornalistas e comentadores como Teresa de Sousa que considerou no «Público» que as críticas do PS no dia da partida do contingente minavam «o indispensável apoio político nacional» ou José António Lima que proclamou no “Expresso” que “ se há momentos em que é legítimo levantar dúvidas, críticas e reticências, a hora da partida da missão da GNR para o Iraque não é seguramente, um desses momentos”.
E, por fim (provisório), talvez para nos lembrar que este inacreditável discurso e estas bafientas concepções não se limitam à direita governante e a um ou outro jornalista empolgado, veio também Nuno Severiano Teixeira, ex- Ministro do PS, declarar anteontem no Jornal da RTP/2 que “vale a pena deixar aquilo que está para trás; a partir do momento em que a GNR partiu para o Iraque , o governo, a oposição e a opinião pública aquilo que têm de fazer é apoiar incondicionalmente de maneira a que o moral das tropas seja elevado”.
Mesmo sendo contido nas adjectivações e juízos substantivos, não se pode deixar de afirmar que, em maior em menor grau, em todas estas afirmações perpassa um fundo comum de fraquíssima ou nula cultura democrática e um desonroso ressuscitar do mesmo tipo de pressupostos que levaram a ditadura fascista a classificar de «traidores à pátria» todos os que, com milhares de compatriotas seus a combaterem em África, criticavam as guerras coloniais assim “minando” a tão invocada “unidade na retaguarda”.
E, a este respeito, como salientou o comunicado do PCP, pouco importa saber se os principais protagonistas deste tipo de discurso na época andavam de bibe ou se eram joviais pré-adolescentes porque, em boa verdade, já tiveram quase três dezenas de anos, para aprenderem alguma coisinha sobre as concepções básicas do fascismo português e sobre os alternativos valores democráticos em boa hora vitoriosos com a revolução de Abril.
Uns por reaccionarismo estrutural e outros talvez por ligeireza, todos parecem não querer perceber que era o que faltava que fosse a própria consumação de orientações e decisões que outras forças políticas e cidadãos consideram erradas e nefastas não apenas a conferir-lhes legitimidade e autoridade como também a desautorizar críticas e divergências e a impor, pela via da chantagem emocional, uma “conveniente” mas artificial “unidade nacional”.
Era o que faltava que aqueles mesmos que directa e politicamente empurram os homens e mulheres da GNR para riscos consideráveis pretendessem usar esses riscos para calar a boca aos adversários e discordantes de uma decisão que, além do mais, só teve em vista sinalizar de novo uma extrema vassalagem face à Administração Bush.
Era o que faltava que, com semelhante discurso e concepções, se estivesse a instituir para qualquer governo uma receita de êxito garantido pois, de cada vez que as suas orientações face a um conflito internacional sofressem de contestação interna, logo decidiria do envio de tropas ou forças de segurança nacionais para o teatro de guerra como forma expedita de calar críticas e discordâncias.
E era também o que faltava que se pretendesse sentenciar que andam mal por exemplo todos os americanos ou ingleses que continuam a contestar a ocupação do Iraque e que andaram mal por exemplo todos os milhões de americanos que, insensíveis à “coesão da retaguarda” e a uma inventada “ unidade nacional”, combateram corajosamente a intervenção dos EUA nos Vietname.
Por favor, tenham todos juízo, muito juízo !