&quot;Os &laquo;Privilégios&raquo; da Função Pública&quot;<br />Bernardino Soares na &quot;Capital&quot;

Repetindo anúncios semelhantes de governos anteriores, o executivo PSD/CDS anunciou a “reforma da administração pública” proclamando intenções de maior eficiência, qualidade e respeito pelos utentes.

Até aqui nada de novo, nem sequer de original. De facto, dizer que a administração pública carece de uma reforma é um dos lugares comuns mais frequentes do discurso político, seja de responsáveis partidários ou de comentadores.

E ela precisa de facto de ser reformada, através do combate às ineficiências instaladas, aos procedimentos menos transparentes, ao clientelismo e sobretudo através da sua consideração como um instrumento decisivo para o avanço da sociedade e para a garantia dos direitos dos cidadãos.

Mas a reforma agora anunciada, partindo de preconceitos ideológicos bem vincados, tal como outras de anteriores governos, não é mais do que a receita do costume.

O Governo apresenta o regime especial de emprego público como um injusto privilégio. Não se trata contudo de um privilégio, mas sim uma garantia da independência e estabilidade da administração pública face às mudanças de governos e responsáveis políticos. Podem muitos cidadãos justamente desconfiar da forma como se processam alguns recrutamentos e promoções, mesmo sendo feitos por concurso. Mas certamente reconhecerão que a generalização do contrato individual de trabalho que o governo promete, para além de desproteger os trabalhadores abrangidos, deixará bem mais abertas as portas ao compadrio e ao clientelismo político.

Se hoje há já na administração pública milhares de “boys” laranja, como antes ouve “boys” rosa, muitos mais haverá quando as regras de contratação se flexibilizarem. E é claro que a flexibilização das regras no sector público é, além disso, um importante instrumento para pressionar os trabalhadores do sector privado a abdicarem de direitos.

Diz o Governo que há funcionários públicos “a mais”, mas não exemplifica como vai compatibilizar a sua política de congelamento de entradas e de incentivo às saídas, com sectores tão carentes como a saúde ou a administração fiscal, entre tantos outros. Esta política de não renovação dos quadros da função pública, há muitos anos em vigor, é aliás em boa parte responsável pelo seu envelhecimento geral, com consequências evidentes para a administração pública.

Proclama o Governo que é preciso menos Estado e só no papel de regulador dos vários sectores de actividade. Atrás disto, esconde a progressiva desresponsabilização do Estado por vários serviços públicos e sectores sociais, facilitando o caminho aos interesses privados. Menos Estado é afinal mais privado. E menores garantias para os cidadãos.

A reforma anunciada é mais um ataque à administração pública, aos seus trabalhadores e por isso também aos direitos de todos nós.

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