&quot;Os défices europeus&quot;<br />Ilda Figueiredo no &quot;Semanário&quot;

A pompa e circunstância da cerimónia de assinatura, em Roma, no passado dia 29 de Outubro, do tratado que aprova a constituição europeia, 47 anos depois da assinatura, no mesmo local, do Tratado de Roma, foi, sem dúvida, ensombrada pelo fracasso de Durão Barroso, que não conseguiu que a sua proposta de nova Comissão passasse no Parlamento Europeu. E não conseguiu por arrogância sua e teimosia dos governos, que insistiram em manter candidatos a comissários pessoas que claramente não reuniam o consenso mínimo para tal, como o processo de audições, nas diversas comissões parlamentares, tinha evidenciado. Viu-se como, na véspera de retirar a sua proposta, Durão Barroso insistiu, perante os deputados, na necessidade da sua aprovação, usando a chantagem e abusando das nossas tão conhecidas “teoria do caos” e “ teoria da falta de europeísmo” dos que se opunham à sua proposta. Só em cima da hora, perante uma eminente rejeição, Durão Barroso assumiu que precisava de mais tempo e que não tinha ainda uma proposta. E, afinal, não houve o caos nem os deputados que se opunham eram anti-europeístas… É uma lição importante que se deve retirar para o futuro, perante novas chantagens, novos usos e abusos da teoria do caos ou da tentativa de colagem do rótulo de anti-europeísta a todos os que lutam contra a via única e o pensamento único que nos tentam impor com o novo projecto de Tratado que aprofunda o que de pior têm os tratados anteriores, de Maastricht, Amesterdão e Nice. Claro que as declarações inadmissíveis do candidato italiano Butttiglione, que pressupunham uma visão discriminatórias das pessoas, em função do sexo ou da tendência sexual, foram a parte mais visível do processo. O que não podia ser aceite por uma maioria de deputados que se identificam com a defesa dos direitos e liberdades individuais, mesmo que, no plano social, tenham dificuldade em lutar contra as causas dos dramas que o liberalismo económico cria e reproduz.Mas havia muitas outras razões para a oposição a esta proposta, mesmo para aqueles que tinham votado favoravelmente em Durão Barroso para Presidente da Comissão Europeia. Destacou-se a falta de preparação e conhecimento dos dossiers por parte de alguns candidatos e as ligações profundas a alguns grandes interesses económicos e financeiros, para além da insistência em políticas que estão a agravar as desigualdades, a aumentar o desemprego, a pobreza e exclusão social na União Europeia, pondo em causa direitos humanos fundamentais, questão a que o meu Grupo é particularmente sensível, pelo que se opôs à indicação de Durão Barroso para Presidente da Comissão. É que não concordamos que se insista no mesmo tipo de políticas monetaristas, financeiras, que praticamente divinizam a estabilidade dos preços, como fazem com a utilização dos estúpidos critérios do Pacto de Estabilidade, que promovem as liberalizações e privatizações de sectores básicos e serviços públicos essenciais, que dão toda a prioridade à concorrência e competitividade e ignoram os cerca de 20 milhões de desempregados e os 70 milhões de pessoas em risco de pobreza ou mesmo já numa situação de pobreza e exclusão social.Ora, sendo verdade que o que se passou revela algum reforço do poder do Parlamento Europeu, é necessário tornar claro que isso nada tem a ver com a dita constituição europeia, ao contrário do que alguns comentaristas se apressaram a afirmar. O novo Tratado apenas foi assinado, a 29 de Outubro, pelos governos dos 25 países da União Europeia. Mas a sua entrada em vigor vai depender da ratificação por todos e cada um dos 25 Estados-membros, através de referendos ou dos seus parlamentos nacionais. Pela nossa parte, lutaremos contra a sua aprovação, por que, ao contrário do que por aí se afirma, não resolve os défices democráticos europeu. Pelo contrário, aprofunda-os, insistindo nas políticas que estão a causar o descrédito nesta construção europeia.

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