&quot;Ordem natural das coisas&quot;<br />Ruben de Carvalho no &quot;Diário de Notícias&quot;

A questão da lei sobre a limitação do exercício dos cargos políticos coloca alguns problemas interessantes.

Seria à primeira vista de supor que a vida, o natural e implacável decorrer do tempo, também aqui se encarregaria de impor a solução coerente com a realidade. Por via do que nos habituámos a chamar a ordem natural das coisas, as pessoas iriam revelando as suas apetências e capacidades para o exercício de determinadas funções com responsabilidades colectivas, os seus concidadãos democraticamente os reconheceriam ou não. E, sempre por via da tal ordem natural das coisas, com o correr dos anos a vontade e vigor dos que exerciam ir-se-ia atenuando, tal facto socialmente seria reconhecido, outros protagonistas apareceriam, as substituições ir-se-iam fazendo – e a vida iria decorrendo. Segundo a ordem natural das coisas.

Dir-se-á pois é – mas estamos a falar do poder. Essas tais funções ou responsabilidades colectivas correspondem à capacidade de influir sobre a vida dos outros e, ao influir, disso beneficiar. E desse benefício extrair novas formas de relacionamento, de domínio, de distribuição interessada. A questão não está assim tanto no facto de se exercer uma função de interesse colectivo, mas sim no de que, ao fazê-lo, seja possível obter um interesse individual.

E aí, já se vê, o problema coloca-se de outra forma. Não é exclusiva ou mesmo essencialmente, a capacidade para o exercício da função que determina, sucede mesmo que a função proporciona mecanismos de dominação que permitem a quem a exerce prossegui-la.

Enquanto ao exercício do poder estiver ligada esta possibilidade de exploração de uns em benefício dos outros é parece indispensável que se estabeleçam critérios de controlo do exercício desse poder. Limitar o tempo de exercício pode ser defendido como útil, embora seja claro que são necessários muitos outros para o impedir.

Mas é evidente que só o fim da exploração dos homens pelos outros homens permitirá repormos – a ordem natural das coisas.