A afirmação será um tanto pretensiosa – ou meio bacoca, o que não deixa de ir dar quase ao mesmo... –, mas uma das reais dificuldades em escrever sobre política, especialmente em textos que se querem breves e interventores, é o que me permito designar por questões conceptuais.
Para ninguém é novidade que a língua, ela própria, é terreno onde se processa luta de ideias, com as palavras a desempenharem um guerreiro papel de instrumentos de ataque e defesa. O problema é a autonomia que as palavras assumem, deixando o seu uso de corresponder exclusivamente à funcionalidade de referir os conceitos a que seriam forma, para enfrentar a autonomia própria que adquirem numa sucessão de significados e significantes a tornarem quase labirínticos os discursos.
Confesso que, não sendo (como se imaginará...) propriamente um tomista, ao deambular por antologias sobre a Cidade e relendo passos de Tomás de Aquino, fica-se saudoso da apaixonante preocupação de, prosaica e profundamente, definir conceito a conceito, ideia a ideia, situação a situação! Pode não se estar de acordo, mas tem a espantosa vantagem de introduzir no diálogo uma espécie de comum dicionário conceptual! "Quando escrevo isto quero dizer isto, quando escrevo aquilo quero dizer aquilo!" Que bom!
Todo este desabafo vem a propósito de um texto de José Gil, na Visão, sobre a cidadania europeia que penso sofrer exactamente daquele problema conceptual, para o qual o implacável quotidiano da realidade popular criou a feliz expressão de falar em alhos e responder em bugalhos...
Para ser inteiramente sincero, acho que José Gil não sofre do problema usa-se dele. O "truque", é conhecido: define-se de forma própria e com discutível exactidão uma ideia ou conceito que se pretende criticar em condições que inevitavelmente sustentam a contestação que depois se irá fazer!... Se eu "explicar" que a teoria heliocêntrica "significa" que Saturno está no centro do sistema solar, não terei grande dificuldade em "explicar" que, afinal, Copérnico estava errado...
(Conclui amanhã)