&quot;O Iraque e o 25 de Abril&quot;<br />Bernardino Soares na &quot;Capital&quot;<span class="titulo1">

Foi com espanto e indignação que muitos assistiram à comparação feita por Telmo Correia – líder parlamentar do CDS/PP e colunista nesta mesma página – pelo director do “Público” e por outros comentadores da nossa praça, entre o 25 de Abril em Portugal e o que se está a passar hoje no Iraque.

A abstrusa equivalência não é inocente. Pretende em primeiro lugar deturpar o que se está a passar no Iraque. Mas visa igualmente recauchutar o significado do 25 de Abril e dos seus ideais de progresso e de liberdade.

No 25 de Abril o levantamento das forças armadas nacionais, imbuídas dos mais profundos sentimentos do povo de que eram parte, foi imediatamente secundado por uma adesão popular massiva, quer no próprio dia, quer nos tempos que se lhe seguiram; julgo que nem os mais exaltados “libertadores” se atreverão a dizer que no Iraque acontece o mesmo, mesmo sendo certo que o povo iraquiano não guarda qualquer saudade do ditador Saddam Hussein.

No 25 de Abril as Forças Armadas revoltaram-se, entre outras coisas, para pôr fim à ocupação colonial dos países africanos; no Iraque impôs-se uma ocupação de um país independente por uma potência hegemónica, que na realidade ninguém sabe quando vai acabar.

No 25 de Abril não foram bombardeadas cidades e vilas, não morreram milhares de pessoas, não foram destruídos milhares de edifícios, não caíram bombas na RTP, ninguém transformou os alojamentos dos jornalistas em alvos militares, nenhum museu ou hospital foi pilhado, não se generalizou o caos consentido pelas tropas, e os tiros apesar de tudo disparados tiveram origem nos pides.

No 25 de Abril os jovens capitães e os que os seguiram levavam no alforge das suas consciências o desejo inabalável de conquistar a liberdade, a democracia e a paz. Não levavam milionários contratos de reconstrução previamente assinados, nem quotas petrolíferas.

Os militares de Abril nunca beneficiaram pessoalmente com o seu papel na Revolução (muitos aguardam até hoje a reposição parcial da injustiça a que posteriormente foram sujeitos pelo seu envolvimento nela); os responsáveis norte-americanos, (a começar pelo Presidente e pelo seu Vice e passando por vários membros do governo) ostentam bem conhecidas ligações a empresas do armamento, do petróleo ou que são titulares de contratos de reconstrução.

Irónico é sem dúvida o facto de, enquanto o Iraque da ditadura de Saddam, à data da sua queda, era designado como membro “eixo do mal”, o Portugal da ditadura de Salazar e Caetano era, à data da sua queda, membro de pleno direito… da NATO.

Muitos portugueses combateram o fascismo e lutaram para o derrube da ditadura; mas não conheço nenhum que aceitasse para isso a destruição e a invasão do país por uma potência estrangeira.

Talvez alguns pensem que quem compara o que se passa no Iraque ao 25 de Abril, não compreendeu ainda o significado da nossa Revolução. Ao contrário, julgo que quem faz tal comparação sabe muito bem o que foi Abril e o que os seus valores continuam a significar para os portugueses. É por isso que compara.